Em nome de Deus





Karen Armstrong, autora de “The Battle for God” (“A Batalha por Deus”) é uma pesquisadora especialista em religiões, com ênfase especial para “o fundamentalismo no judaísmo, no cristianismo e no islamismo”, subtítulo do livro que peguei emprestado para este artigo (SP: Companhia das Letras, 2001. A publicação parece esgotada, mas existe em e-book). Karen é inglesa, OBE (Ordem do Império Britânico, alto título honorífico do Reino Unido) e entende do riscado: foi freira, mas decidiu trocar o convento pela Oxford University, entregue ao seu obcecado estudo das religiões, mantendo a fé cristã. Com seu “Uma História de Deus – Uma Pesquisa de 4.000 Anos de Judaísmo, Cristianismo e Islamismo” (1993), a autora aprofundou-se nas três grandes religiões monoteístas. Respeitada “scholar”, transita muito bem entre budismo e hinduísmo, ora pesquisando e palestrando sobre o judaísmo em Israel, ora no Concílio Religioso Islâmico em Cingapura. Lecionou em escola de formação de rabinos, passando a ser uma sumidade bem-vinda em todas as religiões.

Matéria de uma edição da revista “Veja” da época do lançamento – em uníssono com várias outras resenhas – considerou Karen uma das principais autoridades sobre a história das religiões monoteístas e o fundamentalismo, que, com seus “braços armados”, “fuzilam devotos dentro de mesquitas, matam médicos em clínicas de aborto, assassinam presidentes e até derrubam governos”. E mais: “democracia, pluralismo, tolerância religiosa, liberdade de expressão, separação entre Igreja e Estado – nada disso lhes interessa”. A frase aparece em inúmeras resenhas sobre o livro, ilustrando o fanatismo e suas funestas consequências. É o mais importante depoimento que li sobre o assunto, e sua abrangência vai muito além das sinagogas, mesquitas e igrejas, chega ao âmago da origem e fonte dos radicalismos.

George Bush era ligado a alguma ala paralela da Igreja. Não seria surpresa se ele tivesse ligação com o Opus Dei, que de seu prédio milionário dos EUA preparou um golpe na Venezuela, para tentar guindar à presidência do único país da Opep fora do Oriente Médio um dos barões do petróleo. O golpe durou dois dias. Antes de prosseguir com o Opus, cabe aqui lembrar que Bush foi aconselhado por seus assessores a separar Igreja e Estado, e que aquela espécie de proto-igreja dentro da Casa Branca começava a lhe render problemas. Concordou, e passou a andar com a “separação entre Igreja e Estado” na cabeça. Certo dia, em entrevista a um programa de TV, perguntado sobre a queda de seu caça da Força Aérea, quando foi obrigado a saltar de paraquedas e inflar um bote para aguardar salvamento, respondeu sobre o que lhe passava na cabeça naquele momento. Viu a deixa e disse que pensava nos pais, nos filhos e… “na separação entre Igreja e Estado”! (MILLER, MARK. “The Bush Dyslexicon”. NY: WW Norton, 2001). Mark Miller fala abertamente sobre a dislexia de Bush e seu envolvimento com o fundamentalismo.

O Opus Dei foi criado em 1928 pelo Pe. Josemaria Escrivá de Balaguer, com o apoio do ditador espanhol Francisco Franco, que via a oposição juntar-se à maçonaria. Muito mais tarde, Paul Marcinkus, arcebispo-presidente do Banco do Vaticano (de 1971 a 1989), que virou antro de corrupção, quebrou o caixa. O Opus saiu em socorro com o Banco Ambrosiano, e sufocou o rombo e o escândalo da Santa Sé. Em troca, foi entronizado o papa Paulo 2º, polonês de perfil bem dócil, que criou a única Prelazia Pessoal do Vaticano para o Opus. Beatificou e canonizou Josemaria Escrivá, fundador da organização, no recorde de dois anos. Sucedeu Paulo 2º outro Prelado, J. Ratzinger, o Bento 16, criacionista que condenou veementemente o jesuíta Pe. Teilhard de Chardin (1888-1955), autor de “O Fenômeno Humano”, já censurado pelo Vaticano décadas antes, por crer na possibilidade de convivência entre evolução, ciência e Fé. Bento 16 condenou as ideias de Chardin, hoje benquisto no mundo.

Com a sagração do papa Francisco, após a renúncia de Bento 16, começou-se a conter mais uma onda de corrupção no Banco do Vaticano. O papa demitiu o novo presidente e se abriu para o mundo, tornando-se o maior líder religioso dos últimos tempos. O banco se equilibrou graças a Francisco, e tudo dentro da maior discrição possível. Mas o Opus permaneceu presente no mundo, pois não há como combatê-lo, uma vez que prega um conservadorismo exacerbado, mas dentro da Fé.

Estamos à espera da indicação de um novo ministro para o STF, e o presidente do TST, Ives Gandra Martins Filho, é forte candidato. Contudo, enfrenta resistências dentro e fora da corte, apesar do apoio declarado de gente graúda. Ives é casto e celibatário, do alto de seus 62 anos, e contra o aborto – mesmo em caso de ameaça à vida da mãe ou da criança –, pesquisas com células-tronco, união civil, pílula anticoncepcional e divórcio. Um peixe fora d’água em várias decisões técnicas do STF. O Prelado do Opus no Brasil, o jornalista e dono da Cásper Líbero, ligada à Universidade de Navarra (financiada pelo Opus), é Carlos Alberto Di Franco, também celibatário e declaradamente usa o cilício – prática medieval que consiste em atar uma corrente de aço com espetos ao redor da coxa durante uma hora diária para lembrar o sofrimento de Cristo.

No mundo de hoje, com Trump, Brexit, EI e tantos outros, grassa o fundamentalismo, representando um retrocesso radical (ou belicista) jamais visto. Esperemos que logo a tendência tenha um fim, e prevaleça a verdadeira obra de Deus.