Até que a morte nos enlace

Aqui, Ali, Acolá

José Ortiz de Camargo Neto *

Frase do dia: Os erros da Medicina, a terra encobre (dita por um amigo médico-cirurgião).

Caros amigos,

Viajei de São Paulo a Boituva para ver a peça de nosso dramaturgo premiado, Ivan Camargo, “Até que A Morte nos Enlace”.

O teatro, com 300 lugares, ficou lotado. E, ao final, o público aplaudiu calorosamente, em pé.

De fato, o enredo é sui-generis para nosso tempo.

Desde que o espírito do Rei Hamlet apareceu aos súditos e ao filho, exigindo vingança pelo seu assassinato, na peça de Shakespeare, a literatura geralmente permaneceu no mundo dos vivos.

Exceto, claro, quando Machado de Assis lançou “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, em que a biografia da personagem é narrada por ela mesma, depois de morta.

A partir daí, desconheço outro morto que tenha vindo contar sua vida aos viventes. Pode haver, mas ignoro.

Nesta peça de Ivan Camargo, não é um, mas são três falecidos que apresentam suas vidas, cheias de idas e vindas, ao público do teatro, ao lado de uma “entidade” que não vou revelar quem é, para não contar o fim do filme.

Os três estão no limbo, um lugar escuro, desprovido de qualquer cenário (Ivan contou-me que escreveu essa peça porque uma outra, que escrevera, e fora premiada, não foi apresentada em Tatuí sob a alegação de ter muitos cenários. “Então escrevi uma onde não houvesse cenário algum. E onde não há cenário nenhum? No limbo”, explicou.

E nesse limbo estão lá, mortos mas vivos, um ativista revolucionário político e sua espoa, que se casou com outro depois que o marido morreu assassinado. O outro morreu também e desceu com ela ao limbo.

A discussão é inevitável, cada um reivindicando para si o direito de ficar com a mulher, chegando um deles ao exagero de dizer ao ativista: “Você já estava morto quando eu casei com ela, então a posse dela é meu direito”. “Posse??”, protestou a mulher. “Querem me fazer mulher objeto depois de morta???”.

Ao mesmo tempo que é cômica, a peça é bastante conscientizadora. Neste sentido, a mensagem é que os três falecidos só poderiam se elevar do limbo confessando seus erros.

A misteriosa entidade que aparentemente guiava os falecidos no limbo fala ao público que todos estamos na mesma situação, só podendo nos alçar a uma condição melhor pela conscientização dos erros cometidos.

Apesar do ambiente funéreo, a peça dá uma mensagem otimista da vida: em outras palavras: use cada minuto de sua existência para fazer o bem, a fim de se elevar espiritualmente, para poder chegar em boas condições “do outro lado”.

A peça é maravilhosa. Ivanzinho está de parabéns, assim como o diretor Jacques Lagôa e todo o elenco.

Recomendo. Estará em cartaz às quintas-feiras, 21 horas, e aos sábados, 18h30, até o fim do mês, em São Paulo, no teatro Ruth Escobar.

Só lamento que essa peça não tenha sido apresentada no Conservatório, como podia ter sido, assim como a anterior “que tinha muitos cenários”. Tatuí perdeu com isso. Boituva e São Paulo ganharam. E a peça foi escrita por um tatuiano…

Prestigiemos mais nossos artistas.

Até breve.

* Jornalista e escritor tatuiano.

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