Invertendo a ordem do alfabeto, primeiro a “C”: o país entra na fase crítica da pandemia de coronavírus e, espantosamente, ainda sofre com a falta de comunicação clara, direta e objetiva entre autoridades e população.
Para qualquer brasileiro basicamente informado, é escandalosamente explícito que a queda de braço entre governo federal e os demais, estaduais e municipais, só faz piorar a confusão, levando o povo a não saber se sai às ruas ou fica em casa, se pode apenas pegar uma gripezinha ou, precipitadamente, perder os pais, os avós…
Há quem creia em ambas as possibilidades, e sem qualquer esforço, pela internet, pode-se encontrar respaldo em absolutamente tudo, até nas mais extraordinárias teorias, como as de que a própria doença é fake news, de que foi criada pela China para dominar o mundo – mancomunada com a indústria farmacêutica etc., etc… Nem vale a pena seguir em exemplos.
Quanto ao negacionismo pelo menos, está ficando cada vez mais difícil minimizar a calamidade, sobretudo porque os frios números começam a ganhar rostos e nomes, na medida em que se aproximam da realidade local, das famílias e casas de cada um.
Ainda que por via trágica, é um mínimo progresso na comunicação, dado impor a perda de força do discurso paranoico e, assim, permitir à população poder identificar melhor os fatos em detrimento aos fakes.
E alguns fatos podem ser enumerados sem receio a erros. Para tanto, basta considerar a matemática, levando em conta a enorme desproporção entre as opiniões antagônicas, protagonizadas por achismos, de um lado, e por estudos e argumentos sólidos, no outro extremo, onde encontram-se organizações de saúde e profissionais da área no mundo todo.
A favor de se levar a doença a sério e, portanto, do isolamento social, está uma imensa maioria, desproporcional frente aos que ainda negam a pandemia – ainda que em nome da outra catástrofe, a econômica.
Também não há sentido em questionar mais esta calamidade, mas nem por isto as prioridades podem deixar de ser vitais, e a preservação da vida tem de estar acima de quaisquer outras.
Portanto, levando em conta o posicionamento da maioria, pode-se pontuar: 1) a doença é real; 2) ela pode matar; 3) para mitigá-la efetivamente, só depois que a maioria da população contraí-la, em razão da chamada “imunização de rebanho”; 4) a quarentena é fundamental para se “ganhar tempo” junto ao sistema de saúde; 5) ainda, a higienização é a melhor prevenção; e 6) agora começa definitivamente a “hora C”, a hora do coronavírus.
Alguns pontos dispensam comentários e outros, não. A imunização de rebanho implica em que, quando a maioria já estiver imune, a contaminação diminui naturalmente.
A “hora C” é agora porque, segundo estudos mundiais e conforme pode ser observado em todo o planeta, há a tal curva ascendente de contaminação, cujo pico no Brasil deve ser entre abril e maio – período em que, por conseguinte, é preciso ser firme no isolamento e nos demais cuidados pessoais.
Por sua vez, é fundamental compreender que o isolamento não implica em evitar que todos saiam ilesos da pandemia, mas garantir um mínimo de condições de atendimento dos enfermos pelo sistema de saúde.
Em outras palavras, isto quer dizer que o país (aliás, como qualquer outro do globo, mesmo os do chamado “Primeiro Mundo”) não estava preparado para receber tanta gente em seus hospitais e, mais ainda, nas UTIs.
Sendo real que os doentes mais graves podem ser salvos se tiverem o devido atendimento hospitalar, não é custoso concluir que, não havendo vagas de internação, muitos que poderiam sobreviver vão morrer… Estas vítimas, então, deixarão de ser números e, cada vez mais, passarão a ser “pessoas” para cada um de nós.
A questão fundamental da quarentena está aqui: ganhar tempo para se equipar melhor os órgãos de saúde já existentes e abrir outros; além de se conseguir mais equipamentos, como os respiradores – o maior instrumento para salvar vidas na atualidade.
Enquanto isso, segue a “hora B” – ou seja, a “hora do bem”! Sem demagogia – até porque a grande maioria a enfileirar-se nesta batalha não é candidata a nada -, é emocionante notar quanta gente deixou de lado a hostilidade para voltar a sentir empatia pelo próximo, contribuindo das mais variadas formas.
Podem muitos negar, mas outro fato real é que, até esta pandemia, a aposta na desagregação, na hostilidade, na velha ideia do dividir para vencer, realmente estava dando resultado. Fez sentido e rendeu frutos, particularmente eleitorais.
Este fenômeno não se manifestou apenas em algum ponto em particular, tampouco em Tatuí, sendo algo até global. E, tendo em vista certa característica de menosprezo aos valores de “justiça social”, acabou por fortalecer o individualismo.
O “nós contra eles” imperou, sejam “eles” quem forem: mexicanos, venezuelanos, índios, “comunistas”, “cientistas”, “democratas”… E, então, veio o desastre na saúde pública e algo – pelo menos em um aspecto – mudou para melhor, abrindo oportunidade à “hora B”, de um verdadeiro “bem” – não esse infantil e demagogo, que busca dividir as pessoas entre “do bem” e “do mal”. Não, agora pode-se testemunhar intenções e ações boas. De fato!
Visivelmente, muita gente que estava se deixando levar pelo destilar do ódio – inclusive, servindo a interesses eleitorais claramente antidemocráticos e profundamente injustos do ponto de vista social – parece ter despertado para o bem maior, o que pode acabar instigando uma efetiva reconciliação nacional.
Esta aposta na harmonia, na solidariedade, no equilíbrio, na “empatia” – ao contrário da outra, que só pode redundar em desagregação -, tem poder para fazer emergir da crise um país realmente mais próspero e, acima de tudo, justo!
As próprias enquetes recentes do jornal O Progresso demonstram a mudança. Afinal, não poderia ser outra a causa, senão por empatia, da aprovação por sete a cada dez pessoas tanto da manutenção da quarentena quanto da ajuda governamental aos trabalhadores mais fragilizados.
A crise do coronavírus é inevitável, mas vai passar. Que além do menor número de baixas possível, ela deixe como legado o resgate das melhores virtudes do Brasil, um país então “repovoado” por gente amiga, solidária e sensível. Gente boa!