Henrique Autran Dourado
Há dois anos, em 5 de novembro de 2020, Joe Biden ultrapassava Donald Trump na corrida presidencial americana por 2,4% dos votos dos colégios eleitorais, sendo 50,5% para o democrata e 48,1% para o rival, aos 86% dos votos totais apurados. Boa parte dos estados do centro-norte, centro e sul, de Montana ao Texas e Florida, registravam sua preferência por Trump, enquanto as costas leste (do Maine a Virginia) e oeste (Washington a New Mexico) formavam posição a favor de Biden. Claro, há motivos históricos e tradições a ligarem certas regiões primordialmente aos republicanos ou aos democratas. Porém, ainda havia dúvidas quanto aos estados de Nevada (89% dos votos apurados), a esperançosa Arizona (86%), Philadelphia (96%), Carolina do Norte (95%) e a controversa Georgia (98%).
Biden recebeu mais de 81 milhões de votos, ultrapassando o recordista Barak Obama (2008), com 69,5 mi, que por sua vez havia superado Richard Nixon (1968), com 31,7 mi. Por fim, terminado o pleito sob protestos inconformados de Trump, Biden acumulou 51,3% contra 46,8%, número razoavelmente compatível com o de votos diretos dos eleitores: mais de 81 milhões de votos para Biden, e pouco além de 74 milhões para Trump. Uma diferença de 7.059.526 votos, cifra numericamente um pouco negligenciável frente ao total de eleitores, mas obviamente pequena em uma população de 332.403.650 habitantes – entre os que votaram ou não, pessoas de todas as idades. A diferença total de votos entre Biden e Trump, de mais de 7 milhões, corresponde à população (eleitores ou não) do estado de Arizona, ou ainda à soma do Alaska, D. C., Delaware, North Dakota, South Dakota, Vermont e Wyoming – os sete juntos!
Voltando à eleição que levou Biden ao poder, em 2020, Trump forçou uma contestação sem limites ao resultado das urnas. Foi cruel e vilipendioso, acusou, disparou aleatoriamente sua metralhadora giratória, ameaçou e agitou a nova extrema-direita supremacista norte-americana, cujas origens remontam à terrível Ku Klux Klan, organização semiclandestina tolerada especialmente nos estados do sul, além dos mais recentes “Proud Boys”. A direita, e especialmente a extrema-direita, estavam inconformadas, seus militantes transbordando em ódio. No dia 6 de janeiro de 2021, duas semanas antes da posse, uma horda de alucinados invadiu o Capitólio, quebrou portas e janelas e só foi retirada do prédio após vários conflitos com as forças de segurança e a polícia. Sabiam que não tinham chance alguma – aliás, nem sabiam o que queriam, além de uma baderna sem controle que chegou a balançar a inquebrantável democracia americana.
Esgotadas as ações ilegais, dispersado o movimento, Biden tomou posse no dia 20 com uma pompa digna dos maiores festejos cívicos americanos, brindada com uma interpretação de “The Star Spangled Banner” (“A Bandeira Constelada de Estrelas”), o hino pátrio, por Lady Gaga. Trump se recolheu, mas coleciona processos que incluem acusações de ter liderado de fora a farra extremista pró-golpe do dia 6. Agora, no dia 8/11, com as eleições legislativas (“Midterm”) aparentemente favoráveis aos republicanos, ele deverá assumir sua pré-candidatura com vistas ao pleito de 2024. Bilionário e grande líder, o republicano tem cacife para voltar à Presidência, com o rancor, ódio e revanchismo que lhe são característicos.
No Reino Unido, em 25 de outubro, o Partido Conservador escolheu o jovem primeiro-ministro que responde pelo nome de Rishi Sunak, aos 42 anos. Filho de indianos que, como tantos, imigraram para a Grã-Bretanha em 1960, Rishi tomou posse após 45 dias de uma gestão tensa e desastrosa de Liz Truss, que sucedeu a Boris Johnson, um premiê mais confuso ainda, derrubado pelo “partygate” – uma festinha na residência oficial da Downing Street com danças, excessos e muita bebida. Nada de tão bombástico se não estivesse em pleno “lockdown” decretado por ele próprio durante a pandemia! Para os britânicos, um deslize imperdoável. Em consequência de sua ampla votação como parlamentar, Sunak conseguiu chegar à liderança do Partido Conservador no poder, e consequentemente por estreita margem no partido à posição de primeiro-ministro, com a desistência de rivais do partido. Entre os conservadores, que haviam se tornado os titulares do governo, foi ele quem mais se destacou – e levou.
30 de outubro de 2022. O Brasil elegeu Luiz Inácio Lula da Silva, vencendo o oponente Jair Messias Bolsonaro por uma margem – tal qual Biden nos EUA – tida como estreita de votos. No Brasil, a eleição para presidente é direta desde a CF de 1988, valendo pela primeira vez em 1989, 24 anos após o golpe de 64, eleito Fernando Collor de Mello. No recente dia 30/10, foram 118.552.353 votos válidos, dos quais 50,9% (60.345.999 votos) ficaram com Lula e 49,1% (58.206.354) com Bolsonaro. Uma diferença de 1,8%, ou 2.139.645 votos, próximo ao número total de eleitores aptos do Distrito Federal e quase a soma dos estados do Acre, Amapá, Roraima e Tocantins.
EUA, Brasil e Reino Unido elegeram seus mandatários por margem estreita de votos. São três democracias, mas as diferenças entre os dois primeiros já não são tão grandes; os EUA escolhem via colégios eleitorais, no Brasil o sistema é o chamado “one man, one vote” (um homem, um voto). A eleição se dá por maioria simples, ou seja, número de votos maior do que a metade.
A vitória que mais importa é da democracia. Poder que, de uma forma ou de outra, emana do povo, e é exercido pelo povo e para o povo. Assim foi, assim será.