Cores e formas integram registros de residência artí­stica em exibição





Formas geométricas, uso de perspectiva e de cores vibrantes são presença constante nos trabalhos mais recentes da artista plástica Raquel Fayad. Esses mesmos elementos compõem oito telas produzidas a partir de residência artística e que são vistas, primeiro, em Tatuí, desde a noite de segunda-feira, 7.

A ideia inicial era exibir os quadros inéditos na Itália e, posteriormente, no Brasil. “Ela queria levar o material para lá. Mas, eu achei interessante a possibilidade de apresentarmos aqui, antes”, contou o diretor do Departamento Municipal de Cultura e Desenvolvimento Turístico, Jorge Rizek.

Foi ele quem convidou Raquel a expor no Centro Cultural os trabalhos desenvolvidos após intercâmbio. Em setembro do ano passado, a artista plástica integrou projeto de residência artística em San Sperate, na Sardenha.

“Vivi tantas experiências interessantes durante 20 dias na comunidade e voltei de lá tão alimentada, que precisava me expressar, colocar pra fora”, contou a expositora.

Na Sardenha, Raquel trabalhou com diversos artistas. Ela iniciou processo de pesquisa e precisou conviver com a comunidade da cidade, com 7.000 habitantes. Lá, teve acesso a um ateliê próprio e participou de debates com os moradores.

“Eles me ajudaram a fazer a pesquisa de trabalho, a preparar o material, a fazer a pintura nas ruas e a receber cartas (de amor). Também me levaram a experimentar todas as delícias e a conhecer belos lugares”, descreveu.

A interação resultou em intervenções em espaço público, no chamado “Paese Museo”, que tem mais de 500 murais. Trata-se de um projeto iniciado pelo artista italiano Pinuccio Sciola em 1968, mesmo ano de nascimento de Raquel e o número de uma das casas nas quais ela deixou sua marca.

Na Sardenha, a artista plástica desenvolveu pesquisa a partir de cartas de amor. Lá, fez pinturas em casas que têm como marca manchas vermelhas. “Elas representam os sentimentos da paixão e do amor”, disse.

Os traços das paredes se estendem ao chão, onde são transformados em textos. Quem os lê encontra fragmentos das cartas coletadas pela artista em pesquisa. “Fiquei três dias ajoelhada, escrevendo no asfalto”, disse Raquel, quando da intervenção realizada na comunidade.

Na Itália, Raquel incluiu, ainda, exposição com “pneumáticas recortadas”. São recortes de câmaras de pneus (em geral, de caminhões), em formas que se “ramificam”.

“Eu queria falar, também, do lado negro do amor, daquele nó que sentimos no estômago, que pode significar algo bom ou ruim”, contextualizou.

Para as tiras de borracha, a artista usou, como suportes, um muro antigo e a janela de uma residência. A intenção era criar alusão de que, assim como as tiras, as histórias de amor estariam “transbordando e querendo se revelar”.

Em paralelo ao processo de produção das instalações, Raquel registrou os momentos vividos em esboços. Colocou todas as impressões que teve da comunidade em um caderno de desenhos. O diário artístico retrata a trajetória da artista plástica em solo italiano, desde a chegada em Roma.

Lá, ela permaneceu por quatro dias e interagiu com Roberta Fainello, também envolvida com arte. A artista morou durante muito tempo em Tatuí e dedica-se a pinturas em cerâmica.

Os esboços do caderno, que deram origem à exposição, incluem passagens de Raquel pela cidade de Veneza, onde ela compareceu à Bienalli Arte (Bienal de Arte).

“Então, eu já vinha sendo alimentada de arte e amor. Quando cheguei à Sardenha, fiz vários outros desenhos e fotos que se misturaram”, observou.

A compilação das obras deu vida à mostra “Come Dimenticare La Sardegna?” (“Como Esquecer Sardenha”). Ela é composta por telas que se completam e apresenta uma sequência, desde a chegada da artista à Itália até a apresentação do trabalho.

As telas trazem referências de experiências e de conhecimentos aprimorados pela artista. Também apresentam o entendimento dela sobre a interação com a comunidade italiana e os artistas que produziram pelo mesmo projeto.

Fazem, ainda, menção à emoção vivida pela artista durante a apresentação dos trabalhos. Na ocasião, um grupo de teatro declamou trechos de cartas obtidas por Raquel. “Jamais imaginaria que seria tão emocionante”, comentou.

Com sentimento semelhante, a artista iniciou a turnê de apresentações da mostra em Tatuí. Para a ocasião, trouxe uma colaboradora especial.

Pietrina Atzori, que é artista plástica italiana, compareceu à abertura. “Ela foi a pessoa que apresentou meu trabalho para a Associação Paese Museo”, contou Raquel.

As duas se conheceram por meio de uma amiga em comum, Zilamar Takeda, também artista plástica. O contato entre ambas se deu, inicialmente, por meio do “Facebook”. Zilamar se encontrou com Raquel em Santo André.

“Ela viu meu trabalho de pneumática e a instalação ‘Cartas à Flor da Pele’. Na ocasião, disse que as obras eram têxteis e me convidou a expor em Sardenha. O projeto não deu certo, mas Zilamar enviou-o para Pietrina”, disse Raquel.

A produção da artista de Tatuí impressionou a italiana. Pietrina contou que enxergou nos trabalhos de Raquel uma “possibilidade”.

“É uma forma de arte diversa daquela que conhecemos. Em San Sperate, recebemos muitos artistas de toda a Europa e de outras partes do mundo, especialmente da América do Sul, mas brasileiros ainda não tínhamos muitos. Era a hora da Raquel”, comentou.

Durante a residência, Raquel e Pietrina trocaram várias informações. “Trabalhar com ela foi lindíssimo. Ela é belíssima, e todas as pessoas se apaixonaram pelo trabalho dela e pelo modo de se expressar”, descreveu a italiana.

A simbiose entre ambas rendeu uma nova parceria, desta vez, em Tatuí, onde a italiana vai ministrar a oficina “Exploração em Tecidos Mix Media”, com colaboração de Zilamar, nesta quarta-feira, 9, e abrirá a mostra “Anche Il Clero Porta Le Mutande” (“O Clero Também Traz Cuecas”), no dia 11.

Ambas as atividades serão realizadas em espaços do MHPS (Museu Histórico “Paulo Setúbal”). Elas acontecem em horários distintos e são gratuitas.

No Centro Cultural, o trabalho permanecerá exposto até o dia 31 deste mês. As visitas podem ser feitas das 8h às 21h, entre as segundas-feiras e sextas-feiras, e das 18h às 21h, aos sábados e domingos. O endereço é a praça Martinho Guedes, 12.