Da reportagem
Usando materiais recicláveis e de origem “simples” o artista plástico, cenógrafo e professor Jaime Pinheiro mantém viva a tradição do presépio de Natal em Tatuí. O espaço usado para expor a representação do nascimento do menino Jesus, é o jardim do Conservatório Dramático e Musical “Dr. Carlos de Campos”.
A iniciativa, que começou há mais de 20 anos, transformou-se em um dos cartões postais do município e faz da escola de música e teatro um dos pontos turísticos natalinos mais frequentados – mesmo no período da pandemia.
Segundo o autor, os materiais recicláveis são usados de propósito para enfatizar a simplicidade da família de Jesus. “Minha ideia sempre foi questionar o esquecimento da figura principal da data”, justifica o artista.
Pinheiro conta que a primeira vez que montou o presépio no Conservatório foi em 1999, mas que tinha ficado em dúvida se seria bem aceito, pelo fato de ter criado com entulhos encontrados na escola, em lixos e caçambas.
Para a representação, entre outros materiais, o artista plástico lembra que usou uma blusa encontrada em uma caçamba – provavelmente deixada por um algum morador de rua – e uma cesta de pães que estava jogada no lixo de uma padaria na área central.
“No dia em que terminei, uma senhora parou, ficou olhando para o presépio e eu fui lá para saber o que ela achou e ter uma referência. Quando cheguei mais perto, percebi que ela estava rezando, não precisei nem perguntar mais nada”, lembra Pinheiro.
Na época, a direção gostou do trabalho e permitiu que ele continuasse a ser montado anualmente, até 2006. “Fazer presépios se tornou uma tradição, e continuei fazendo durante sete anos”, revela o artista plástico.
A cada ano, Pinheiro cria um tema e traz uma reflexão diferente sobre o sentido do Natal. Em uma das criações, realizou uma interferência no monumento “O Apascentador”, obra do professor Josué Fernandes Pires, que fica na entrada do teatro “Procópio Ferreira”.
“Falei com o professor Josué, expliquei o propósito, ele aprovou e meu deu permissão para transformar ‘O Apascentador’. Usei uma asa fixada na escultura de cimento para representar nela a figura de um anjo, completando o presépio”, conta.
Conforme Pinheiro, diante das trocas de comando no Conservatório, o tradicional presépio de Natal não foi montado durante 12 anos. Porém, em 2018, a atual gestão da instituição soube do antigo projeto e convidou o artista a retomar o trabalho.
Para a nova etapa, ele confeccionou as peças em gesso e papelão. Para a área da pele dos personagens, utilizou moldes de gesso, sendo que, para as mãos e os pés, contou com a ajuda de alunos e funcionários do Conservatório. Já as demais partes, por conterem características específicas, foram esculpidas à mão.
Uma das intenções do artista plástico era tirar a posição de “idolatria”, comum nos presépios, e registrar uma postura de afeto familiar, “uma tentativa de humanização”. Ele ainda indica que a estética não é a principal preocupação.
“Quis estes materiais na obra, justamente, para contestar a questão de comercialização dos produtos no período natalino e não mais ideias e pensamentos”. “É uma reflexão”, completou.
Em 2019, lona velha, bambu, restos de madeira de paletes, retalhos de estopa foram as principais matérias-primas usadas para a criação da obra, além de alguns elementos usados no ano anterior, reutilizados com a intenção de reforçar o “real significado do Natal”.
“Faço questão de manter esse reaproveitamento, pois está dentro do propósito. Tudo ali é improvisado, e essa é uma das coisas que eu quero chamar a atenção. Há muita gente na rua, muita miséria, muita fome, a ideia é não haver desperdício”, enfatiza o cenógrafo.
Na ocasião, a decoração temática também foi pensada para chamar ainda mais a atenção ao protagonista do cenário natalino. O cenógrafo optou por não expor a face do menino na manjedoura.
“Fiz isso para tentar lembrar às pessoas de que elas têm que ter Jesus no coração, e que não adianta olhar só em uma imagem que está exposta do lado de fora se não temos Ele dentro de nós”, argumenta.
Para explicar o sentido da mensagem que o autor quis passar com a peça sem rosto, a montagem estava acompanhada da frase: “Quer ver a face do menino Jesus? Procure enxergar dentro do seu coração”.
Neste ano, reutilizando os materiais, uma nova obra está exposta no espaço do Conservatório, novamente abordando o consumismo, comum na época do Natal, e trazendo o “verdadeiro sentido das comemorações natalinas”.
Segundo o autor, a inspiração para as criações vem dos ensinamentos que recebeu da mãe dele, quando criança. Ele conta que a “paixão” por presépios surgiu nessa época, montando peças artesanais para a representação do nascimento.
“É uma alegria montar o presépio. Acho que tudo começou quando eu ainda era criança. Na minha casa, minha mãe tinha só as pecinhas básicas (Jesus, Maria e José e os três reis magos), e o resto do presépio eu e meu irmão fazíamos de argila”, relembra.
Emocionado, Pinheiro ressalta ter sido incentivado pela mãe a criar as peças, feito que, segundo ele, reforçou o gosto pessoal pela arte e cultura. “Eu e meu irmão esperávamos o leiteiro vir trazer o leite do sítio e pegávamos a argila que vinha grudada na roda da carroça para fazer as pecinhas”, conta.
“Com aquilo, nós fazíamos a vaquinha, o carneiro, galo, arriscávamos fazer os pastores e outras peças. Com madeira velha que encontrávamos, fazíamos a casinha, colocávamos espelho com área em volta, para parecer um laguinho. E essa é a lembrança mais forte que tenho”, confidencia.
Finalizando, Pinheiro enfatiza que pretende continuar a trazer novos temas nos próximos anos. O incentivo para manter a tradição é o retorno que recebe dos amigos e visitantes que passam pelo local.
“Todos os anos eu tenho um retorno muito emocionante sobre o presépio. Neste ano mesmo, vi uma pessoa em situação de rua ficar feliz por ver o presépio montado e dizer passava ali toda noite para dar uma olhada no menino Jesus. Todo presépio tem uma história, e isso me incentiva cada vez mais”, conclui.