Setembro, quarta-feira chuvosa. Começo da noite. Enjoados de comentar a respeito da política, cada vez mais dependente da flexibilização da verdade, para não dizer dependência da mentira, mas continuando na área da mitologia, conversamos nada mais, nada menos, a respeito do saci-pererê.
Esse ser é um dos personagens mais conhecidos do folclore brasileiro, tanto é que há um dia em sua homenagem: o dia 31 de outubro. As referências sobre o saci surgiram entre os povos indígenas do Sul do Brasil durante o período colonial. Inicialmente era representado por um indiozinho moreno, que tinha um rabo e que aprontava travessuras na floresta.
Um tanto mais ao norte do país, o mito e o personagem modificaram-se e o saci transformou-se em um jovem negro com apenas uma perna, pois, segundo esse mito, havia perdido a outra em uma luta de capoeira. Descrito desde então usando um gorro vermelho e um cachimbo, elementos típicos da cultura africana, é assim representado até hoje.
Como estávamos falando sobre o saci, uns riam e duvidavam de sua existência, mas um dos interlocutores, Tiago Menezes, discordou e disse que na zona rural poucos duvidam da existência do saci.
Contou, inclusive, que, certa vez, estando em sua casa em uma ocasião em que residia na capital, um antigo morador do bairro 400 lhe fez uma visita e contava a respeito da existência do saci, outro tatuiano que também estava lá, cujo apelido é “Hominho” riu demais, não acreditando.
Foi embora considerando até que o velho estava um tanto gagá por acreditar nessa lenda. Mas, ao chegar em sua casa, em Santo André, não encontrou as chaves do portão e nem da porta. Tinha certeza de que saiu com elas e não havia motivo para perdê-las, pois não colocou a mão nesse bolso.
Sem conseguir entrar em casa e, sem outra alternativa, teve de ir passar a noite em um hotel. Quando refez os movimentos que poderia ter feito e os caminhos que passou, não encontrou nenhuma explicação para o sumiço das chaves. Então, lembrou-se que havia duvidado do saci. Pois foi o próprio saci que consumiu as chaves do Hominho, que nunca mais duvidou de sua existência.
Tiago contou também que, em um sítio que seu pai tinha em Itaberá, onde havia um velho trator John Deere, daqueles de rodas de ferro e motor movido a querosene, a presença de um saci foi confirmada por lá.
Para saber se alguém mexia no trator, depois que teve uns defeitos inexplicáveis, seu pai passou a espalhar cinzas pelo chão, em volta do John Deere, para que, se alguém se aproximasse, deixaria pegadas naquela barreira de cinzas.
Pela manhã, seu pai observou umas pegadas estranhas, de um pé apenas. Esse pé tinha só quatro dedos. Chamou um vizinho para analisarem juntos o que era aquilo, e esse homem confirmou que se tratava de pegadas de saci, pois em sua propriedade já havia acontecido coisa semelhante.
Tiago, apesar disso tudo, não acreditava em saci. Brincava com o assunto. Até que um dia, trabalhando dentro de um barracão em sua propriedade rural, seu empregado lhe pediu uma câmara de ar que estava pendurada ali. O rapaz desejava usar como boia para se refrescar na lagoa.
Tiago negou e disse, brincando, mas circunspecto:
– Não posso, essa câmara está guardada para o saci! Tem só um casal de sacis por estas redondezas, já estão com 115 anos, e essa câmara de ar vai lhes servir para fazer estilingues e atirar pedras no inferno! – com expressão séria, para que o rapaz acreditasse.
E acreditou. Tanto é que não pediu mais aquilo ao Tiago, que comentou, rindo, para outras pessoas sobre a crendice do rapaz.
Mas, uma noite escura, poucos dias depois, assustou-se com um ruído estranho vindo do barracão. Parecia que algo estava sendo arrastado. Foi até lá, munido de uma lanterna, para descobrir do que se tratava.
Ficou arrepiado com o que viu. Na escuridão, um vulto arrastava a câmara de ar, já fora do barracão. No começo, vagarosamente, mas logo sumiu rapidamente. Com o foco da lanterna, Tiago viu apenas o lume de um cachimbo e o brilho dos olhos de um ser escuro, olhar sinistro, que arrastava a câmara de ar. O saci veio buscar o que Tiago disse que era dele.
No decorrer do assunto, surgiu outro caso, acontecido aproximadamente na década de 1940 ou início de 1950. Certo dia, um menino de uns três anos de idade, morador no bairro Rio da Onça, município de Cesário Lange, desapareceu ao entardecer.
Todos começaram a procurar, mas ninguém encontrava. Anoiteceu, mas o menino não foi encontrado. Seus pais estavam desesperados. No dia seguinte, muitos vizinhos se juntaram para procurar o menino. Só à tardinha foi encontrado.
O menino estava preso em um enorme espinheiro, um inhapindá, no linguajar caipira. Não havia como chegar até o menino, tão espesso era o espinheiro.
Foi preciso buscar machados, foices e facões para cortar os ramos do espinheiro para chegar até onde o menino estava. Mesmo assim, muitos se arranharam nos espinhos.
O menino chorava bastante, mas não tinha nem um arranhão. Chorava de fome e estava assustado. Quando lhe perguntaram como havia entrado no inhapindá, respondeu, para espanto de todos:
– Eu estava brincando perto de casa e um negrinho de uma perna só me pegou, me deixou aqui e foi embora! – explicou, com a inocência própria das crianças. Duvida? Pergunte a um morador antigo de Cesário Lange.