Com medalhas e sem medalhas

Henrique Autran Dourado

Fomos muito bem, obrigado, de medalhas nessas Olimpíadas, apesar da falta de apoio e compreensão do esporte e da cultura como elementos primordiais na formação do sujeito social. Em Tóquio, apesar de inevitáveis decepções, houve vitórias surpreendentes e até surpresas – como a “Fadinha”, Rayssa Leal, de apenas 13 anos, merecedora de uma reluzente prata no “street skate”. A menina, com sua simpatia e passado de luta comum a tantos de nossos atletas, aprendia de improviso na sua vizinhança; o surfista Ítalo Ferreira, praticando sobre a tampa da caixa de isopor em que seu pai levava peixes para vender.

A conquista de Rayssa, segundo pesquisas, foi assistida por mais de 2 milhões de pessoas. É o xodó brasileiro dos Jogos pela técnica, talento precoce e simplicidade. Ao lado de seu colega de surfe Ítalo, ouro, da ginasta Rebeca Andrade, ouro e prata, e das prateadas meninas do vôlei, entre outros, reluzem no peito ambicionadas medalhas. A compensação é que, no “conjunto da obra”, nossa delegação conquistou ainda mais glórias do que na recordista Olimpíada anterior, Rio 2016, em que levantou um total de 19 medalhas, sendo sete ouros. Uma surpresa e tanto para um país sem estímulo, mas pródigo em gênios do esporte por talento nato e luta. No final desta competição, festejamos a superação de nossas próprias conquistas: sete ouros, seis pratas e oito bronzes, perfazendo um total de 21: que auspicioso 12º lugar! Salve nossos atletas!

Sem pódio está nossa economia, com a taxa Selic alavancada para 5,25%, provavelmente chegando a 7% até o fim do ano, segundo analistas. Com a taxa de juros nesse patamar, o sonho da casa própria vai se esvaindo, o mercado fica perdido e o crédito em geral se torna mais difícil, do pequeno comércio popular de venda em prestações aos grandes financiamentos: tudo é afetado. É o jogo de sempre na quadra em que uma vez na história tivemos oportunidade de levantar a bola e bater a inflação. Melhor: foi um ippon (golpe perfeito do judô) em 1994, o Plano Real, que inverteu as regras do jogo e abriu caminho para uma economia mais bem-sucedida e previsível (com desconto para os deslizes de praxe). Nunca é fantasia o risco futuro de um KO (“knock out”) em um round, como nas lutas de boxe – só que contra nós, por esta adversária indomável, a inflação que tudo devora.

Também não há pódio algum para o desemprego a 14,7%, arrastando ainda muito mais gente para baixo da linha de pobreza; o IGPM (Índice Geral de Preços do Mercado) da FGV em absurdos 33,83%, ignorado amplamente no reajuste de aluguéis – o locador ou perde seu inquilino ou leva calote; melhor ainda, condescendentemente e na defesa de sua renda, não reajusta a locação. Ao contrário, os senhorios às vezes até diminuem o valor do aluguel.

Desclassificada ficou a condução da política antipandemia, que teme agora uma adversária perigosa, a variante Delta. Na defensiva, autoridades federais e, por falta de informação, mesmo parte do povo, em geral, também não carregam louro algum; seguimos com sofridas recompensas e muitas punições (à parte os devidos aplausos para o atual sucesso da vacinação, descontados os gols contra e protelatórios do Executivo federal). Os olhos do mundo se voltam para potenciais recordes desta nova cepa em nosso Brasil: numerosa população, rincões pobres e com pouca ou nenhuma infraestrutura – um país à deriva no barco do combate à doença, enfrentando o soçobrar do negativismo. Há menosprezo genérico – e até seletivo politicamente – pelas vacinas, carecemos de medidas protetivas e saúde pública em geral.

Como este é um tema que incomoda setores nada olímpicos – no sentido da tradição grega da antiguidade de congraçamento -, empurram-nos goela abaixo uma questão abjeta como o “voto impresso e auditável”, mesmo diante do sucesso de nosso sistema eletrônico de 25 anos – plenamente auditável, aliás -, reconhecido mundo afora. O tema, derrotado como se previa, colocou o bode na sala, fez cortina de fumaça, serviu de boi de piranha e escamoteou a realidade para debaixo do tapete, alvoroçando o Poder Legislativo e ofendendo o Judiciário. Instiga a população para uma luta de pugilismo coletivo sem árbitro, como na recente pancadaria baiana atrás do trio elétrico.

Pódio sim, quem diria, para a classe empresarial! Todo-poderosos da mais fina elite, os 500 signatários de uma “Carta aberta à sociedade” expressam seu profundo descontentamento com a condução – ou falta dela – de nossa economia, a “tergiversação” dos males que atingem nossa sociedade, da saúde do povo à tributária e política, passando a “boiada” oculta pelo “voto impresso”. O manifesto da elite econômica traz um número expressivo de signatários, pesos-pesados como os Trajano, do Magazine Luiza, Schalka, da Suzano e José Olympio, do Credit Suisse, além de economistas de ponta como Armínio Fraga, Marcílio M. Moreira, Maílson da Nóbrega, Rubens Ricúpero e André Lara Resende, gente que não tem o costume de se manifestar politicamente e não se rende a qualquer segmento partidário – embora entre eles haja vários que se arrependam de emprestar seu apoio à candidatura vitoriosa na eleição de 2018.

Definitivamente, não é uma manifestação que possa receber a “pecha infamante” de comunista, como diz o famoso manifesto de Marx e Engels, ou sequer “de esquerda”, expressão que hoje serve ao mesmo propósito derrogatório, fugindo às origens históricas no antigo Parlamento da monarquia francesa.

Salve os nossos medalhistas!