Onde estás que não respondes?
É de arrepiar o estado da nossa língua pátria. Não adianta culpar os alunos, a coisa vem mais de cima. E nem os mal pagos professores, o problema está ainda mais acima deles. Não é preciso ser um erudito, daqueles empedernidos de toga e capelo da Universidade de Coimbra, no Olimpo de seus mais de 700 anos. Gasta-se dinheiro na confecção de placas, e muitas o que vemos pelas ruas são verdadeiras aberrações, recordistas de erros e maluquices. O que custa ao menos pedir um palpite a alguém confiável para evitar essas sandices? Pior ainda, escrevem quase sempre de forma correta “50% off”, “sale” e afins. Tudo bem que queiram parecer mais chiques – antigamente o chique era o francês -, mas não seria necessária a versão.
O secretário da Educação do Estado do Rio, Wagner Victer, logo no dia seguinte à sua posse foi entrevistado por um telejornal. Discretos, os apresentadores, com o novo titular no áudio, iniciaram a conversa com a âncora perguntando “secretário, o senhor nos ouve?” Um segundo após, ele responde: “ovo sim!” Palmas para os dois jornalistas que ficaram impassíveis e poderiam perder o controle, como já vimos muita gente famosa fazer. É preciso ter estômago, fígado para encarar uma dessas sem sair da linha. Dei uma boa risada, mas logo depois percebi que eu me divertia com uma coisa muito triste, digna daquela música do arquiteto e grande compositor Billy Blanco: “o que dá pra rir dá pra chorar / questão só de peso e medida / problema de hora e lugar / mas tudo são coisas da vida…” E esse era o caso. Chorar.
Concordância verbal é luxo, e a nominal está em extinção. Os políticos de hoje, quando improvisam, em sua grande parte “cometem” coisas absurdas. E mesmo quando leem os textos preparados por seus assessores, o resultado pode não ser tão melhor – a culpa das gafes e erros é de algum assessor mal escolhido? Daí penso que se um secretário de educação diz “eu ovo, sim”, tudo é possível. No passado, autoridades tinham seus escribas, e era de bom-tom falar bem. JK cercou-se de gente dona de boa escrita: o poeta Augusto Frederico Schmidt, Geraldo Carneiro e meu pai, Autran Dourado, seu secretário de Imprensa (cargo hoje chamado porta-voz) nomeado aos 30 anos, entre outros. JK gostava de exibir seus dotes de bom par nos bailes – era o chamado “pé de valsa” – e de usar em público um português escorreito. Para isso tinha seus redatores. Michel Temer, para não falar de obscuros tempos passados, parece tentar manter sua persona erudita, e gosta de uma mesóclise (“fá-lo-ei”) mas dá suas escorregadelas quando diz “as coisas que eu gosto”, quando o correto seria “de que”. Tudo bem, não é dos piores e nem mesmo foi o Sarney do “Marimbondos de Fogo”, hoje acadêmico da ABL.
O mal do século atinge as redações dos grandes jornais impressos e da TV. Um dos maiores do país no início deste mês publicou como matéria principal uma manchete assustadora: “Assassinato é causa da morte de 48% dos jovens”. O que transparece em primeiro lugar é o absurdo, depois vem a confusão. Morreram assassinados 48% dos jovens brasileiros? Não. “A principal causa da morte entre os jovens é o homicídio”, seria algo mais inteligível. Não há ninguém para ler ao menos essas manchetes de capa (o cartão de visita da edição e do jornal)? Um copidesque mais bem informado? Um título é quase um breve resumo de uma matéria inteira. Se ele confunde, que será do conteúdo? Não digo que todos temos de escrever como linguistas especializados, mas estamos perdendo na correção da escrita e na compreensão em todos os níveis.
Um texto comentou um erro de um repórter da Globo: “Gafe de repórter da Globo vira piada nas redes sociais”, com direito a foto de estúdio do programa. Mas assassinaram o vernáculo logo na primeira linha: “Em transmissões ao vivo, erros são ‘pacíveis’ de acontecer…” Isso mesmo. Será que a intenção era fazer uma ligação com paz (“pacem”, em latim), e que o pessoal das TVs deveria ser mais pacífico? Não, essas coisas não deveriam ser passíveis de acontecer, tanto a gafe do repórter da Globo quanto o erro da matéria online.
No dia a dia, a concordância, o plural, a crase e a vírgula transfiguraram-se em água benta: cada um tira o que quer (ou põe). Acontece nas redes sociais, transborda nas placas e anúncios, trabalhos e provas escolares. Aquelas regrinhas da escola sumiram das salas de aulas? E ainda vem o absurdo Acordo Ortográfico, de 1990, que visava a unificar a escrita e a fala dos países de língua portuguesa – acordo na verdade só cumprido pelo Brasil. Passaram a complicar ainda mais o que já estava consolidado: agora é pão de mel (feito de mel?) e não mais pão-de-mel, pé de moleque (pé do menino?) no lugar de pé-de-moleque, expressões que soavam como uma palavra só, tinham sentido em si.
Tiraram o acento de pára, do verbo parar, mais uma confusão que poderia ser evitada muitas vezes mesmo acatando a nova ortografia. Exemplo é a recente manchete de capa de um grande jornal: “Tempestade para São Paulo”. Ora, seria o título um pedido a São Pedro para que despeje um aguaceiro sobre a cidade? Não serviria “Tempestade paralisa São Paulo”? O maldito Acordo Ortográfico veio para complicar ainda mais, e lembra a famosa frase do Chacrinha, o hilário guru “profeta” da comunicação televisiva: “Eu não vim para explicar, mas para confundir”. Certo estava ele quando disse “quem não se comunica se trumbica”, uma de suas frases lapidares.