O hábito da leitura era comum em Tatuí de alguns anos passados. O entretenimento era escasso. Cinema, apenas à noite. Nas casas, o rádio era uma presença constante, pois a televisão surgiu apenas na década de 50, mas a imagem só foi melhorar muitos anos depois.
Com isto, os tatuianos liam mais que atualmente. – epa!, poderá alguém dizer… Mas havia muitos analfabetos!
Realmente, o índice de analfabetos foi bastante reduzido desde então, mas o percentual de leitores, entretanto, pode até ter diminuído. Muitos têm preguiça de ler em um mundo em que a televisão “conta” e “mostra” tudo mastigado. Isso além dos analfabetos funcionais, que sabem ler mas não conseguem juntar as palavras para entender o sentido de uma frase.
Bem, em uma cidade pequena, os assuntos corriam aqui e ali e se transformavam em assuntos “municipais”. Qualquer acontecimento que chamasse a atenção passava ao domínio público.
Política, economia, esporte. O futebol mais comentado era do time do XI de Agosto, que fez tanto sucesso nos anos 50 que foi parar até no hino a Tatuí: “Tatuí, do Onze de Agosto…”. E o futebol do Corinthians, que não conseguia mais ser campeão paulista e muitos bares ostentavam a frase “Fiado só quando o Corinthians for campeão”.
Os assuntos comentados na cidade eram nacionais e internacionais. Um dos que tomou muito tempo nas conversas da cidade foi o caso do Caryl Chessman, o “Bandido da Luz Vermelha”, dos Estados Unidos, condenado à morte por crimes dos quais foi acusado apenas por provas circunstanciais que nunca foram comprovadas e que, para se defender, estudou direito na cadeia e dispensou advogados.
Escreveu alguns livros dentro de sua cela, como as obras autobiográficas “2455 – Cela da Morte”, “A Lei Quer Que Eu Morra” e “A Face Cruel da Justiça”, além de um romance: “O Garoto era Um Assassino”. Esses livros foram publicados no mundo todo, provocando diversos sentimentos e opiniões contrastantes. Foi um best-seller que resultou em filmes.
O brasileiro João Acácio Pereira da Costa inspirou-se em Chessman para cometer crimes usando lanterna de luz vermelha em São Paulo, ficando conhecido como “o Bandido da Luz Vermelha” tupiniquim.
O “nosso” Luz Vermelha amargou mais de 30 anos de prisão e, quando saiu, no final dos anos 1990, estava completamente confuso quanto à realidade. Ao ser perguntado sobre o que desejava fazer ao sair em liberdade, disse que queria comprar uma camisa de banlon vermelha e um Simca Chambord…
Claro que em Tatuí a coisa não foi diferente. Aqueles que liam comentavam com outras pessoas e, em pouco tempo, todo mundo sabia alguma coisa sobre o Chessman.
Quando Chessman foi executado na câmara de gás, o fato se transformou em um bordão tatuiano – “é o fim do Chessman” – que as pessoas exclamavam quando ouviam ou sabiam de alguma barbaridade qualquer…
– O preço da carne subiu? Mas isso é o fim do Chessman!
A leitura não parava por aí. Desde o início do século 20 os filósofos também faziam sucesso entre os leitores tatuianos mais ilustrados. Dentre eles, claro, Friedrich Nietzsche. Alguns de seus pensamentos, porém, arrancaram muitos comentários irados pelo mundo todo
A Igreja Católica, até então predominante no Brasil, externava comentários mais enfurecidos. Pudera, até Adolf Hitler havia se inspirado nesse pensador alemão. Por isso tudo, Nietzsche era considerado até mesmo como uma espécie de diabo por algumas pessoas.
Pouco depois da cidade completar seu centenário, o pároco de Tatuí era o padre Canto. Certo dia, Aldo Zanni – avô da Deise Felizarda Zanni Vieira e patriarca dos Zanni tatuianos – encontrou-se com o vigário nas proximidades da Igreja Matriz. Os cumprimentos habituais, uns comentários sobre o tempo e a respeito dos últimos eventos ocorridos na cidade.
No meio da conversa, Aldo lembrou-se que estava lendo um livro de filosofia e comentou com o padre:
– Ah, estou lendo um livro de Nietzsche! – falou.
Ah, mas por que disse isso. Lendo um livro de Nietzsche, justamente o filósofo alemão que afirmava que Deus estava morto! Padre Canto ficou furioso com aquilo e disse:
– Pois então o senhor tem de rezar muito! Esse homem é um herege! – afirmou o padre, criando um clima pesado nesse momento.
Aldo Zanni, chateado, quis justificar alguma coisa, mas o padre tornou a dizer:
– O senhor tem de rezar muito! – insistiu.
Como algumas pessoas que estavam por perto perceberam seu embaraço, Aldo, para não sair por baixo nessa discussão, respondeu ao padre:
– Olha aqui, quem tem de rezar muito é o senhor, pois é sua profissão! Eu sou alfaiate e tenho é de costurar! E é o que farei! – rebateu. E foi embora para sua alfaiataria.
Hoje ninguém mais lê como antes. Estão todos entretidos com computadores, notebooks, tablets e celulares. Não se conversa mais pessoalmente. A interatividade humana deixa de acontecer pessoalmente. Enviam-se recados por um software qualquer, mesmo a pessoa estando por perto. Evita-se falar diretamente.
Para rematar, lembrei-me de uma frase de Albert Einstein que se aplica na atualidade: “Temo o dia em que a tecnologia se sobreponha à humanidade. Então, o mundo terá uma geração de idiotas”.