Abordagem social em Tatuí­ esbarra em resistência da ‘população de rua’





“Nós não podemos obrigá-los a nada. Temos que tentar cativar, conversar e falar sobre o serviço”. Essa estratégia tem sido uma das medidas adotadas pelos profissionais do Creas (Centro de Referência Especializada de Assistência Social) como solução para atender moradores de rua. Em Tatuí, o trabalho, denominado “abordagem social”, encontra desde resistência a incompreensão.

A ação é uma das várias atribuições do órgão no município, conforme explicou a coordenadora e assistente social Nativa Quedevez de Souza. É, também, uma das que mais exigem dedicação com relação a resultados práticos.

“É uma situação muito delicada e não compreendida por quem vive nas ruas, pelos serviços e por algumas pessoas”, argumentou a responsável pelo Creas.

Para atender a quem não tem um lar fixo e precisa dormir ao relento, o órgão envia profissionais para realizar a chamada “busca ativa”. Trata-se de um trabalho de campo, no qual a equipe do Creas percorre ruas do município. Durante a passagem, os profissionais também conversam com os moradores.

Na cidade, o número de pessoas que vive nas ruas tem diminuído. Pelo menos é o que informou a coordenadora do Creas. Embora não tenha falado em números, Nativa defendeu que “a quantidade de espaços que permitiam a ocupação por pessoas sem um lar para morar” diminuiu no município.

A redução está ligada a ações desenvolvidas pelo poder público, como a implantação de barreiras, a notificação de proprietários e o apoio aos que não têm teto. “Ainda existem alguns casos de pessoas vivendo nas ruas, e o nosso problema é com relação à resistência e à incompreensão da população”.

De acordo com a assistente social, uma parcela das pessoas não entende porque não deve oferecer ajuda por meio de doação de comida ou cobertores, por exemplo. “Todo mundo quer um pedacinho no céu. Então, quando alguém vê um morador, dá coberta, roupa, comidas e mais comidas”, citou.

Há casos em que pessoas que residem próximas dos locais em que os moradores de rua ficam, proveem alimentos até mesmo para os cães deles. Esse comportamento, apesar de generoso, causa efeito negativo com relação à assistência social. Isso porque, tendo comida, roupa e até tratamento – ainda que sem condições mínimas de higiene –, quem dorme nas ruas dificilmente escolheria ter de ficar em alguma instituição ou casa de abrigo.

No município, Nativa ressaltou que quem não tem um lar fixo ou mora temporariamente nas ruas pode recorrer à Casa de Apoio aos Irmãos de Rua São José. Conforme ela, o único senão é que muitos deles se recusam a ficar na instituição. “Eles não querem porque, minimamente, existem regras”.

Outro fator de resistência é a dependência ao álcool ou a drogas. A coordenadora citou que, em um dos casos atendidos recentemente pelo órgão, os profissionais não tiveram sucesso em convencer uma jovem a deixar as ruas. A mulher – que não teve o nome e idade divulgados – é viciada em crack.

“Ela não quer ajuda e está em situação vulnerável. Tem uma família boa, mas não aceita nenhuma colaboração. Infelizmente, ela é uma forte candidata a morrer nas ruas, e em breve”, disse a assistente social Clarice Ribeiro.

Para tentar mudar essa realidade, Clarice, Nativa e a equipe do Creas trabalham com informação. O grupo promove orientação junto a familiares dos moradores de rua e de pessoas que estão sofrendo por conta de vícios. Também oferecem possibilidades de tratamento, internação ou acolhimento.

Nativa explicou que o protocolo de atendimento e o “pacote de serviços” variam de acordo com o tipo de público. As “variações” também se estendem à situação em que jovens, idosos e pessoas em situação de vulnerabilidade social chegam até o órgão. Basicamente, as portas de entrada são três: encaminhamento pelo Judiciário, denúncias e demanda espontânea.

