Meu banco e as estátuas bêbadas

Mouzar Benedito *

Uma coisa que eu sempre gostei de cidades pequenas de Minas Gerais é que todas elas se orgulhavam de ter uma praça central bem bonita. E todas elas têm, ou tinham, bancos doados por moradores. Cada banco com o nome do doador, sua profissão ou sua loja, sua fazenda, sua oficina, o que quisesse.

Na minha terra, a praça Santa Rita, bem comprida, sempre teve bancos assim. Muitos. Eu olhava aquilo e pensava: “Gostaria de ser doador de um banco desses”.

A oportunidade apareceu há uns seis ou sete anos, quando reformaram a praça e trocaram os bancos. Doei um. Pedi pra colocar nele só meu nome e o símbolo do anarquismo. Mas brinco que virei banqueiro, tenho um banco na praça. Um banco anarquista!

Voltando às praças, eu sempre estranhei que em muitos lugares os prefeitos não dão a menor importância a elas, e os moradores pouco ligam. Não têm uma praça gostosa de frequentar.

Há uns tempos, fui trabalhar em Campinas, cidade enorme do interior paulista, e lá tem muitas praças bem cuidadas. Gostei. E vi que homenageavam pessoas naturais de lá ou mesmo figuras históricas nacionais com estátuas e nomes de ruas. Havia muitas.

Mas um morador brincou comigo, pedindo para reparar na localização dessas estátuas. Uma das figuras mais ilustres da cidade é o compositor Carlos Gomes. Ele tem uma praça com seu nome e uma estátua. Mas estranhamente, a estátua dele não fica na praça Carlos Gomes, e sim no largo Antônio Pompeo, que também é homenageado com um busto, mas não sei onde.
Na praça Carlos Gomes, a estátua que tem é de Rui Barbosa.

Hércules Florence, francês que morou em Campinas até morrer, no século 19, era um grande artista e inventou a fotografia antes do francês Daguerre, mas não é reconhecido por isso. Merece uma estátua, não é? E tem. Mas não fica na praça Hércules Florence, fica no largo São Benedito.

Esse morador me explicou brincando porque acontece isso. Antigamente, segundo disse, cada estátua ficava na praça com seu nome.

Uma madrugada muito fria, gelada, com as ruas vazias, as estátuas ganharam vida magicamente, se juntaram e beberam a noite inteira. Quando estava para amanhecer, tinham que voltar para seus lugares antes que a cidade acordasse.

Voltaram, mas estavam todas bêbadas e erraram seus caminhos, trocaram de lugar. E assim está até hoje.

* Escritor, geógrafo e contador de causos.


Livros do Mouzar Benedito pelas editoras Boitempo, Limiar e Terra Redonda.

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