Como um objeto não identificado

Henrique Autran Dourado

Antes de tudo, partindo do nada: algo que voa e não se sabe o que é. Ou seja, ÓVNI, segundo o Houaiss denominação genérica para esses objetos, ou UFO (unidentified flying object) em inglês. Mais recentemente, oficiais norte-americanos os classificaram como UAP (unidentified anomalous phenomenon), fenômeno anômalo não-identificado, sigla de abrangência mais ampla devido ao largo espectro de significados e possibilidades que encerra. Já ÓVNI é associado diretamente, até mesmo por uso e costume, aos discos-voadores (que nem sempre surgem em forma de discos!). Já o UAP pode ser desde um artefato a um fenômeno atmosférico ou meteorológico.  Em 2022 a Nasa anunciou uma equipe de estudos de UAPs, para separar o joio do trigo, ao passo que pequenos grupos de ufólogos enxergam hipóteses pseudocientíficas nada convencionais, apontando nos “objetos” evidências de uma vida extraterrestre que talvez… sequer tenha nascido. Neste segundo caso há uma certa crendice, incensando o assunto com um misticismo que lembra alguma seita, envolta em mistérios e crenças.

Lembro-me de um tio, na minha adolescência, que dedicou parte de sua vida aos estudos desses “objetos”. Colecionava revistas, matérias de jornais, entrevistava cidadãos alegadamente abordados por ETs e conectados com vida inteligente fora da Terra. Uniu essa obsessão a um talento, desenhar, o que fazia com perfeição à ponta de lápis finos, H: os lindos grandes quadros de caças da II Guerra como o alemão Messerschmitt e o inglês Spitfire, de cabine única, que tem seus descendentes até hoje. Sobre uma prateleira, miniaturas de aviões, foguetes e ÓVNIs, preciosidades. Eu e um primo, filho desse tio ufólogo, armamos uma pegadinha: uma miniatura de disco voador feita de chumbo, pendurada em uma finíssima linha de pesca em cuja outra ponta atamos uma pedra; jogada por sobre cabos elétricos de postes da rua (que perigo!) foi içada a uma altura que dava a impressão de o disco estar sobrevoando a Terra. O tio, claro, não se entusiasmou nada com a foto e voltou a tratar do Centro de Investigação Civil sobre ÓVNIs, do qual era presidente. Talvez por isso eu não tenha caído no time dos que acreditam à primeira vista, mas estarei de braços abertos se um dia um ÓVNI ou ET me aparecer pela frente.

Com a guerra fria, após o final da II Guerra, relatos sobre ÓVNIs, feitos principalmente por pilotos de caças americanos, muitos deles sob a égide de “classified documents”, “top secret”, começaram a encher um departamento inteiro na Nasa. Ora, sabe-se lá se esses arquivos fazem referência a artefatos de espionagem soviéticos ou, talvez, a discos ou cilindros voadores com ou sem ETs a pilotá-los a passeio? (As teorias da conspiração sobre o assunto falam até em controle por inteligência artificial, encontros e mesmo abduções de inspiração cinematográfica por extraterrestres ou tendo eles próprios como modelos para filmagens). Há cientistas levando tudo isso a sério e há descrentes, grande maioria, mais engajados em fazer troça, brincadeiras e, em tempos modernos, memes sobre o tema.

Cidades como Varginha, em MG, e São Raimundo Nonato, no Piauí, são pródigas em relatos sobre aparições de ÓVNIs e ETs, e é claro que o simples fato de haver registros sobre esses eventos já cria um ambiente propício a futuros acontecimentos correlatos, seja no campo da observação, seja no da mais fértil imaginação. No dia 23/11/20, um clarão assustou populações não apenas de São Raimundo Nonato, pela tradição da cidade – que já foi usada em cena de “A Caverna”, um espetáculo do músico e inventor suíço Walter Smetak -, mas também Teresina, Floriano e outras. A explicação é simples, segundo o professor de física e pesquisador do IFPI Ayrton Vasconcelos: a região faz parte da rota de artefatos humanos de exploração “dada a proximidade com a Linha do Equador e pelo movimento de rotação da Terra”.   Tratava-se de um foguete chinês em direção à lua, visto entre os planetas Júpiter e Saturno, cujo lançamento fora até noticiado pelo New York Times. A região é privilegiada, razão pela qual Alcântara, no Maranhão, é onde se encontra o Centro de Lançamento da Agência Espacial Brasileira. Já Varginha, no sul de Minas, ficou famosa por ter sido onde três meninas teriam visto um ET, depois supostamente capturado por militares. Nos tempos seguintes vieram mais aparições, merecedoras de filmes, livros e muita elucubração.

No dia 11 de fevereiro de 2023 caças americanos derrubaram um “ÓVNI” cilíndrico na altura da fronteira do Canadá com o Alasca, e no dia 12 outro objeto, este de forma octogonal, sobre o lago Huron, em Michigan, nos EUA. Só mais um caso de espionagem nas relações nada amigáveis entre russos e norte-americanos nesta guerra fria? Pior ainda, envolvendo a China, que seria a lançadora do objeto, tendo como pano de fundo o conflito russo-ucraniano? Não, não eram ÓVNIs, apesar de inicialmente terem provocado certo frisson entre ufólogos e aficionados. Seriam artefatos chineses acusados de supostamente espionar os EUA, tendo como contrapartida objetos semelhantes que vêm sendo usados pelos americanos para bisbilhotar a China. Qualquer coisa que voa ou está voando pode ser alvo dessas especulações: “Carcará / é um bicho que avoa que nem avião” (João do Vale e José Cândido). Ou, mais suavemente e planando em suave poesia, como cantou Caetano Veloso: “minha paixão / há de brilhar / na noite / no céu de uma cidade do interior / Como um objeto não identificado”.