Com maior número de atendimentos, os jovens são encaminhados ao Creas pela Vara da Infância e da Juventude. Os idosos vão até o órgão a partir de denúncia anônima (via Disque 100), pela rede de serviços públicos e via Promotoria de Justiça. Pacientes com problemas psiquiátricos, drogados e mulheres procuram pelos serviços por conta própria.

Em qualquer dos casos, o Creas realiza levantamento da situação. Esse trabalho pode incluir, por exemplo, confirmação da denúncia ou da situação de vulnerabilidade. Dependendo do caso, as visitas são feitas com apoio ou solicitadas por efetivo das forças de segurança (Polícia Militar e Guarda Municipal).

Muitos dos casos atendidos em Tatuí são gerados a partir de denúncias. A maioria delas, conforme a coordenadora do Creas, não tem fundamento. Nativa relatou que há casos em que vizinhos ouvem gritos (provenientes de discussões entre familiares) e acionam os serviços de segurança ou de reclamações.

“Quem ouve pode imaginar que, ali, pode existir uma agressão física e manda o caso para o Disque 100”, descreveu. A denúncia pode chegar diretamente ao Creas, ou ser encaminhada ao Judiciário.

No segundo caso, a Justiça repassa a informação ao órgão junto com determinação de prazo para cumprimento de visita. A finalidade é a verificação da informação.

Quando a denúncia não procede, os profissionais do órgão municipal preenchem relatório e informam a situação ao Judiciário. Em algumas vezes, o documento pode ser acrescido de atestados médicos ou outros complementos.

As ações são realizadas por toda a equipe, que se dividiu em setores. O Creas tem profissionais dedicados às medidas socioeducativas, ao trabalho com idosos e envolvidos com “drogadição”. “Nós nos revezamos como um todo para dar suporte uns aos outros e para que a demanda seja atendida”, frisou Nativa.

Com isso, na ausência de um dos profissionais, pelo menos o acolhimento será realizado inicialmente. O trabalho seguinte será feito pelo funcionário responsável.

 

Acompanhamento

O tempo de acompanhamento depende do público atendido (jovens, idosos ou pessoas em vulnerabilidade). Jovens, por exemplo, precisam frequentar o órgão por um período pré-determinado pelo Judiciário.

Menores de idade podem ser obrigados a frequentar o órgão por períodos variados. Os jovens que estão em liberdade assistida (cumprindo medidas socioeducativas) são acompanhados na escola, junto aos familiares e passam por avaliações.

O cumprimento da decisão envolvendo menores de idade pode ser encurtado, estendido ou mesmo agravado a partir de sugestões. Nativa afirmou que técnicas do Creas têm a liberdade de relatar à Vara da Infância e da Juventude quando há melhoria, ou quando não há avanços no comportamento.

“Ela diz o que acha ser melhor, mas é o juiz quem decide se vai suspender o cumprimento da medida, ou se vai enviar o jovem para a Fundação Casa para refletir lá. O nosso juiz (Marcelo Nalesso Salmaso) é muito receptivo”, disse Nativa.

Para atender aos adolescentes, o centro oferece cursos profissionalizantes por meio de parcerias. Uma das parceria acontece com o Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial) de Itapetininga, que oferece treinamentos às segundas, quartas e sábados.

Jovens também podem fazer oficinas de música, que envolvem rimas com hip-hop, ministrada pelo MC Visel. Fora do Creas, os jovens podem realizar outras atividades em parceria com instituições como a Casa Unimed e o Lar “Donato Flores”. O Fundo Social de Solidariedade também recebe menores.

As atividades são definidas em comum acordo entre os jovens e os pais deles. Para incentivar a frequência, Nativa explicou que as profissionais do Creas apresentam “um leque de possibilidades”. “Não adianta falar para o jovem que vá à missa todo dia se ele odeia. Então, damos várias opções”, declarou.

Esse tipo de medida visa incentivar os menores a cumprirem as medidas socioeducativas. “Na verdade, eles não são muito comprometidos. Até por isso, chegaram até aqui (ao Creas)”, analisou a coordenadora.