“Tem coisas na vida que não têm preço, que é poder salvar uma vida ou poder diminuir a dor de alguém”. Assim a coordenadora do Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência), Roberta Lodi Molonha Machado, descreveu a motivação da equipe nas mais de 660 ocorrências mensais realizadas em Tatuí.
A reportagem acompanhou o trabalho na base do Samu de Tatuí na tarde de quarta-feira, 8, e seguiu as ambulâncias em duas ocorrências, uma com a viatura básica, chamada de USB (unidade de suporte básico), e outra com a equipe do suporte avançado, a USA (unidade de suporte avançado).
Na primeira ocorrência, um jovem de 22 anos, morador do Jardim Santa Rita, ligou para o 192 pedindo auxílio por causa de dores abdominais. O paciente chegou a ficar internado por duas semanas na Santa Casa de Tatuí e ainda não teve o diagnóstico do problema de saúde.
Fernando Augusto de Oliveira sente dores abdominais e não conseguia comer naquela ocasião. O jovem afirmou que sentia a barriga cheia de líquido, e um médico fez drenagem na última internação.
Por conta do líquido, Oliveira diz que não consegue se alimentar. A ligação para o Samu, segundo ele, foi por conta do aumento das dores.
“A ambulância chegou muito rápido. Não foi a primeira vez que precisei dela. Essa dor está horrível, e não consigo nem comer, faz tempo que não como”, contou o rapaz.
Durante o atendimento, o técnico de enfermagem Ademilson Gomes dos Anjos recebia orientações do médico que trabalha na Central de Regulação Médica das Urgências, em Itapetininga. A decisão foi levar o paciente para o Pronto-Socorro Municipal “Erasmo Peixoto”.
“Nós entramos em contato com o médico da central antes de sair do local do atendimento, e ele nos passa orientações, como pegar a veia do paciente, deixá-lo preparado para o atendimento no pronto-socorro”, explicou Anjos.
Logo depois da ocorrência, a equipe de suporte avançado recebeu, via rádio da Central de Regulação, o caso de uma aposentada de 91 anos que estava com arritmia cardíaca.
Depressa, o médico, a enfermeira e o condutor correram para a USA, ligaram a sirene e saíram com destino à vila São Cristóvão.
A ligação para o Samu foi feita por uma médica do PAD (Programa de Atendimento Domiciliar), da Secretaria Municipal de Saúde. Os profissionais realizam, a cada três meses, visitas de acompanhamento a pacientes. Ela foi chamada ao local pela filha da idosa, preocupada com o estado da mãe.
A paciente Orídia Leme de Camargo estava, além de arritmia, com problemas respiratórios. Os pulmões estavam carregados de secreção e catarro, quadro que poderia evoluir para pneumonia. Ela sofre de hipertensão arterial e Mal de Alzheimer.
A filha de Orídia, Leonice Leme da Silva Rodrigues, acompanhava o atendimento médico da mãe. Foi a segunda vez que o Samu atendeu à idosa.
“Liguei para eles virem (do PAD), pois minha mãe estava com tosse, com bastante catarro, deve ser alguma gripe por conta desse tempo frio. A médica do PAD resolveu chamar o Samu, por conta de outros problemas”, contou.
Leonice agradeceu pelo atendimento rápido e disse que a equipe de emergência e urgência sempre foi “atenciosa e prestativa”.
O serviço telefônico 192 chegou a Tatuí em 2010, há seis anos. Desde então, recebeu aprimoramento, ampliou número de pessoal e veículos, e os números de atendimento são crescentes.
O Samu foi idealizado e teve início em 2003, com o Plano Nacional de Urgência e Emergência. O intuito era organizar uma rede de atendimento de urgência e emergência no país. O serviço é realizado pelas prefeituras, em parceria com o governo federal.
Desde o início deste ano até maio, o serviço de urgências e emergências atendeu a 2.799 ocorrências. A maioria delas, 2.125, pelas USB, enquanto que a USA foi responsável por 675 ocorrências.
O Samu local possui 38 funcionários, entre médicos emergencistas, enfermeiros, técnicos de enfermagem, condutores de veículos e auxiliares.
A frota é composta por três ambulâncias, duas USB e uma USA. A última unidade é semelhante a uma UTI (unidade de terapia intensiva) móvel e contém aparelhos como cardioversor, respirador e equipamentos de monitoramento de sinais vitais.
Além dos veículos que rodam no dia a dia, o pátio ainda tem um veículo com tração nas quatro rodas, para atendimentos na zona rural, e veículo reserva.
