Henrique Autran Dourado
Eis um problema da competência de todos. Se não há livros em casa, não se recebe esse incentivo dos pais no próprio lar, de onde surgirá o interesse pela boa leitura? As escolas, principalmente as públicas, que em geral abrigam os estudos dos alunos mais carentes, talvez sejam o principal caminho. Cada unidade pode ter sua biblioteca formada por doações espontâneas, campanhas oficiais, auxílio da comunidade e mutirões. Claro, é preciso que ao menos um professor em cada escola tome a liderança, com o apoio da diretoria, levando os demais a se interessarem pela questão,
Fora isso, há programas cujas origens remontam a 1929, quando foi criado o Instituto Nacional do Livro. Em 1985, surge o PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) com o decreto 91.542 do presidente José Sarney. À parte o presidente ser autor de vários livros, a preocupação com a literatura veio no bojo de um conjunto didático. O PNLD depende de governantes e ministros: em 1990, durante a gestão de Collor de Mello, o programa suspendeu boa parte da distribuição de livros às escolas, e em 1992 restringiu-a ao período da 1ª à 4ª série do ensino fundamental, ou seja, algo bem básico para engordar outros setores da economia – sem entrar no mérito do destino das verbas. Em 2009, com Lula e com o impulso do prof. Fernando Haddad, da USP, ministro da Educação, o programa, via Correios, distribuiu 103 milhões de livros entre 140 mil escolas do Brasil, uma média de 735 livros por escola. O PNLD disponibiliza obras didáticas, pedagógicas e literárias para todas as escolas públicas do Brasil, entre federais, estaduais e municipais. Para o segundo semestre de 2022, voltou-se a restringir a distribuição para apenas três séries do ensino médio.
Que o Brasil não é, definitivamente, um país de leitores, todos sabemos. Mas os números parecem enganar: em sétimo lugar, atrás apenas da Eslováquia, Malásia, Romênia, Tailândia, Espanha, Rússia e Turquia, 74% de brasileiros compraram ao menos um livro no ano (dados: Picodi). Trata-se, é bom dizer, de uma média aritmética simples, uma única operação. Fosse uma média ponderada, veríamos que há uma casta de apenas 6% de pessoas que compram livros ao menos uma vez por semana e outra faixa, de 46%, uma vez por mês, o que catapulta os resultados no geral, criando uma ilusão de que somos um “país leitor”, quando na verdade 31% nunca leram absolutamente nada. Em geral, 14% acham os livros muito caros, e 10% exorbitantes (fonte: MoneyTimes).
Os grupos de um e quatro livros por mês (46% e 6%), grandes responsáveis pela alta média, não representam a realidade brasileira: os números de aquisições iludem, pois são distribuídos per capita, e incluem o universo de pessoas que não têm qualquer tipo de carne no prato, os inúmeros que passam fome e tantos que sequer sabem ler (o deputado da Assembleia de Minas Pedro Ivo, o Pinduca, gaguejou e não conseguiu ler seu compromisso de posse em 2015; logo no começo parou, largando o papel, e disse “o que importa é que eu estou aqui”. E o mais triste: faleceu no ano passado de Covid-19).
Em Boston e NY pode-se notar os vagões de metrô cheios de pessoas com livros na mão: escolares, técnicos, acadêmicos e literatura. Em Londres, principalmente, dada a variedade religiosa da população, vê-se muitos livros sagrados como a Bíblia, o Torá e o Corão, lado a lado com a prosa e a poesia. Assim também é nas praças e outros lugares públicos. Geralmente, em âmbito da literatura, não leem muito boa coisa: são os chamados “paperbacks” (de capa mole, baratos), ou de bolso, com frequência best-sellers – aprendi com meu pai a manter um pé atrás com esses últimos, pois se vendem muito não devem ser coisa muito boa, dizia (mas o costume de ler em muitos países já é um trunfo). Lembro-me dele dizendo: quer conhecer uma pessoa? Veja o que ela lê.
Os livros são o registro da história, nossa cultura, o trabalho dos criadores, poetas, romancistas, biógrafos, e nunca serão substituídos por outros meios. Mesmo que hoje se possa “baixá-los” até de graça em PDF em “tablets”, ou nos “paperwhite” (branco-papel), que têm a virtude de não emitir a nociva luz azul: minúsculos pigmentos de grafite se aglutinam para formar os textos sob a luz natural, como um livro de papel. O problema maior que vem somar a essa falta de leitura do brasileiro é o smartphone, ou mesmo um simples celular, aparelhos em que os jovens usam uma taquigrafia de dois polegares para passar curtas mensagens em um dialeto tribal sem acentos: “pq vc naum vm k”? “Naum to di boa”, e por aí vai.
Não é a informática, em si, o problema, pois no computador pode-se ler jornais, trabalhos científicos abalizados ou uma boa poesia. O celular, com seus programas WhatsApp, Instagram, TikTok e Telegram, este último na mira do STF pela possibilidade de descontrole em período eleitoral – a sede é em Dubai, o produto é russo e não responde à imprensa, à Justiça, a ninguém. Nesses apps sociais tem domínio a preguiça, e além da taquigrafia tribal usa-se gravar mensagens, preservada sempre a norma de não ultrapassar dois minutos ou parcas linhas para não chamarem de “textão”, outro neologismo. Ter livros em casa força o leitor a erguer-se e ir à estante buscá-los, ler fontes confiáveis e ao ótimo costume de, na dúvida, consultar, retendo o possível na memória.
Termino com uma boutade genial do comediante Groucho Marx: “Acho a TV muito educativa. Toda hora que alguém a liga, vou para outra sala ler um livro”.