Em busca de uma saída

Henrique Autran Dourado

Na mitologia grega, Teseu era filho do rei de Atenas, um herói por quem Ariadne, filha do rei de Creta, era apaixonada. A cada sete anos – o chamado “grande ano” – sete rapazes e sete moças eram levados a um lugar criado por Dédalo para o rei Minos, um labirinto de caminhos intricados de onde, uma vez perdidos, nunca seria possível sair.

No interior do labirinto escondia-se o Minotauro, filho da mulher de Dédalo – um monstro aprisionado em corpo de homem e cabeça de touro que devorava aqueles jovens em lauto banquete. Teseu, disfarçado como um dos sete rapazes, ancora na ilha de Creta com um novelo de linha cuja ponta amarra à porta do labirinto, desenrolando o fio ao longo do caminho. Pelas tantas, deparou-se com o Minotauro, mas sacou a espada mágica, presente de Ariadne, e o matou. Seguindo os conselhos de Dédalo, olhava somente para a frente, nunca em outra direção, seguindo de volta o fio do novelo e levando consigo a amada, até escapar. (Qualquer semelhança com o conto de Joãozinho e Maria, a terrível madrasta que os largou no meio do emaranhado de uma floresta e as pedrinhas brancas para marcar o caminho para retorno não é mera coincidência).

Também da mitologia grega é o Fênix, um pássaro misterioso: morria e retornava, revivia usando as cinzas de seu predecessor – ou seja, os restos de si mesmo. Para alguns, pela simples decomposição de seu corpo, e, para muitos, queimado em autocombustão (daí a expressão de que algo ou alguém “ressurgiu das cinzas, como um Fênix”, como se nunca fosse esperado).

A ideia do renascimento do Fênix serviu tanto a alusões ao Império Romano quanto ao nascer e pôr do sol, ao ciclo do ano e até à ressurreição de Cristo. Pode, também, aludir à ciclicidade pensada por Hegel sobre a história, seus fatos e personagens,  ou um retorno à terra natal, como na recente e linda “Sabiá” (1968), espécie de canção do exílio de Jobim com letra do Chico Buarque: “Vou voltar / sei que ainda vou voltar / para o meu lugar. / Foi lá, e é ainda lá / que eu hei de ouvir cantar / uma sabiá”.

A sombra do Fênix ainda pairou sobre Portugal com Sebastião I (1554-1578), que sucedeu o pai aos meros três anos de idade, com tutela de sua avó, rainha da Áustria, e depois seu avô, cardeal português, como regentes. Entronizado aos 14 anos em 1557, aos 24 desapareceu na batalha de Alcácer-Quibir, derrotado pelo sultão Abd al-Malik. O povo, no entanto, acreditava piamente que Sebastião voltaria para reassumir. Para evitar o mal maior, o colapso do reino de Portugal, quatro anos depois Filipe I mandou buscar uma urna enterrada em Lisboa tida como sendo dos restos do “Adormecido”, Sebastião, para tentar sepultar de vez a crença no “sebastianismo”. Nada provou, a lenda ficou viva e só esvaneceu com o tempo: Sebastião nunca retornaria.

Muito se perde em lutar como Don Quixote, o cavaleiro errante de batalhas vãs e imaginárias. O novelista norte-americano F. Scott Fitzgerald disse: “O pior momento na vida de alguém é quando ele observa o próprio mundo desmoronar, e o que tem a fazer é encarar tudo impassivelmente. O conformista, personagem-título do livro homônimo do italiano Alberto Moravia, uma espécie de anti-herói, foi levado a colaborar com o Partido Fascista Italiano, sendo registrado em filme pelo cineasta Bernardo Bertolucci (1970).

Do inglês, “to err”, andar sem caminho, significa vagar sem direção, como Quixote. Para simplificar uma frase célebre, o alemão Nietzsche disse que “sem música, a vida seria um caminhar errante”. Em português, menos comum, errar cai qual uma pétala no “Soneto de Separação”, do Vinicius, magistralmente trazido à música por Jobim: “Fez-se da vida uma aventura errante / de repente, não mais que de repente”.  Um errar, errante, caminhando por veredas na vida, sem mesmo procurar saídas. Só navegar, porque navegar é preciso, disse o poeta.

Estamos vivendo tempos de dilemas e decisões, buscas por resultados em várias frentes de luta. Mas também dias de conformismo e passividade, insensibilidade e egoísmo. É época de uma pandemia avassaladora que coloca o mundo em pânico, grande parte dele sem noção do que acontece. Há incontáveis pesquisadores em laboratórios, entidades públicas e privadas, universidades trabalhando contra o tempo impiedoso que deixa seu rastro de morte, enquanto um sem-número de médicos, enfermeiros e pessoal de apoio encaram o Minotauro de frente.

Como teseus, pesquisadores de Israel, universidades como as de Oxford, John Hopkins, USP e instituições a ela associadas, tentam puxar o fio do novelo: drogas empregadas contra moléstias do passado para encontrar a saída do labirinto dos enfermos ou, um dia, a milagrosa vacina, a espada mágica. As preces daqueles já enlutados voltam-se para seus esperados sebastiões, e as orações para pessoas queridas inconscientes e desenganadas, praticamente aguardam pelo milagre nas UTIs. Há os que esperam, crédulos, o renascer do fênix, no desespero da perda de parentes e amigos. Enquanto isso, quixotes perambulam como cavaleiros errantes, “sem lenço nem documento”, e conformistas aguardam, impassíveis, o mundo desmoronar, como disse Fitzgerald.

Finalmente, temos os que nada ajudam, pelo contrário, só atrapalham, pensando em seus próprios interesses e vendo milhares de mortes como mera fatalidade alheia. Por dolo ou omissão, não se assumem pais de seu quinhão nas dificuldades enfrentadas pelo trabalho abnegado de legiões de equipes e técnicos, em sacrifício pela sociedade.