A rotina na base do serviço é corrida. O entra e sai de veículos é administrado não em Tatuí, mas em Itapetininga, na Central de Regulação. Quando um usuário disca 192, a ligação é atendida na cidade vizinha, por telefonistas qualificados, que atuam na “Tarm” (Técnica de Atendimento de Regulação Médica), que conta com suporte de médicos 24 por dia.
É o médico quem vai decidir se o caso informado por telefone é urgente ou emergente, seguindo protocolo nacional estabelecido pelo Ministério da Saúde.
O tipo de ambulância, a básica ou avançada, depende do tipo de trauma, doença ou sintoma que o paciente apresenta. A coordenadora do Samu afirma que o momento da ligação é de extrema importância.
“A atendente tem perguntas que precisa fazer, senão não consegue liberar a ambulância. Por isso que é importante que, quando a pessoa liga, passe todas as informações para ela”, explicou.
De acordo com Roberta, a calma e a paciência são aliadas em um momento difícil que é procurar um serviço de atendimento de emergência. Os usuários, ao ligarem, nem sempre sabem onde estão ou o endereço da localidade. Isso atrapalha o bom andamento do trabalho.
“Precisa manter a calma, não adianta gritar. A Tarm não tem como localizar pelo telefone. Tem gente que liga lá e acha que, pelo identificador de chamadas, dá para localizar eles”, ilustrou.
Renê Colombo tem 20 anos de experiência em atendimentos de emergência e trabalha na base do Samu de Tatuí há três anos. O médico emergencista divide o tempo entre o posto local e intervenções no Samu de Itapetininga, onde também trabalha na Central de Regulação.
A experiência permite ao médico “filtrar” os casos de maior urgência, que necessitam da unidade avançada, e os menos graves, que serão atendidos pela ambulância básica. Em alguns casos, inclusive, pacientes recebem orientações para que procurem uma UBS (unidade básica de saúde), ao invés do pronto-socorro.
“É o caso de uma criança com febre. Muitas vezes, a mãe pode pegar a criança e ir ao posto de saúde e ter algum tipo de atendimento. Não é indicado levar a criança ao pronto-socorro em casos de pouca gravidade, por causa da exposição às bactérias”, explicou.
Existem casos de mau uso do Samu, afirmou o médico. Pes-soas que ligam para o serviço apenas para conseguir veículo para transporte ao pronto-socorro. Além de ser dispendioso, o uso indevido pode tirar da base uma ambulância que poderia atender casos mais sérios.
Um dos casos, segundo a enfermeira Roberta, ocorreu nas últimas semanas. Um homem com problemas psiquiátricos estava em um supermercado da vila São Cristóvão quando teve uma crise nervosa. Os funcionários do supermercado ligaram para o Samu e relataram o caso como sendo convulsão, quadro grave e que exigiria médico no local.
“A gente saiu daqui para atender essa crise e, durante o trajeto, recebemos informações sobre um caso de acidente grave na rodovia, e não tínhamos como ir. A gente precisou atender aquele caso, averiguar e liberá-lo antes de ir ao outro atendimento”, contou Roberta.
Posteriormente, a USA foi designada para o atendimento. Médico, enfermeiro e condutor perderam tempo em uma ocorrência não prioritária enquanto um paciente do acidente automobilístico esperava. “Nesse tempo, o paciente da rodovia ficou sem atendimento. Perdemos cerca de 10 a 15 minutos”.
Outra dificuldade enfrentada pelos socorristas é o trânsito. Em caso de parada cardíaca, a cada minuto diminuem 10% as chances de vida do paciente. Portanto, a agilidade no atendimento é essencial. Nem todos os motoristas abrem caminho para a ambulância, dizem os condutores do Samu.
“O povo peca ao não abrir passagem para a ambulância, não respeitar. Precisamos de um tempo-resposta curto, chegar logo ao local para dar suporte para a vítima”, reclamou o motorista Carlos Antônio Costa.
Segundo ele, os pontos mais problemáticos são as travessas estreitas da região central, como a rua Tamandaré, e o cruzamento das ruas 15 de Novembro com José Bonifácio.
Algumas reclamações sobre o serviço surgem nas redes sociais, por telefone ou pessoalmente na base. Entre as queixas, estão o não atendimento de ocorrências. A coordenadora afirma que pouco pode fazer com as reclamações, pelo fato de a Central de Regulação ser em Itapetininga.
“Se o médico entender que não é caso de urgência, ele pede para procurar uma UBS ou meios próprios. Temos um protocolo a seguir”, declarou.
A enfermeira, entretanto, afirmou que os casos de reconhecimento ao trabalho são maiores em número do que as reclamações.
“De todos os problemas que a gente tem, de falta de reconhecimento da população, de sermos agredidos, xingados sem merecer, ver um paciente melhorar é o melhor reconhecimento ao trabalho”, concluiu.