Ameaça em escola de Tatuí: culpa de quem?

Entre os já incontáveis atentados ocorridos em escolas ao longo do planeta, o Brasil também não tem escapado a mais essa lástima da contemporaneidade.

Alguns casos, pelo desfecho trágico, ganharam inclusive repercussão internacional. Daí ser perfeitamente compreensível a apreensão diante de ameaças, com ou sem fundamento.

O episódio mais recente a ser concretizado no país envolveu uma estudante de 12 anos, esfaqueada por um colega na sala de aula, dia 22 de março, no Colégio Floresta, zona leste de São Paulo.

Um menino de 11 tentou defendê-la e acabou ferido também. O acusado da agressão, de 13 anos, justificou o ataque afirmando ser vítima de bullying na escola.

Segundo a Polícia Militar, a aluna foi golpeada pelo menos dez vezes, mas não chegou a correr risco de morte. O ataque aconteceu por volta das 11h20, no horário de troca de aula, quando não havia professor no local. Apreendido, o aluno suspeito acabou encaminhado à Fundação Casa.

Já na semana passada, Tatuí veio a registrar incidente de gravidade bem menor, embora não menos preocupante. O áudio de um aluno da Escola Estadual “Chico Pereira”, ameaçando matar colegas de classe, causou pânico na cidade. A mensagem circulou por meio do WhatsApp.

Diversos pais de alunos manifestaram-se pelas redes sociais, preocupados com a situação. “Pelo sim ou pelo não, prefiro manter meus filhos em casa nos próximos dias”, disse a mãe de um estudante em publicação.

“Como que a gente fica tranquila mandando o filho pra escola, sabendo que está acontecendo essas ameaças. Só Deus mesmo pra guardá-los”, diz outra mãe de aluno.

No áudio, o adolescente (que não teve a idade divulgada) não diz exatamente o que faria, mas afirma que “algo de ruim” iria acontecer com os estudantes que comparecessem às aulas nesta semana (de 25 a 29 de abril).

“Desta vez, eu não estou brincando, estou fazendo isso enquanto eu tenho controle, enquanto eu tenho sanidade. Eu recomendo vocês faltarem da escola na semana que vem. Se possível, falte a semana inteira ou escolha um dia e torça para ter sorte, porque algo de ruim vai acontecer”, afirma o adolescente no áudio.

No material, divulgado por meio de grupo da escola, o aluno diz que alguns estudantes sabem que ele sofre de problemas mentais e acrescenta: “Eu simplesmente aceitei que eu sou um doente mental e que eu não estou na terra para ajudar, e sim para matar”.

Em comunicado oficial, a direção da escola sustenta que o áudio e as diversas publicações que “incitam ao ódio, a violência, a agressividade são fatos isolados que não devem tirar a paz, o bom convívio e a boa relação entre escola, família e comunidade!”.

A direção acrescentou que “todas as providências estão sendo tomadas, com o devido rigor, com responsabilidade em todos os aspectos legais. O responsável está sendo cientificado da gravidade do áudio e deverá, no âmbito da Justiça, reparar danos causados”.

Em nota, a escola ainda informa estar à disposição para esclarecimentos oportunos, pelos telefones 3251-1545, 3205-2255 e 3205-2724.

Não seria razoável esperar nada muito diferente às manifestações e opiniões de sempre em seguida a casos como esses – tenham sido, infelizmente, concretizados ou permanecidos no campo das ameaças.

A primeira reação, óbvio, é proteger os filhos, impedindo-os de ir à escola até que se sinta segurança para tanto; a segunda atitude é a profusão de opiniões desencontradas sobre a motivação do problema.

Neste ponto, invariavelmente, já se coloca em primeiro plano o bullying como o maior – senão único – responsável pelos surtos de violência. Se sim ou não, certamente, depende de cada caso, cabendo aos profissionais da área de saúde mental a devida avaliação.

Contudo, independentemente de ser mesmo a provocação por colegas a causa do problema, ela seguirá como desculpa em todas as situações, tal como ela própria sempre existiu e nunca deixará de existir.

Ou seja, as crianças e jovens se provocam, brincam uns com os outros, “tiram sarro”, e quanto a isso pouco pode ser feito, salvo a devida atenção dos profissionais da Educação, que precisam de discernimento (e experiência na área) para saber quando devem intervir. E, certamente, na imensa maioria das vezes, eles o sabem.

Pode ocorrer, não obstante, de o aluno sofrer mesmo de algum distúrbio, ainda que contido, imperceptível. Nesta situação, sem possibilidade de prevenção, qualquer pequeno “sarro” pode ser suficiente para a eclosão do surto de ameaça – ou da própria violência.

Considerando, portanto, a possibilidade imprevisível de agressões, abre-se espaço às especulações acerca de mais causas potenciais de distúrbios. E, ainda pelo senso comum, aponta-se o videogame – quase tão “culpado” quanto o bullying pelo rápido e superficial julgamento do “debate público digital”.

Verdade que muitos profissionais – educadores, psicólogos, psiquiatras, outros tantos da área do direito e até da segurança pública – defendem a ideia de censura aos jogos eletrônicos.

E aqui, sem pretensão de qualquer sentença definitiva, caberia a decisão dos pais. Se cabe aos agentes da saúde mental avaliarem sobre eventual bullying, cabe somente aos pais acompanharem e decidirem sobre o que seus filhos podem “jogar”.

No mais, a se observar que, no mundo, bilhões de crianças e jovens têm videogame em casa, fosse esse instrumento tão letal à saúde mental, as escolas já teriam se tornado verdadeiros campos sangrentos de batalha há muito tempo.

Por sua vez, seria muito interessante para o futuro do Brasil – que estará justamente sobre as costas destas crianças e jovens de hoje – que todos raciocinassem sobre outras causas também potencialmente nocivas à formação dos estudantes.

Além de videogame e bullying, por exemplo, este país não estaria ainda mais prejudicado por outras questões, como a própria falta de um programa concreto e claro de educação?

O qual, aliás, poderia, sim, ser integrado por ações de suporte à saúde mental dos alunos, prejudicada ainda mais depois da pandemia e do isolamento em casa por quase dois anos?

Contudo, longe disto, o que se descobre, “de repente”, é que religiosos que nada têm a ver com o Ministério da Educação passeiam pelo país pedindo ouro a prefeitos para a liberação de verbas do governo…

Certamente, isso não ajuda em nada as crianças e jovens, da mesma maneira que não lhes é bom exemplo testemunhar um ex-ministro da “Educação” transportando revolver na cintura, o qual dispara “sem querer” em aeroporto… Nem que fosse o ministro da “Defesa” o absurdo seria aceitável, sequer compreensível…

Mas, como se não bastasse, seria comum esperar que crianças e jovens aprendessem – se “educassem” – estudando, “lendo”, mas aí, também “de repente”, vai a público que a Lei Rouanet, destinada à produção cultural (de Educação, por conseguinte) está tendo recurso destinado à edição de livro sobre arma de fogo…

Então, é o seguinte, não? Diante de tanto descalabro, de maus exemplos impensáveis até então, fica mesmo mais fácil culpar o videogame, o bullying e até as próprias crianças, como se elas não estivessem vivenciando e absorvendo esta realidade, marcada pela glorificação da violência, do ódio e (quem diria!) até da tortura ultimamente…

Pelo verdadeiro bem das famílias brasileiras, em cujo seio são criadas as futuras gerações, é vital o retorno da crença de que um país não se faz com escopetas, ofensas e mentiras, mas, como dizia Monteiro Lobato, com “homens (e mulheres, dignos e dignas) e livros (não de armas)”.