‘Confiteor’ apresenta lado humano e objetiva ‘eternizar’ Paulo Setúbal

Monólogo de F. Goivinho é encenado em praça e museu e pode ser maior

Fernando Goivinho, em espetáculo anterior ao monólogo que será encenado no museu (foto: divulgação)
Da reportagem

O lado humano de um dos escritores mais conhecidos de Tatuí e respeitados do país, em contraste com o rebuscamento de suas obras, consideradas de leitura difícil.

Esse é um dos muitos aspectos explorados pelo ator e diretor Fernando Goivinho para a produção do espetáculo “Confiteor – Confissões de Paulo Setúbal”, que será encenado na próxima terça-feira, quarta-feira e quinta-feira, 10, 11 e 12.

A peça, um monólogo, é resultado de três anos de pesquisas, intensificadas na pandemia do novo coronavírus. Goivinho, ator há mais de 30 anos, conta ter “mergulhado no projeto depois de um período emblemático”.

Formado pelo Conservatório de Tatuí, onde trabalhou como professor, ele percorreu as duas mais importantes capitais do país: São Paulo e Rio de Janeiro. Voltou para a cidade natal mais tarde, quando seguiu a área da gastronomia, e emendou curso de administração.

Nesse mesmo período, retomou encontros e conversas com o também professor e ator André Camargo. “Eu já vinha manifestando a vontade de voltar em cena. Precisava apenas de uma ideia original, que não fosse batida”, conta.

Com o isolamento social, Goivinho intensificou as pesquisas. O desejo era produzir um espetáculo, trazendo como exemplo para a composição uma personagem da cidade. Chegou ao escritor Paulo de Oliveira Leite Setúbal a partir de reflexões e lembranças.

“Tenho uma história muito louca com ele (o escritor). Quando tinha de lê-lo, nas matérias de literatura, ou falar sobre ele, eu tinha muita dificuldade. Achava ele muito chato. Paulo Setúbal atormentava a minha cabeça”, recorda.

Dessa memória, Goivinho extraiu uma ideia: a de trazer para o público “um outro escritor”. Escolheu, para a tarefa, o livro derradeiro. “Fui direto ao ‘Confiteor’, porque me identifiquei muito com ele e resolvi montar a peça”, explica.

O monólogo tem início com Setúbal, vivido pelo ator, relatando as memórias da vida, acompanhando a linha do tempo estabelecida na obra.

A encenação começa na praça Manoel Guedes e termina no primeiro andar do edifício centenário. Na praça, Goivinho vivenciará a primeira fase de Setúbal, acompanhando as transformações do mundo: a Primeira Grande Guerra Mundial e a pandemia da Gripe Espanhola, em 1919, doença que acometeu o literato tatuiano.

“Ele (Setúbal) foi um dos primeiros a pegar a doença. Ficou entre a vida e a morte”, conta. O fato, em particular, é emblemático, porque, conforme o ator, consiste em um retrato do momento atual. “É um eco da realidade”, diz, comparando a situação da época com a pandemia de Covid-19.

Além disso, “à medida que a história é encenada, o público vai se dando conta de que a vida do escritor não foi um mar de rosas”. “O caminho dele também foi de pedreira, muito dolorido. Mas, acima de tudo, o livro deixa uma mensagem de esperança, de que nós podemos ter um mundo melhor”, contextualiza.

No primeiro momento, Goivinho vive um Paulo Setúbal “boêmio, viciado em jogo e com fraco para as mulheres alegres”; no segundo, já nas dependências do museu, a personagem muda, com a conversão ao cristianismo.

“Apesar dele (o escritor) não demonstrar que se arrependeu do que fez, eu exploro essa parte humana, que quero revelar”, explica Goivinho. O ator ressalta que a ideia do texto é revelar um Setúbal desconhecido.

A ideia do monólogo está ligada ao conteúdo do livro, que consiste em um romance. Também à pretensão do ator, que queria que o escritor falasse com o público.

O espetáculo é considerado “um devaneio teatral”, pelo caráter experimental e em constante transformação. Ele tem duração de 50 minutos, sendo composto por várias linguagens teatrais, desde a “Commedia Dell’arte” – uma vertente do teatro renascentista com caráter popular e itinerante –, contando com elementos da comédia bufônica (que abusa do gestual, de objetos) e com o naturalismo, que consiste na criação de uma ilusão extrema da realidade no palco, através de uma série de mecanismos e técnicas.

Por meio das várias técnicas, Goivinho vai revelando o passado do escritor em suas várias fases. Na época de criança, quando Tatuí ainda era “boca de sertão”, além da relação com o pai rico, que abrira uma casa de comércio, entre outros momentos.

Ao passo que a história avança, o cenário vai se desmontando. O público acompanha todos os momentos e as transformações, assim como as admirações a duas figuras importantes na vida do escritor: o professor Francisco Evangelista Pereira de Almeida e a mãe Maria Tereza de Almeida Nobre.

Os atos finais, já dentro do museu, representam o momento da “queda das máscaras”. É quando o escritor se mostra humano para o público. “Ele chora e grita com Deus. Não aceita a condição, mas, no final das contas, converte-se”, antecipa Goivinho.

O ator não “mata” o personagem. Prefere, no espetáculo, eternizá-lo. É por isso que a peça não termina com a morte de Setúbal. “Eu o faço reviver. Ele converte-se diante de um espelho e, num truque cênico, volta ao quadro”, conta.

“Quem decide se ele vive ou não é o próprio espectador. Deixo isso à conclusão de cada pessoa, se elas o verão como um fantasma ou não”, complementa.

Confiteor é voltado para o público infantojuvenil, a partir dos 15 anos. O público terá oportunidade de conferir a peça em três sessões: nos dias 10 e 11, às 17h, e no dia 12, a partir das 19h. A entrada é franca.

As sessões representam o primeiro resultado dos estudos do ator. Goivinho conta que a pretensão é de que o espetáculo tenha duração longa, de cinco a oito anos.

O motivo é que, a cada apresentação, o projeto vai mudando. Para as próximas etapas, por exemplo, o ator quer incluir recursos de música ao vivo, com participação de grupos de choro, seresta e instrumentistas.

Goivinho é ator, diretor e chefe de cozinha. Na carreira, trabalhou com grandes nomes do teatro brasileiro. Entre eles, José Renato, fundador do Teatro de Arena.

Ganhou inúmeros prêmios como ator, dirigiu diversos espetáculos infantis, como: “O Cavalinho Azul”, de Maria Clara Machado, e “O Sítio do Pica-pau Amarelo”, de Monteiro Lobato. Atualmente, faz parte da Cia. Garagem de Teatro, com a qual ensaia e prepara-se para apresentar em dezembro a peça “A Cantora Careca”.

O projeto da encenação em homenagem a Paulo Setúbal recebeu recursos por meio da LAB (Lei Aldir Blanc), via edital de cultura. Conta com apoio cultural da prefeitura, por meio da Secretaria de Esporte, Cultura, Turismo e Lazer.