Aprovada criação de CAS no paço municipal

Tilli Bertolaccini traduziu sessão que marcou aprovação para comunidade de surdos atendidos pela AST (foto: Cristiano Mota)

“Haverá uma hora em que a AST (Associação de Surdos de Tatuí) não existirá mais. Por isso, esse projeto representa muito, especialmente pela questão dos direitos”.

A opinião de Leonides Bertolaccini Rodrigues, a Tili Bertolaccini, diz respeito ao projeto que prevê a criação da CAS (Central de Atendimento aos Surdos) no paço municipal.

Encaminhada pela prefeita Maria José Vieira de Camargo (PSDB) à Câmara, a matéria, aprovada por unanimidade em sessão extraordinária no dia 24 de outubro, prevê assistência a pessoas com deficiência auditiva, surdos e surdos-cegos.

A proposta estipula que elas receberão informações relacionadas à administração municipal por meio de Libras (Língua Brasileira de Sinais).

De acordo com o projeto, a ser implantado, a central funcionará durante o expediente do paço. Desde 2015, com a redução do horário de atendimento, o espaço abre das 12h às 18h, de segunda a sexta.

Para oferecer informações, a Prefeitura deverá destinar dois funcionários como intérpretes. Eles atenderão em espaço a ser indicado com “sinalização pertinente”.

A central é resultado de anteprojeto apresentado pelo vereador Miguel Lopes Cardoso Júnior (PMDB). Para Tili, o espaço representa avanço no trabalho da AST. “A associação briga por um atendimento melhor há anos”, disse.

Segundo ela, o espaço terá papel importante para os surdos quando a entidade deixar de existir. Fundada em 2009, a AST leva o nome de Lúcia Rodrigues Bertolaccini (mãe da professora de Libras), mas é mantida exclusivamente pela fundadora. Tili é a única remanescente da diretoria.

Também está encarregada de prestar os atendimentos aos surdos que frequentam a entidade. Em função da idade (ela tem mais de 70 anos) e de complicações familiares (o marido está em estágio avançado de Parkinson), ela antecipou que não tem mais condições de manter a assistência.

“Alguém tem que levar esse trabalho (realizado pela AST) em frente, porque eu não quero que pare. Podem até mudar o nome da entidade, mas o que não pode é abandonar os surdos, deixá-los sem amparo”, argumentou.

Atualmente, a AST atende a 84 surdos, que residem em Tatuí, Boituva, Capela do Alto e Itapetininga. Tili espera que a central na cidade possa continuar a oferecer assistência a todos, não restringindo a ajuda aos tatuianos.

De acordo com a presidente da associação, se a prestação de serviços for delimitada, muitos surdos ficarão desemparados. Tili afirmou que, fora Sorocaba, não há assistência em cidades do entorno. “O problema é que, em Sorocaba, só há cursos, não existe um trabalho voltado às orientações”.

Conforme ela, a diretriz em Sorocaba não envolve encaminhamento para advogados ou acompanhamento dos surdos a consultas, como em Tatuí. O projeto da CAS, entretanto, será diferenciado de ambos.

“Nós conversamos aqui (com a Prefeitura) para que haja direcionamentos, que é o que eu faço e que não vou mais poder fazer no ano que vem”, enfatizou.

Na AST, os surdos são acompanhados pela presidente toda vez que precisam acessar um serviço específico. Quando alguém está doente, solicita a colaboração da professora de Libras para ir ao médico.

As consultas são marcadas pela própria presidente, que acompanha os pacientes para auxiliar na comunicação com os profissionais.

Tili atende os surdos na própria casa. Ela improvisou um “canto” da residência para poder receber os deficientes auditivos e familiares. Em casos nos quais os pacientes não dispõem de condições financeiras para comprar os remédios receitados, a AST (na pessoa da presidente) acaba adquirindo os medicamentos.

A diferença do trabalho da AST para o da CAS é que a segunda não disponibilizará profissionais para acompanhar os surdos. Quando o serviço não puder ser prestado no paço municipal, os deficientes precisarão contar com a ajuda dos próprios familiares.

“Eles têm de ser desmamados. Alguém da casa tem que ir com eles, para que possam ganhar autonomia”, analisou a presidente.

Para os surdos, o novo sistema de atendimento será um desafio, na avaliação de Tili. Conforme ela, muitas famílias ainda não se sentem seguras para conseguir atender sozinhas aos parentes.

Tanto que, desde que iniciou a missão, a professora de Libras já auxiliou em diversos casos. Entre eles, o parto de uma mulher surda, realizado durante a madrugada.

“Ela estava com dores, gritando, a mãe não sabia nem o que falar. Acabou que elas foram à minha casa, para que eu prestasse auxílio”, descreveu.

Tili também colabora com o Judiciário, acompanhando detentos ou atuando na tradução em casos nos quais os surdos respondem a processos judiciais.

Contudo, a professora reafirmou que deve parar com o trabalho a partir do ano que vem. O mesmo deve acontecer com o curso de Libras – gratuito para os surdos. É por meio dele que Tili sustenta a entidade e a provisão de apoio. Além de acompanhamento, e da compra de remédios, a AST oferece alimentação.

“Alguns dos alunos pagam com alimentos. Então, quando recebemos duas cestas básicas, nós damos um jeito de fazermos virarem três, quatro. Tudo é dividido e utilizado para que possamos atender ao máximo de pessoas”, completou.

Autor do anteprojeto que deu origem à Central de Atendimento aos Surdos, o vereador Cardoso Júnior defendeu, na tribuna, a proposta. Em sessão extraordinária, ele apontou que o modelo de atendimento dará “dignidade” aos deficientes.

O parlamentar também mencionou o trabalho desenvolvido por Tili, que traduziu para os surdos as discussões dos vereadores. Ele ainda parabenizou a AST e disse que atuará para que a CAS se torne uma realidade.