Henrique Autran Dourado
Iair (“iair”), em hebraico “a luz de Deus que desperta”, foi nome de um guerreiro da tribo de Judá em Gileade, admirado por seu poder e riqueza. Em não muito tempo, Iair galgou os degraus do poder e foi juiz dos hebreus por 22 anos! Eadweard, entre os anglo-saxônicos, significava “o guardador da riqueza”, e deu nome de 11 reis, só na Inglaterra. Edward, ambicioso soberano do século 11 e último anglo-saxônico no trono, teve curto reinado: apenas 18 anos. Não exatamente por virtudes caras à Igreja Católica, mas pela sua ascendência na Casa de Essex e o exercício discricionário do poder, apesar de nem tanto cristão foi canonizado pelo papa Alexandre III com o epíteto “Eduardus Confessor”.
“Flavius”, de origem latina, remete a “cor de ouro”. Entre os romanos do ocidente, no século 5, foi um imperador conhecido não exatamente pela piedade, como seu antecessor. Pelo contrário, tinha lá seu “saco de maldades” e gostava de ostentar a imagem de homem rico e poderoso. E Cárolus tem origem no germânico Karal, “o tal”, “o cara”, nome que em suas variações se refere a bom número de reis franceses, portugueses, ingleses, suecos, húngaros e espanhóis. Devem ter vivido muitos Cárolus, das piores maldades, e talvez por exceção um deles teve a alcunha de “O Bom”: o conde de Flandres no século 11, canonizado São Carlos Borromeo, que por sua menor envergadura não chegou a voo de maior alcance.
(Há ainda o bonachão Charles, príncipe de Wales, cuja maior fortuna foi ter se casado com a bela Diana – na mitologia romana, deusa da caça, e na grega, Artêmis, filha de Zeus e irmã de Apolo: o poder aliado à beleza). Micaela deve sua origem ao hebraico: Michael (de “Mikha”, quem, e “El”, Deus: “quem é Deus”?) Uma recatada senhora, canonizada pelo sumo pontífice, que ficou conhecida como Santa Maria Micaela, cuja data passou a ser celebrada todos os dias 24 de agosto. (Na belíssima ópera “Carmen”, de Bizet, Micaela era a loira que tinha queda pelo soldado Don José. É dona de uma linda ária que só não chega à altura daquela do papel-título Carmen, esfuziante em sua “habanera”. Micaela não era de grandes virtudes, seu papel e discrição não a permitiam, queria ter Don José mas não era do bas-fond como Carmen).
Do latim vem Mourus, de onde Mouro, Moro e outras variações, referindo-se a mourisco. Em Portugal é comum o sobrenome Mourão, e reza um agouro que, ao se tirar um dente de leite podre de uma criança, deve-se jogá-lo no telhado e dizer três vezes “Mourão, Mourão, me leva este podre e me traz outro bão”). Os mouros ocuparam a Península Ibérica de 711 a 1453, mais de dois séculos da vida do Brasil pós-descoberta de hoje! Omar, do árabe (“âmara”, vida longa), foi nome de diversos califas e um grande poeta e orador persa, O. Khayyámm, que viveu no século 11. (Omar Sharif, grande ator egípcio-americano falecido em 2015, entrou para a história do cinema com “Lawrence da Arábia”).
Ronan, de origem bretã, tem suas variantes Renan e Renano, de “rena” – pequena foca. Deu sobrenome ao francês Ernest Renan, eloquente orador e filósofo do século 19, intelectual do gênero “l’homme universel”, tantos os assuntos que dominava. De origem inglesa medieval é Randolph, de “rim” – “shield”, máscara de proteção – e “wolf”, lobo. Um dos grandes personagens da história com este nome talvez tenha sido Randolph Churchill, filho do estadista. Político, escritor e jornalista celebrado por sua sagacidade em tempos de guerra ou fora dela. Arguto e articulador, fez jus ao sobrenome do pai, William.
Há muitos coadjuvantes neste glossário. Dimas, por exemplo, pode ter cometido seus erros em vida, e foi crucificado à direita de Jesus, com Gestas à esquerda. Arrependeu-se de seus pecadilhos e foi absolvido pelo Senhor, segundo o evangelho de Lucas, 23:43: “em verdade te digo que hoje estarás comigo no Paraíso”, tornando-se conhecido como “o bom ladrão”. Confessou, foi desculpado e canonizado, exemplo símbolo da força do arrependimento e da bênção do perdão divino. Figura dos bastidores deste glossário é Olavo, nome vindo do anglo-saxão Oslaf, “o filho dos deuses”. Chamaram-se Oslaf seis monarcas da Noruega, dois da Dinamarca e um rei da Suécia. De vida aparentemente apagada, este último, Olof Sköttkonung (século 11), mantinha um domínio inebriante sobre seus súditos, que a ele se tornavam subservientes e crédulos, fosse nas verdades ou nas mentiras.
De grande poder e notável articulação foi Roderico, do alemão Hrodrik, de “hrod”, glória, e “rik”, senhor, por conseguinte “senhor da glória”, nome que em português é o popular Rodrigo. Na Espanha, do latim veio Roderichus, nome do último rei visigodo; espanhol, como ele, foram o poderoso conde Rodrigo de Castela e, mais apagado, Queiroga, do galego “urze (uma erva) pequena”. Arthur tem origem celta (“art”, urso, e “ur”, grande), e foi soberano tão habilidoso que gerou diversas lendas, às vezes difícil é distinguir o real do imaginário. Era tão versado nas armas quanto no lidar com as palavras – assim, mostrava-se sábio e induzia todos a crerem em suas convicções com um discurso muito bem articulado.
Este glossário não se pretende uma coleção de genealogias, mas um passeio ao redor de nomes de personagens a quem por algum motivo o leitor pode ter feito suas associações. Se não, que mal importa, ao menos fez comigo uma promenade em assunto no qual não sou especialista, só estudioso por paixão: a origem dos nomes e sobrenomes.