Da reportagem
Durante visita à cidade, no sábado, 16, quando participou de um evento do Partido dos Trabalhadores (PT), o ex-senador e atual vereador da cidade de São Paulo Eduardo Suplicy (PT) esteve na redação do jornal O Progresso de Tatuí, onde defendeu a implementação definitiva do projeto de “renda básica de cidadania”.
Na ocasião, Suplicy presenteou a equipe do jornal com dois livros escritos por ele: “Um Jeito de Fazer Política” e “Renda de Cidadania: A Saída é pela Porta”.
Durante o encontro, Suplicy, que foi senador em três mandatos, conversou sobre a proposta da renda básica de cidadania, de autoria dele, e o desenvolvimento do debate em torno dessa ideia.
Suplicy defende o pagamento de um valor básico “universal” e apresentou um projeto de lei neste sentido. O dispositivo já foi aprovado, tornando-se a lei 10.835/04, a qual, contudo, ainda não foi regulamentada.
Uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), por sua vez, já determinou que o governo federal regulamente o assunto comece a pagar a renda básica à população mais pobre.
Segundo Suplicy, entre as muitas consequências que a pandemia de Covid-19 trouxe sobre o mundo, uma delas se destaca no debate econômico: a “inserção dos programas de renda básica na pauta de discussões”.
O ex-senador reconhece que, quando foi necessário fechar o comércio, o governo federal aprovou um auxílio emergencial, que teve um impacto sobre a renda e o consumo de quase um terço dos brasileiros, tornando menos drástica a queda do produto interno bruto (PIB) no ano de 2019.
No entanto, para Suplicy, a diferença entre a renda básica universal e o atual Auxílio Brasil, de R$ 600, é que o projeto inicial seria permanente, enquanto o do atual governo está previsto para terminar em dezembro deste ano – além de que o valor por família deveria ser ainda maior.
Para ele, é importante que seja inserido um artigo na Constituição Federal formalizando a instituição no Brasil da renda básica de cidadania universal de maneira “incondicional e permanente”.
Suplicy citou o pensamento do economista indiano, prêmio Nobel de economia e professor de filosofia da Universidade Havard, Amartya Sem, que diz que “desenvolvimento, se for para valer, deve significar maior grau de liberdade para todos na sociedade”.
O vereador apontou ser pertinente o esclarecimento com debates sobre o tema e que, cada vez mais, personalidades da economia estão se pronunciamento a favor da renda básica, “já que a disparidade de riquezas está muito grande, principalmente após a pandemia”. “A medida em que discutimos fortemente o assunto, mais ganha defensores”, comemorou Suplicy.
Para consolidar suas ideias, Suplicy cita trecho do livro “Vamos Sonhar Juntos: O Caminho para um Futuro Melhor”, do papa Francisco: “Reconhecer o valor do trabalho não remunerado para a sociedade é vital para pensarmos o mundo pós-pandemia. Por isso, acredito que seja a hora de explorar conceitos, como a da renda básica universal, reconhecida como imposto de renda negativo, um pagamento fixo incondicional a todos os cidadãos que poderia ser distribuído através do sistema tributário”.
“A renda básica universal poderia redefinir a relações no mercado laboral, garantindo às pessoas a dignidade de rejeitar condições de trabalho que as aprisionam na pobreza. Daria aos indivíduos a segurança básica de que precisam, eliminando estigma do seguro-desemprego, e facilitaria a mudança de um trabalho para outro, como cada vez mais os imperativos tecnológicos no mundo trabalhista exigem. Políticas como esta também podem ajudar as pessoas a combinar o tempo dedicado ao trabalho remunerado com tempo para a comunidade,” acrescenta a publicação do papa.
Suplicy afirmou que sempre teve o propósito de contribuir para que o Brasil fosse caracterizado por se tornar “uma nação justa e civilizada”. E, para se construir assim, “é preciso levar em consideração aqueles instrumentos de política econômica e social que efetivamente contribuirão para isso”, sustenta. “Valores que não sejam simplesmente a busca do interesse próprio, de levar vantagem em tudo, mesmo que pisoteando o próximo”, reforçou.
“Aqueles outros valores que também são próprios da história da humanidade e de nós brasileiros, valores como a fraternidade, a solidariedade, a preocupação com o progresso de todas as pessoas na sociedade; valores como os que foram expressos em um dos mais belos pronunciamentos da história da humanidade, ‘I Have a Dream’, de Marin Luther King Jr, em que ele diz que tem o sonho de que um dia todas as pessoas, os filhos de ex-escravos e os filhos de ex-donos de escravos, se sentarão juntos na mesa da fraternidade”, declarou Suplicy.
Sobre o que difere o projeto dele frente a outras propostas, o ex-senador explicou que a renda básica de cidadania “um dia será universal e incondicional para todos os residentes no Brasil, inclusive os estrangeiros aqui residentes há cinco anos ou mais”.
