Certa vez, fui contratado para fabricar e instalar alguns armários numa casa localizada num dos bons condomínios existentes na terra de Chiquinha Rodrigues.
O verdadeiro nome do proprietário dessa residência será omitido nesta história, que, por motivos óbvios, ficaria muito pê da vida, caso eu o citasse.
Construí os módulos usando madeira de primeira e certificada, coloquei-os na condução e rumei para a tal casa. Estacionei em frente e, imediatamente, comecei a transportar a preciosa carga para dentro do imóvel.
Logo a seguir, ouço o barulho de um veículo estacionando defronte à bela casa. Era o senhor Xifros, o proprietário, que, com um sobrenome desses, só poderia ser polonês.
Ele entra apressadamente com um pacote na mão – soubemos depois, que era sorvete de pitanga, o mesmo sabor que D. Pedro adorava tomar entre as suas visitas furtivas para a senzala. Tem até um comercial de TV que mostra uma bela moçoila tendo ao fundo o Museu do Ipiranga e, antes de levar uma colher cheia de sorvete à boca, afirmava que D. Pedro adorava sorvete dessa frutinha doce, vermelha e recheada de corós.
Deixa pra lá o intrépido monarca, vamos voltar para nossa história. A verdade é que marido que se presa, ao chegar em casa, deve buzinar, assobiar, tossir ou até soltar uma bufa, mas tem que fazer alguma coisa para alertar sobre sua aproximação.
Aconteceu que o marido de sobrenome estranho entrou casa adentro sem avisar, entrou com tudo, lépido e silencioso. A patroa falava distraída ao telefone; ele, então, levou o sorvete até a geladeira e ouviu uma gargalhada descontraída da esposa, aquele tipo de risada que a gente dá só quando o cônjuge está distante.
Estranhando aquela situação, foi sorrateiro até a sala e deu uma olhada com um olho só. A esposa continuava com o aparelho no ouvido, seguro por uma das mãos, já que a outra mão segurava uma toalha em volta do corpo, demonstrando que havia saído havia instantes do banho. Irritado, o maridão repreendeu a mulher, pois havia pessoas estranhas trabalhando na casa, e ela ali, coberta por apenas uma toalha de banho.
Ele deu uma parada em seu comentário, fitou a mulher bem nos olhos e perguntou com voz cavernosa:
– Com quem você está falando ao telefone?
A mulher, toda desconcertada, quase derruba a toalha que a cobria e, numa fração, espertamente, olha para o maridão e fala, docemente:
– É a Claudinha, mor!
– Alô, Claudinha, o Xifros chegou… tá bom… mando sim… Volta-se novamente para o homem e diz:
– A Claudinha mandou um abraço para você, mor! Ela me contou uma piada muito boa – e riu novamente, agora um tanto sem graça. – Kkkkkkkkkkk, mas, na verdade, ela quer marcar um joguinho de cartas para um dia desses.
O marido, que a princípio estava bufando, deu uma recuada e continuou a ouvindo:
– Você leu a revista Veja desta semana, Claudinha? Tem reportagem que é um arraso, dá nome aos bois, um verdadeiro “lava carros” – e olha para o marido, já se recompondo.
O marido, que, de início, parecia ter levado um raio na espinha, que havia o percorrido de cima abaixo, da cabeça até o fiofó, agora respirava aliviado: “Imagina, ter suspeitado de minha doce mulherzinha”, deve ter pensado ele. Enquanto isso, a jovem esposa se despede da Claudinha, desliga o telefone e comenta:
– A Claudinha é demais!
Voltamos ao trabalho… mas não decorreram nem cinco minutos e outro carro estaciona em frente à animada residência. De seu interior, sai uma esvoaçante loura, que também entra sem bater e vai logo gritando:
– Oi, gente! Estou com saudades de vocês! Faz tempo que a gente não se vê e nem se fala… Oi!?
Era a Claudinha!