Mouzar Benedito *
“Alguma coisa acontece no meu coração, quando atravesso a Ipiranga com a avenida São João”, diz a música “Sampa”, de Caetano Veloso, que fez aquela esquina se tornar a mais famosa de São Paulo.
Como o centro de São Paulo está muito decadente, quem passa por lá hoje, não imagina como era gostoso andar por ali. São Paulo já era a grande metrópole brasileira, mas continuava tendo uma coisa bem interiorana: o footing, quer dizer, o hábito de ficar andando pra lá e pra cá na calçada, o que propiciava, além de um pouco das tradicionais paqueras, um monte de reencontros.
A área mais tradicional dessa caminhada à toa era nas avenidas São João e Ipiranga. Quando começava a escurecer, a região ia sendo ocupada por milhares e milhares de pessoas flanando, sozinhas ou em grupos. Quem vinha de fora, fazer compras ou passear, também não dispensava o passeio noturno pela região.
Para nós do interior e de outros estados, até mesmo do exterior, ir lá era certeza de encontrar algum conterrâneo que sempre tinha notícias frescas das nossas terras.
Pois justamente ali no coração dessa região havia dois restaurantes populares dos mais tradicionais de São Paulo. Tinham grandes balcões, altos, e não havia cadeiras. Comia-se em pé, no balcão. Eram a Salada Record, na São João, e Salada Paulista, na Ipiranga, os dois com cardápio semelhante, como o risoto de frango e a salada de batata com salsicha, o prato mais pedido à noite.
Na hora do almoço, era uma procura danada, havia relativamente poucos restaurantes. Formavam-se filas atrás de cada pessoa que almoçava em pé, no balcão da Salada Record. Eu mesmo atribuo meu hábito de comer rápido demais ao fato de ficar incomodado quando comia, com gente atrás esperando eu sair.
Mas voltando ao início desta história, pagava-se sempre em dinheiro vivo, e na Salada Record os garçons não ficavam com a gorjeta, que era toda colocada numa caixinha de sapato e depois distribuída igualitariamente a garçons e cozinheiros.
Então, quando a gente deixava uma gorjetinha para o garçom, ele a colocava na caixinha, gritando:
— Caixinha!
E todos os garçons respondiam alto e em coro:
— Obrigado!
Era uma festa. Eu me divertia ouvindo.
E foi assim que a palavra “caixinha”, se tornou sinônimo de gorjeta para balconista de boteco.
* Escritor, geógrafo e contador de causos
Livros do Mouzar Benedito pelas editoras Boitempo, Limiar e Terra Redonda.
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