A mulher mais alegre que conheci

Sexta-feira, dia 2 de agosto, faleceu em Itapetininga dona Cláudia Magaldi de Morais, uma das mulheres mais alegres do mundo. Artista plástica, era mãe do meu amigo Carlos Eduardo Vieira de Morais e de seus irmãos Rubinho, Maria Antonieta e Rodolfo, este último já falecido.

Ninguém precisou colocar apelidos em seus filhos, pois, logo ao nascer, ela mesma se encarregava… Este parece um pingo, e carimbou Pingo para o Carlos Eduardo. Olha o cabelo do Rodolfo, parece um pincel, e colocou o apelido de Pincér para ele. A Antonieta, comilona, igual uma formiga, ficou com o apelido de Saúva. Escapou só o Rubinho, que ficou apenas com um diminutivo, pois seu pai também era Rubens.

Dona Cláudia estava escrevendo alguns de seus causos, alguns dos quais já contei aqui no O Progresso de Tatuí. Assim, como uma homenagem a essa mulher alegre, disposta, otimista e que, segundo ela mesma, era mãe dos melhores filhos do mundo, avós dos netos mais inteligentes e lindos da Terra, e bisavó das crianças mais lindas e espertas do universo. Adorava tudo que era dela.

Com seu otimismo e jovialidade, nunca ficou doente. Deus, sabendo de seu coração alegre e de seus bons pensamentos, permitiu apenas uns minutos de aflição e a recolheu em seus braços. Não sofreu. Mas, quando contava um “causo”, pincelava exageros, como este que republicamos aqui:

Certo dia, fui visitá-la em Itapetininga junto com Marcelo Ferreira. Foi uma conversa muito agradável, com muito riso e recordações de outros tempos. Ela contou, também, alguns causos, todos hilários e com muito exagero, como este que disse que lhe aconteceu quando residia em Angatuba:

Disse que se preparava para viajar a São Paulo. Colocou uma roupa adequada e pegou uma bolsa que combinava certinho com o vestido escolhido.

– Era uma bolsa muito bonita que comprei em Paris! – comentou, valorizando esse seu acessório.

Mas percebeu que a alça da bolsa estava quase arrebentando. Lembrou-se que havia um seleiro ali por perto. Certamente ele teria uma máquina apropriada para costurar a tira de couro rompida.

A selaria estava estabelecida em uma casa muito antiga, construída de taipa. A oficina era precariamente adaptada em um cômodo dessa velha residência. Como a rua era em declive, o acesso a essa sala era por meio de uma escada mal dimensionada, com três enormes degraus, medindo mais de 30 centímetros de altura, e que invadiam a calçada.

Com alguma dificuldade, subiu os tais degraus, pois hoje – avó e bisavó – não tem mais a mesma agilidade dos tempos em que lecionava na escola rural do bairro de Pederneiras, em Tatuí.
A oficina do seleiro, muito suja, era o retrato do improviso. Uma pequena sala com pouco mais de cinco metros quadrados, com um pequeno balcão quase rente à porta de entrada, que permitia apenas que o cliente colocasse seus pés naquele pequeno espaço entre o balcão e a porta. O chão, muito sujo, era de cimento com vermelhão. Uma cortina de chita, com uma estampa indescritível, separava a oficina do restante da casa.

Como não havia forro, percebia-se o madeiramento do telhado, com vigas de madeira lavradas com enxó e caibros roliços de palmiteiro, como se costumava construir no final do século 19. As prateleiras, antigas, estavam cheias de objetos variados. Pedaços de couro, caixas, retroses, carretéis, fivelas, ganchos,
ferramentas, óleo Singer e muitos calendários antigos, daqueles com imagem religiosa e com folhinhas que são retiradas a cada dia.

O dono da selaria, conhecido pão-duro nessa cidade, não jogava fora as folhinhas, pois utilizava o verso delas para anotações. Porém, parecia que não usava muito desse recurso, considerando a quantidade de folhinhas destacadas e empilhadas na parte inferior da prateleira.