“A ninguém será negado. Vamos pagar uma renda básica até para o Pelé, a Xuxa e para o mais bem-sucedido empresário brasileiro? Mas, como assim? Sim, mas, obviamente, nós que temos mais vamos colaborar para que nós próprios e todos os outros venham a receber”, frisou.
Para ele, uma das vantagens é que se eliminaria qualquer burocracia, como se ter que saber quanto cada um ganha no mercado formal, com carteira de trabalho assinada, ou no informal. “Eliminamos o fenômeno, o estigma ou a vergonha de a pessoa precisar” (do suporte financeiro pelo governo), destacou Suplicy.
Segundo ele, elimina-se também a dependência que acontece quando se tem um sistema que condiciona que, “quando um cidadão não recebe até certo patamar, tem o direito de receber determinado complemento”.
Para o vereador, se é assegurado aos mais ricos o direito de receber os rendimentos do capital criado por suas atividades, nas formas de lucro e aluguéis, ele também deve ser estendido aos mais pobres, “com o intuito de partilharem da riqueza comum do país”.
De acordo com Suplicy, a abolição da escravidão foi um “ato de justiça importante, mas não foram tomadas as medidas necessárias para compensar mais de três séculos de escravidão”.
Para ele, são necessários mais instrumentos de justiça. “Se nós provermos ótima qualidade de educação para todas as crianças e jovens, se possível em tempo integral, e para os adultos, inclusive os que não tiveram boas oportunidades quando eram crianças, se provermos atenção de saúde a todas as pessoas, em todos os bairros das cidades, no campo, ainda mais em um momento como o desta pandemia da Covid-19, estaremos elevando o grau de justiça”, pontuou Suplicy.
“E se nós, tendo em conta a grande disparidade de riqueza, inclusive fundiária, realizarmos mais depressa a reforma agrária, se nós provermos mais oportunidades de microcrédito para aquelas pessoas que não detêm patrimônio, mas têm capacidade de adquirir um instrumento de trabalho que lhes proporcione um padrão de vida adequado e a possibilidade de pagar o empréstimo em 12 ou 24 meses a taxas de juros módicas, se nós estimularmos as formas de economia solidária, de cooperativas, estaremos elevando o grau de justiça”, reiterou o vereador.
Suplicy contou que, quando chegou ao Senado, eleito em 1990, apresentou um projeto de lei para instituir um programa de garantia de renda mínima através de um imposto de renda negativo.
“Toda pessoa adulta que não recebesse pelo menos 45 mil cruzeiros à época, equivalentes a 150 dólares mensais, passaria a ter o direito de receber 50% da diferença entre aquele valor e a renda da pessoa”, lembrou.
“À época, era a forma de garantia de renda mínima que eu conhecia nos meus estudos de mestrado e doutorado em economia”, relatou. O projeto foi aprovado por consenso no Senado.
Suplicy comentou sobre a discussão, desde os anos 80, sobre a proposta da renda básica incondicional e universal. “No início de 1992, ganhei o livro ‘Ethical Foundations for a Radical Reform’, de Philippe van Parijs, e foi a primeira vez que me dei conta deste assunto”.
“Parijs esteve no Brasil em 1994 e, quando soube que eu havia apresentado este projeto aprovado no Senado, convidou-me para o quinto congresso da Basic Income European Network, e ali pude conhecer não apenas Philippe, mas outros 50 economistas que tratavam do assunto”, relembrou.
O vereador contou também que, em 1996, Parijs esteve novamente no Brasil, convidado por ele para uma audiência com o então presidente Fernando Henrique Cardoso, na qual dialogaram sobre os projetos. “Foi então que FHC deu sinal verde para que aquele projeto fosse aprovado, gerando a lei 9.533/97”, citou.
De acordo com Suplicy, poucos meses depois, o presidente Fernando Henrique criou o Bolsa-Alimentação, tendo como contrapartida a vacinação das crianças, o auxílio-gás, para que as famílias carentes tivessem acesso ao gás de cozinha.
Posteriormente, lembra ele, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva lançou um “cartão-alimentação”, pelo qual as famílias carentes passariam a receber um valor equivalente a R$ 50 por mês, que só poderiam ser gastos em alimentos.
Suplicy complementou que, a partir de um grupo de economistas, foi recomendado ao presidente Lula unificar e racionalizar os quatro programas. Bolsa-escola, bolsa-alimentação, auxílio-gás e cartão-alimentação foram unificados no chamado Bolsa Família.
Ainda sobre a renda básica, o vereador ressaltou que, ao conversar com economistas e filósofos “que estudam a garantia de renda no mundo inteiro”, ficou convencido de que “melhor que um imposto de renda negativo associado à educação e à saúde é a renda básica de cidadania, incondicional e universal”.
Também lembrou que, no final de 2001, apresentou um novo projeto para que, a partir de 2005, fosse instituída a renda básica de cidadania, a qual segue defendendo.