Henrique Autran Dourado
Após uma busca pelos dicionários, as definições muito simples convergem para pontos e situações semelhantes. Incomum mesmo é a palavra. Refere-se ao preconceito por idade, discriminação de pessoas mais velhas. Não encontrei referências aos de menor idade, embora ache que este preconceito também exista. Já o idadismo é apenas um sinônimo dicionarizado que remete à palavra-mãe etarismo. Um outro termo, ageísmo, não tem registro nos compêndios que busquei, mas, óbvio, vem de “age” (idade, em francês ou inglês). Em dicionários de inglês a palavra “ageism” existe, assim como em francês, o que leva a crer que, em nossa língua, seja um simples anglicismo ou galicismo, vícios tão comuns em nossa língua cotidiana.
Não me lembro de quando surgiu em mim algum preconceito – e por autodefesa mesmo nem sei se já tive. Minhas referências são ambíguas, e se foi um etarismo precoce, foi “do bem”. Pode ser que a fase da vida em que o etarismo se mostre mais evidente seja a adolescência, quando não se quer a companhia de crianças e menos ainda de idosos de todas as faixas etárias, aqueles a quem simplesmente se chama “coroas” (de 30 ou 80 anos, a depender da idade de quem vê). O adolescente põe em conflito o passado de criança e o futuro que enfrentará, quando idoso. Em termos de preconceito, nossas vidas parecem centradas nesses tempos de adolescentes, e, talvez por isso mesmo, cercados nas duas pontas, os tempos de antes de agora e os de pós-jovens. Mas o futuro, afinal, sabemos inexorável.
Uma reflexão que é de lei, a paixão entre os dois extremos: quanto mais distantes mais forte. Lembro de minha mãe, quando estava com netos e bisnetos. Como diz o popular, neto é filho com açúcar. Quem não pode observar isso em casa pode vê-lo nas redes sociais, onde vovó, vovô e seus netos são uma constante; todos lindos, podem tudo. Retrato perfeito é o “Poema Enjoadinho”, do Vinicius de Moraes: “Cocô está branco / cocô está preto / bebe amoníaco / comeu botão (…) / Porém que coisa / que coisa louca / que coisa linda / que os filhos são!” Os dois extremos, avós e bebês, são onde se tocam e se fecha um círculo, a circunferência da vida. O reencontro consigo mesmo, o começo e o fim, esse amor que nada mais é do que a paixão pela própria vida. Contempla-se os pequenos como Maria contemplava Cristo. (Resposta do Senhor ao questionamento a Marta sobre a aparente inação da irmã: “Maria escolheu a parte certa” – Lucas, 10:39-42).
Agora surge um preconceito cruel e já frequente nesses novos tempos: uma senhora de 46 anos, que nunca tivera a oportunidade de estudar em um curso superior, foi hostilizada em vídeos nas redes sociais ao ingressar em uma faculdade de Bauru (SP). Mas há um motor reverso na sociedade: sob uma pressão imensa que contaminou até suas vidas particulares, as três alunas agressoras acabaram por abandonar o curso; a vítima, discreta e feliz, pôde iniciar os estudos. Em outro caso, uma estudante de 59 anos de São Paulo foi vítima em uma reunião de docentes de uma escola pública onde fazia estágio. “Alguns professores falavam alto e um deles disse que era melhor parar porque tinha uma senhorinha” (Folha, 16/03/23). Como nos dias de hoje tudo tende a ser coletivizado, repercutindo o acontecido com a caloura de Bauru um movimento começou a surgir na forma de uma “corrente do bem”: uma caloura de 42 anos do curso de engenharia, em Minas Gerais, expôs seu caso no grupo e em três dias teve 5 milhões de acessos e 3.000 comentários (G1, 15/03/23). Esses seriam de fato casos óbvios de etarismo.
O espírito que move essas ações preconceituosas é o mesmo que alimenta o racismo, a xenofobia, a homofobia e outros, fantasiados de bullying e imbuídos de um tipo de segregacionismo que lembra os fascistas. Com o mundo dando uma guinada à direita – que boa parte das pessoas sequer sabe o que é -, não surpreende que surjam esses comportamentos, que nos anos 70/80 praticamente não existiam: havia uma massa de estudantes, profissionais liberais e uma intelectualidade; emblemáticos, música, literatura e cinema os alimentavam, fazendo da rejeição aos regimes radicais sua bandeira. Hoje, este novo tipo de extremismo de direita pode chegar a um perigoso radicalismo, e deve ser combatido com cautela, pois é daninho à vida de uma sociedade fraterna e de paz.
Um fato cotidiano: quem tem 50 ou mais e está desempregado tem muito menos chances no mercado de trabalho, quando não impossível: frequentemente, logo na entrevista, ele sente que seu tempo de “vida útil” como empregado já está terminando. Custos das licenças médicas, faltas ao serviço, multa na demissão, limite de horário e tempo de serviço são fatores que trabalham contra o candidato. O ingresso em um emprego regular é difícil, o fator idade pesa sem dó. E, no caso, não parece preconceito – ou não transparece – mas preponderam razões financeiras do empregador. No ambiente de trabalho, sim, pode surgir claro o etarismo: o olhar de soslaio, o falso sorriso, o falso tapinha nas costas… E o mais velho se sentindo cada vez mais preterido aqui e ali, deixado meio de canto.
Não sofro nem exerço qualquer forma de etarismo: não estou em competição para nada. Aposentado, faço do meu quarto escritório e escrevo o que quero, para lugares e pessoas de quem eu gosto. O etarismo se esconde atrás do medo daquele “mais” que os experientes podem produzir, na sala de aula ou no trabalho: efeito colateral da insana competição da vida.