Quem já teve oportunidade de ouvir algo assim sabe do que estou falando. Minha filha Marta, que mora em Londres, sempre manda fotos, filmes e gravações do Tommy, meu netinho de dois anos e meio. Seja deitado na relva, subindo em um brinquedo, espalhando uma pilha de lindas folhas secas de “maple” no chão – é outono! -, cada dia um, ou melhor, vários afagos. E dá para rir muito: disse, em inglês, “não é ‘uórer’, mummy”, imitando o sotaque americano da mãe, “é ‘uótter’”, com puro “accent” britânico. Mas é preciso estar atento para as traquinagens, há perigos à espreita até dentro de casa. Francamente, pensando em Londres, parece que há mais perigos em casa mesmo, ruas e parques, locais de brinquedos são ótimos e muito bem cuidados. (Mais adiante falo o porquê de ter escolhido falar do Tommy).
“Filhos, melhor não tê-los. Mas se não os temos, como sabê-los?”, disse o nosso “poetinha”, Vinicius de Moraes, em um bordado inteligente de palavras simples, como só ele sabia costurar com beleza. Mas nós que os temos sabemos, e todos os que os tiveram sabem a grande cota de recompensa que vem junto com essas criaturinhas maravilhosas. E são para sempre, onde quer que estejam no mundo – em São Carlos, São Paulo, Londres ou Seattle, como no meu caso -, serão sempre crianças, tamanho não é documento para filho.
Mas falo de outra categoria, os netos, que estão em outro andar. Há quem diga que neto é “filho com açúcar”, figura de linguagem adocicada para essas figurinhas. Outros pensam que o neto é como o filho, mas vovôs na verdade só ficam com o “filé”, não “roem o osso” como os pais – salvo exceções. Pode fazer, com vovô pode tudo, viu? Ganha tudo, e manda tudo para o coração do vovô. Tudo retribuído com sorrisos, depois, de volta, regiamente com beijos e doces. Filhos e netos só têm uma coisa em comum: se bem cuidados, bem educados, só trazem alegria. Mas, como disse, ambos, nossos filhos e nossos netos, estão em “compartimentos” diferentes. É como o amor pelos pais, nada a ver com o dado aos filhos. Os meus amam o Tommy, figura única e adorada, que veneram de paixão, uma paixão desmesurada, um mimo só. É o “reizinho” da família, e todos juntos curtimos ser súditos dele.
Os antepassados traçaram nosso caminho, nós traçamos os de nossos filhos e eles os de nossos netos, e as marcas de cada um estão de todos os lados. No meu caso, dois brasileiro-americanos, cada um em um continente, dois paulistas, filhos de pai mineiro, e um neto londrino, da aprazível Wellesley Green. Canta o Chico, em Paratodos: “O meu pai era paulista / meu avô, pernambucano / o meu bisavô, mineiro / meu tataravô baiano…” (E ele mesmo, carioca). Esses traços são fundamentais na composição, na moldagem de uma personalidade e nos rumos marcados no passaporte da alma de uma família rumo ao seu destino. Entendê-los e compreender seu papel é essencial, pois, de uma forma ou de outra, são eles que levarão meu sobrenome adiante, de minha parte. Eu lhes passei o de meu avô que o deu ao meu pai, e que assim prossiga nas próximas gerações, ao menos enquanto as proles se repetirem.
Tommy é um menino extremamente carinhoso, muito inteligente, precoce, o que não faz dele uma criança diferente das outras (“todos igual / nada es mejor” – Gardel). Saudável até demais, apronta, faz suas molecagens, beija as menininhas, e eu brinco dizendo que ele um dia vai ganhar uma bolsa para estudar na escolinha da Charlotte, filha de Kate Midleton, para a família sair do sangue barato (“o que usamos tem pouca tinta”, cortou fundo na carne o Severino do mestre João Cabral) e finalmente entrar na realeza do mais requintado sangue azul (isso é anedota familiar, claro). Tommy é fã de uma chuva, água, poças d’água, guarda-chuvas, sol, rio, piscina e praia, como todas as crianças sadias. Vê-lo evoluir é como ver um filho crescer de novo, só que com outros óculos, pois que é outra dimensão. Apesar de sermos “pais de aluguel”, como se diz, somos figuras de proa na imagem do neto. O ator negro norte-americano James Earl Jones disse um dia – e dá pra entender o porquê logo adiante – “cada vez mais, quando eu procuro a pessoa que mais me inspirou, eu volto ao meu avô”. E era pura verdade! O pai de Jones abandonara a família logo após seu nascimento. Claro que o papel maior de figura masculina em sua vida tinha de ser do avô. Isso, para vermos que ser avô é nunca imaginar-se pai, a não ser por algum acidente de percurso, mas sobrevoar, fazer-se presente, sempre, onde quer que esteja (inexistem distâncias nas medidas do amor), sua lembrança fica na mente da criança. E isso vale para todos nós, avôs.
Resolvi cuidar de um tema tão leve, tão doce, pois ao escrever sobre assuntos como Trump, Brexit, corrupção, crise institucional e política, inevitáveis – e o dia a dia de uma pessoa que se quer consciente exige essa prática constante -, à parte tristezas profundas como a da Chapecoense, agora nos aproximamos de um final de ano em que a esperança vem convergir para nossas famílias, estejam os filhos e netos cá ou lá, e para o bem de todos os brasileiros. Com tanto desgaste, todos estamos esperançosos por novos tempos para nossos filhos, netos e as gerações futuras, poderem ser mais felizes. “A paz e a felicidade só se encontram na luta constante”. De nós depende fundamentalmente colaborar para que os dias vindouros de cada um deles sejam melhores. Basta que cada um cumpra com a sua parte, que ao menos coloque o seu grãozinho na areia.
“Love you too, Tommy!”