Conselho inicia debate sobre ‘preservação’

Participantes de conferência apresentam sugestões de bens materiais e imateriais que podem ser 'patrimônios' (foto: Diléa Silva)

Tendo como mote as discussões acerca da preservação do patrimônio histórico e cultural da cidade, o Condephat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico e Artístico de Tatuí) realizou a 1ª Conferência de Patrimônio, no sábado, 1o.

O evento, que contou com apoio da Secretaria Municipal de Esporte, Cultura, Turismo, Lazer e Juventude, aconteceu na Câmara Municipal, das 9h às 17h, e recebeu conselheiros e representantes de diversos setores.

Durante o encontro, que teve como tema central a estruturação e a reforma da Lei de Preservação do Patrimônio Cultural de Tatuí, chamada “Lei de Tombamento”, foram apresentados conceitos acerca do patrimônio cultural e histórico, por meio de duas palestras e uma oficina de “sensibilização”.

Ao final do evento, foi aberto espaço para que os participantes pudessem expor dúvidas e sugestões a respeito da legislação vigente, voltada à preservação.

A programação começou com a apresentação do grupo “Tropeirinhos do Rancho”, seguida de palestra com a professora mestra Sônia Regina Rampim Florêncio, coordenadora de educação patrimonial do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).

Sônia falou sobre a “educação patrimonial e a dimensão afetiva do patrimônio”, mostrando um pouco dos conceitos instituídos pela Constituição Federal sobre o que é o patrimônio cultural e histórico, e ainda trouxe à tona a necessidade de envolver a população no processo de proteção.

Iniciando o encontro, a especialista reforçou que o conceito de preservação deve ir além das antigas construções e incluir tudo aquilo que possa trazer memória afetiva da população, assim como preconiza o Iphan.

O instituto, criado em 1937 pelo presidente Getúlio Vargas, é órgão máximo no Brasil na luta para conservação dos patrimônios, que são divididos em duas categorias: bens materiais e imateriais.

Edificações e demais espaços destinados às manifestações artísticas e culturais entram na primeira categoria. Formas de expressão, modos de criar, fazer e viver, criações científicas, artísticas e tecnológicas, obras, objetos, documentos, receitas típicas e outros itens são classificados como imateriais.

Para que um “bem” possa ser oficialmente reconhecido como patrimônio, deve ser tombado ou registrado. O tombamento é uma das iniciativas possíveis de serem tomadas para a preservação, na medida em que impede legalmente a destruição e descaracterização dos bens, materiais ou imateriais.

De acordo com Sônia, tudo aquilo que a população “não quer que acabe”, para que possa ser passado para as futuras gerações, deve ser protegido. Para isso, a população tem de se engajar, principalmente no processo de identificação do que são estes bens, orienta a especialista.

A coordenadora ressaltou que, atualmente, a questão de preservação é discutida apenas em grupos seletos, e que é “importante ampliar a discussão sobre o tema, para deixá-lo menos técnico e próximo da realidade das pessoas”.

Para a especialista, a seleção do que deve ser preservado não deveria ser feita pelo Estado, nem somente por especialistas. “Hoje, a discussão se ampliou no sentido de que a população tem que identificar esses bens. Trabalhar com patrimônio cultural é sempre um exercício de seleção das nossas referências e quais delas a gente quer que se perpetuem”, explicou.

O preceito de diálogo com a população na construção de políticas de preservação ainda foi reforçado por Simone Scifone, geógrafa, mestra e doutora em geografia da Universidade de São Paulo, que fez a segunda palestra da conferência, após apresentação do grupo “Seresteiros com Ternura”.

Com o tema “Patrimônio, Memória”, a especialista abordou questões conceituais para o processo de identificação do que é patrimônio e, ainda, falou de alguns métodos que podem ser utilizados na identificação destes bens.

Simone ressaltou que o “patrimônio” só tem sentido se expressar “aquilo que se ama e que está na memória afetiva da população”. “Senão, ele é só mais um item burocrático para a gente resolver”.

Citando trecho do livro “As Cidades Invisíveis”, de Italo Calvino, que diz que “a cidade não conta o passado, ela o contém como as linhas da mão, escrito nos ângulos das ruas, nas grades das janelas, nos corrimãos das escadas…”, a especialista sustentou ser necessário preservar o patrimônio histórico e cultural para se aproximar da trajetória do município.

“Nós vivemos em uma sociedade do imediato, carregada pelo consumismo e coisas que são descartáveis, e isso faz com a gente viva mais o presente. Nesta conjuntura, o passado fica esquecido e sem sentido”, comentou Simone, acrescentando que, por isso, são importantes iniciativas como a do Condephat, que incentivam a preservação.

Completando a programação, aconteceu oficina com a mestra Maryclea Carmona Maués Neves, servidora na superintendência do Iphan, em São Paulo, na qual os participantes tiveram a oportunidade de apresentar as referências culturais pessoais de bens materiais e imateriais que podem ser considerados patrimônios de Tatuí.

Durante a oficina, lugares como a Fábrica São Martinho, Museu, Conservatório, Praça da Santa, ribeirão Manduca e outros prédios históricos foram lembrados, assim como os patrimônios imateriais que incluem personalidades e sabores, como o “Homem do Algodão-Doce”, o bolinho de amendoim e os doces caseiros.

Conforme Maryclea, a atividade teve como objetivo estimular as pessoas a olharem os lugares com mais carinho e identificarem as memórias trazidas pelos participantes.

“Acredito que o mais importante no momento foi o início do diálogo com as pessoas interessadas pelo patrimônio. Isso é muito importante para a preservação do patrimônio, que realmente deve se iniciar sob a ótica dos habitantes da cidade”, comentou Maryclea.

A etapa de identificação também vem sendo discutida dentro do Condephat para a estruturação da “Lei do Tombamento” e serviu como parâmetro para que os membros do conselho pudessem identificar novas referências culturais, conforme explicou a presidente do órgão municipal, Maíra de Camargo Barros.

“Esta reflexão que a gente fez sobre o que gostaria de preservar, sobre o que é marcante para a gente, é muito importante, inclusive, para as políticas públicas, dentro da gestão pública do poder municipal e, também, da nossa, dentro do conselho”, avaliou.

Ainda conforme Maíra, uma consulta pública deverá ser realizada nos próximos meses para angariar mais tópicos de discussão com a população. A pesquisa poderá ser feita por meio de formulários on-line ou por redes sociais.