Entreouvido em new york





Ou “Quadros de uma Exposição”


Garota 1: “Essa guria tem uma visão miserável dela mesma”. Garota 2: “Mana, é só a cara dela”. Garota 1: “Hã?” (no Lincoln Center). Rapaz 1: “Quê que tu acha desta camisa nova?” Rapaz 2: “É boa pra cacete. Compre outra igualzinha e jogue as duas no lixo” (Hudson Hotel, West 58th Street). Balconista: “Amor não é amor que se altera quando encontra alteração”. Rapaz: “Como é que é?” Balconista: “Eu estava lendo a etiqueta do saquinho de chá”. Rapaz: “Você lê muito etiquetas de saquinho de chá?” Balconista: “Às vezes elas têm algo importante a dizer” (Deli, 51st Street).

Morgan Friedman, jornalista, é formado pela Universidade da Pensilvânia, e Michael Nalice é escritor e um dos mais lidos bloggers do jornal “Daily News”. São os criadores do site overheardinnewyork.com (visite!) e autores de “Overheard in New York”, publicado pela Roadside Amusements (Penguin), NY, um retrato cáustico mas saboroso do povo nova-iorquino, com todas as suas maluquices, gírias, graças, palavrões e diálogos pornográficos impublicáveis aqui. Saíram pelas ruas, metrôs, táxis, bares, lojas, para captar e gravar não fantasias, mas o que realmente se ouve no dia a dia da “Big Apple”, como é conhecida a cidade. Quem já pôde passar algum tempo lá constatou o mesmo tipo de sandices e abobrinhas do multifacetado povo local.

Um lugar onde se misturam africanos, paquistaneses (quase todos motoristas de táxi), indianos, judeus ortodoxos, burcas, negros, orientais, latinos, os peculiares porto-riquenhos e índios é um caldeirão efervescente do rico cotidiano da cidade, tida como a mais cordial do mundo (assino embaixo). Cumprimenta-se até poste, como se diz. “Como passou esta noite?”, ou “tenha uma boa noite de sono” são frases ditas para desconhecidos na porta de um hotel, no elevador ou saindo na rua.

“Comecem a espalhar a notícia / estou indo embora hoje / eu quero ser parte dela / New York, New York”, de Ebb e Kander, imortalizada na voz de Frank Sinatra (“eu quero acordar / em uma cidade que nunca dorme”). A música tornou-se um dos símbolos da cidade, e também tema de Simon & Garfunkel e dezenas de outros cantores e compositores. NY é o lugar do possível e impossível, as ruas são a exposição de um verdadeiro show de seres humanos de todos os tipos, dos mais variados aos mais loucos. Uma cidade para se sentir livre, onde há ruas e bairros para todas as raças e etnias, fora cadeirantes, idosos em idade avançada e muitos cães (mas cuidado: se você não limpar o “poopoo” do seu cachorrinho a multa é alta), tudo uma eterna festa. Se você vai viajar, esqueça Miami, vá a NY, leve o tênis mais velho que tiver porque senão vai sofrer, ande a pé e quando muito metrô, esqueça os táxis, que sobram. Na última vez em que lá estive, fui da 1st Street, centro das finanças, até a 34th, Madison Square – “apenas” 33 quadras! Parando aqui e ali, lembrei-me de “Quadros de uma Exposição”, obra-prima de Mussorgsky com maravilhosa orquestração de Ravel, em que entre a descrição musical de cada quadro há um “passeio” (“promenade”) para o próximo. Isso é andar em Manhattan! Pena que hoje não conseguiria mais tal proeza de andar tanto, isso foi há sete anos, e as pernas agora já não são as mesmas.

Garota 1: “Oh, meu Deus, Brad Pitt é tão idiota!” Garota 2: “Eu sei, ele nunca devia ter deixado a Jennifer”. Garota 1: “Não, eu quis dizer que ele não vê que tá na cara que aquele bebê não é dele?” (banca de revistas da Penn Station). Rapaz na fila de garotas no banheiro feminino: “Ôaaa”. Garota: “Ei, você não pode entrar aqui!” Rapaz: “Tudo bem, eu sou sueco – sou praticamente gay” (sic) (Madison Square Garden). Yuppie 1: “E só fui ao Brasil por um mês. Mas no terceiro dia eu a encontrei”. Yuppie 2: “Mulheres na América do Sul são tão sensuais! Especialmente Brasil e Espanha!” (cervejaria belga, West 4th Street). Cliente: “Este banner vai ficar aí pra sempre?” Caixa: “Sim, um pouquinho mais”. Yuppie 1: “Eu estava ensinando meus alunos método científico”. Yuppie 2: “Ah, então você os ensina indução e dedução?” Yuppie 1: “Os alunos não são tão inteligentes, então eu não os ensino palavras longas como essas” (festa no Upper Side West). Rapaz: “Eu quero te convidar para um ‘Dirty Sánchez’”. Garota: “Melhor que isso seja nome de bebida!”. Rapaz: “Cruzes, mas é!”

Isso tudo você pode ouvir enquanto visita alguns dos lugares mais fascinantes do mundo, um turbilhão de cultura de todos os cantos, além da estátua da Liberdade, o Museu de Arte Moderna, o Central Park (ali em frente fica o prédio Dakota, onde Lennon morava e foi estupidamente assassinado). Vá ao Rockefeller Center, Radio City Music Hall, Carnegie Hall, Museu Guggenheim, Lincoln Center, Times Square, Museu de Cera Madamme Trusseau, Broadway e uma interminável e preciosa mostra de toda uma civilização. É cultura em um volume que chega a cansar ao final de cada dia. Comida do mundo inteiro, calçadas largas, a cidade dotada de segurança do mais alto preparo, hoje consolidado graças ao trabalho do ex-prefeito Rudy Giuliani. E mantenha os ouvidos abertos onde quer que esteja, você vai se divertir, dentro de um carrossel para se ver, ouvir e comer. Vá entreouvindo também o grande número de besteiras do cotidiano, como atestam Friedman e Nalice, neste livro ou no site que o mantém vivo e em constante atualização!