A minha história de Tatuí­





Nos primórdios do Brasil, no entorno do encontro dos rios Sorocaba e Tatuí, onde hoje é o distrito de Americana, havia tribos dos indígenas naturais desta região. Os exploradores do território brasileiro, os bandeirantes, andavam por todo o interior em busca de tesouros, constituindo também as bandeiras de preação, visando capturar os nativos, os índios para o trabalho e as índias para o acasalamento.

Os rios eram as estradas. Para chegar nesta região, os exploradores desciam o rio Tietê até o encontro com o rio Sorocaba, que subiam até a confluência com o rio Tatuí ou subiam o rio Sarapuí até o Guaxingu.

Com a preação, logo a região estava desocupada. No final do século 18, os frades arrendaram estas terras para dois sertanejos: Antônio Xavier de Freitas e Jeronymo Antônio Fiuza, que aqui se estabeleceram. Com uma procuração que lhes dava plenos poderes, transferiram o povoado de São João do Benfica para o local onde hoje é a área urbana de Tatuí, isso no início do século 19.

Nessa ocasião, uma ordem régia proibiu o corte de madeira a todos que não fossem empregados da Usina de São João de Ipanema, fundada em 1810, a primeira fábrica de ferro da América Latina. Com isto, muitos dos habitantes do entorno de Araçoiaba da Serra procuraram outros locais para a agricultura, aumentando o número dos primeiros povoadores de Tatuí.

Muitos dos trabalhadores da fábrica de ferro de Ipanema eram alemães, que se mudaram para diversos locais. O historiador Renato Camargo, em uma conversa, admitiu que o sotaque arrastado de Tatuí e até de Piracicaba poderia ser herança do “erre” gutural alemão.

Em 11 de agosto de 1826, com a presença de representantes da Vila de Nossa Senhora dos Prazeres de Itapetininga, demarcaram algumas das ruas da futura cidade, data que se considera como a da fundação, porém, há indícios de que, em 1822, Tatuí já era um distrito.

A documentação se deu através da divisão de terras do brigadeiro Manoel Rodrigues Jordão, um dos homens mais ricos e poderosos do Primeiro Império. Há, no entanto, algumas circunstâncias que me deixam dúvidas. O brigadeiro Jordão nunca esteve por aqui, na região do rio Tatuhy. Ele tinha uma fazenda no atual município de Limeira, às margens do rio Tatuhiby.

Em uma época em que só havia escrita manuscrita, as palavras Tatuhy e Tatuhiby, além de soar parecida, poderiam ser facilmente confundidas. Um notário dessa época, ao receber solicitação para a criação do povoado de Tatuhy, temeroso de desagradar homem tão poderoso, requisitou a assinatura do brigadeiro que, não tendo nenhum prejuízo, assinou rapidamente, pois não mexia com a sua fazenda de Tatuhiby, esta sim sua propriedade. Mas são apenas suposições.

O pequeno povoado desenvolveu-se e, em 1860, veio para Tatuí Martinho Guedes Pinto de Mello, um português empreendedor, que começou a importar sementes de algodão herbáceo dos Estados Unidos e as distribuiu aos agricultores locais. Ele dava as sementes, ensinava o plantio e dividia com os agricultores os lucros da produção.

Um de seus filhos, Manoel Guedes, decidiu implantar o que era o grande sonho de seu pai, então já falecido, uma tecelagem de algodão na cidade. A Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho, inaugurada em 1881, que transformou Tatuí na maior produtora do chamado “ouro branco” no sul do país.

A industrialização iniciada pela Fábrica São Martinho provocou significativas mudanças em Tatuí e na região, principalmente devido à chegada da Estrada de Ferro Sorocabana, que ligou a cidade ao resto do país. Manoel Guedes também instalou a Companhia de Força e Luz, que servia energia elétrica para Tatuí e às cidades de Conchas e Pereiras. Essa indústria, depois de longo período de declínio, fechou na década de 1980.

Por volta do centenário de Tatuí (1926), a cidade contava com centenas de estabelecimentos industriais (considerando-se fiação e tecelagens, ferreiros, fábricas de farinha, serrarias, carpintarias, olarias, fábricas de chapéus, macarrão, fósforos, sabão, torrefação de café, beneficiamento de cereais, etc.).

Era uma cidade rica. Um município que tudo produzia. O alimento que se consumia era quase todo produzido em Tatuí: arroz, feijão, carne, farinha, leite, queijos, aguardente, açúcar (mascavo)… Construíam-se prédios públicos imponentes, uma igreja destinada a ser catedral, sede de bispado, tamanho era o progresso.

As construções utilizavam materiais da cidade e região: tijolos, telhas, areia, pedras, madeiras, portas, janelas, ladrilhos… A cal vinha de Sorocaba e alguma ferragem, de outros locais, só isso. Não usavam cimento.

As vestimentas eram confeccionadas por costureiras e alfaiates da cidade. Os sapatos também eram feitos na cidade, com couro de gado aqui abatido e preparado nos curtumes tatuianos. O excedente era “exportado” para outros municípios, produzindo riquezas.

Mas o progresso foi interrompido. No início do século 20, a cidade rica dividiu-se em dois grupos políticos, provocando uma grande cisão que perdurou por muitos anos. De um lado, os partidários dos Guedes, e de outro, os do senador Laurindo Minhoto. Nessa mesma época, ocorreu o golpe de Getúlio Vargas, promovendo outro tipo de separação política na cidade. A própria população de Tatuí, que nos anos 1920 aproximava-se de 30 mil habitantes, reduziu, atingindo essa população somente por volta de 1950. Há que se considerar que nessa época desmembrou-se Porangaba, então pertencente à Tatuí, mas não foi só isso.

Aos trancos, a vida prosseguiu. Anos depois, nova divisão aconteceu, com os partidários de Olívio Junqueira e de João Baptista Lisboa. Todas essas cisões prejudicaram o desenvolvimento de Tatuí, como o caso da energia elétrica, sendo que algumas dessas consequências podem ser percebidas com a desindustrialização da cidade e com o grande número de bairros pouco estruturados e com aumento da população menos favorecida.

Na gestão do professor Paulo Ribeiro, a cidade foi pacificada e o progresso, lentamente, retornou. Mas, como um moto contínuo, neste início do século 21, quando parecia que estávamos em um processo de desenvolvimento, a cidade começou a voltar às rusgas e os grupos políticos deixaram de ser simplesmente adversários para se portar como inimigos, emperrando o progresso mais uma vez.

É necessário que exista equilíbrio na política municipal, com a visão no bem comum e não nos interesses particulares. As lições do passado são fortes e intensas. Se há desavenças, é preciso haver conciliação. Caso contrário, todos sairemos perdendo.