O seleiro era um homem relativamente baixo, mas muito gordo, pesando cerca de 220 quilos. Com esse físico, sua mobilidade era muito pequena e, por isso, colocou as máquinas da selaria muito próximas. Sentava-se em um banco super-reforçado, que consistia em um toco de eucalipto. O homem ocupava quase metade do espaço da oficina. Quando precisava usar uma máquina, sentado, sem se levantar, ia girando seu enorme tronco com os pés, até ficar em uma posição que lhe permitisse utilizar a máquina.

Para virar de outro lado, a mesma coisa, sempre escorregando seu espantoso traseiro naquele toco de eucalipto. Com o tempo, a fricção e o suor, a superfície da madeira ficou bastante lisa, facilitando para movimentar-se daquela forma, sempre sentado.

Mas, ao perceber que uma cliente havia entrado em seu estabelecimento, quis levantar-se. Para ajudar erguer aquele corpanzil, apoiou as duas mãos no balcão, quase que vergando as tábuas de pinho que serviam de tampo. O homem, esforçando-se para levantar, foi ficando rubro de tanto esforço. Seus olhos arregalavam-se a cada tentativa de levantar. Dona Cláudia ficou assustadíssima com a fisionomia do homem, que lhe pareceu um enorme e ameaçador sapo.

Apoiando-se nas mãos e dando embalo ao corpo, o homem tentava levantar-se. Upa, upa, upa! A cada tentativa seus olhos esbugalhavam mais e mais, ao mesmo tempo em que se ouvia um rugido em seu ventre, parecendo uma fera acuada: rrrrrrrrrrr!
Upa! Upa! Upa! O homem tomou embalo e começou a se levantar. Nesse momento – PUUMMM! -, ouviu-se um bombástico peido. O mais alto que dona Cláudia já havia ouvido em toda a sua vida.

Estrondoso e muito forte, pois com o fluxo de ar que saiu junto com o barulho, direcionado em parte à prateleira do fundo e em parte ao chão imundo, levantou poeira e fez cair todas as folhinhas guardadas na prateleira.

Assustada, sem entender direito o que estava acontecendo, dona Cláudia pensou em sair dali. O ar malcheiroso que saiu do traseiro do seleiro fez uma espécie de redemoinho, enchendo os olhos dela com ciscos, impedindo que visse as coisas com nitidez. Olhou para o telhado da oficina, pensando que estava caindo, enquanto que as folhinhas, em redemoinho, passavam voando em sua frente: janeiro, fevereiro, março, abril… meses e mais meses, marcando 1996, 1997, 2000, 2001… Atordoada, pareceu-lhe que havia no mínimo um século de folhinhas voando.

Como um raio, desceu correndo aqueles enormes degraus e atravessou a rua sem olhar para os lados, abrigando-se na outra calçada, imaginando que a velha casa ia cair.

– Fiquei braaanca de susto! – enfatizou.

Como se afobou e empalideceu com o susto, umas conhecidas correram para acudir, perguntando o que havia acontecido.

Enquanto uma delas entrou em sua casa para pegar um copo de água
com açúcar, as outras a aparavam, ainda muito abalada. Perguntada sobre o que havia acontecido, disse:

– O gordo da selaria soltou um pum tão forte que parecia que a casa ia cair! – com alguma dificuldade, explicou.
As mulheres começaram a rir e até se esqueceram de acudi-la. Logo uma delas comentou:

– Ah, isso acontece mesmo. Ele é um conhecido flatulento que, a cada um ou dois anos, solta um poderoso e estrondoso peido que assusta toda a vizinhança! – explicou, às gargalhadas.

Agora, dona Cláudia, a mulher mais alegre que conheci, conta seus causos no céu, contagiando todos com sua alegria. Adeus!