Mouzar Benedito *
Vindo da zona rural, Joaquim Abílio comprou um armazém no bairro do Lava-Pés, em Nova Resende, minha terra. O bairro tem este nome porque quando surgiu, os roceiros não gostavam de andar calçados.
Quando iam pra cidade, levavam as botinas num embornal e paravam ali pra lavar os pés, calçar as botinas e entrar na cidade devidamente paramentados com aquele verdadeiro instrumento de tortura que eram os botinões duros.
O armazém dele tinha de tudo, tanto que o meu amigo Luizinho e eu o chamávamos de Shopping Center Joaquim Abílio. Mas o que me atraía mais para ir lá tomar uma cachacinha e uma cerveja era um bom papo com ele. Ótimo sujeito.
Comerciante bem-sucedido, sobrou dinheiro pra ele comprar uma perua Rural Willys. De vez em quando alguém contratava o seu Joaquim pra fazer uma pequena viagem e precisava ter paciência: ele dirigia devagar demais. Demorava muito pra chegar a qualquer lugar.
Uma vez, um bando de rapazes que morava em Campinas foi passar o Carnaval em Nova Resende e contratou o seu Joaquim para levar a turma de volta, na Quarta-Feira de Cinzas.
Eles começavam a trabalhar só a uma hora da tarde. Saíram às 6h da manhã, com intenção de chegar bem antes das 10h, pois a distância entre Nova Resende e Campinas é de 250 quilômetros.
Sonolentos, sem dormir nada de terça pra quarta-feira, todos os rapazes, que tinham ficado na gandaia a noite toda, puxaram um cochilo enquanto o seu Joaquim dirigia.
O primeiro trecho era de estrada de terra e ele ia bem devagarzinho, cuidadoso. Acharam normal. Já esperavam isso.
Aí, pegaram o asfalto, mas a velocidade era a mesma. Um dos passageiros, o Maurício lembra-se que perto de São José do Rio Pardo, acordou um pouquinho e havia um caminhão velho, vagaroso, carregado de galinhas, na frente deles. Dormiu de novo, acordou bastante tempo depois, e eles continuavam atrás daquele caminhão.
Chegaram em Campinas às duas horas da tarde. Foram oito horas de viagem. E o chefe do Maurício cumpriu a ameaça: ele dizia que era muita moleza começar a trabalhar à uma da tarde, então quem chegasse atrasado seria demitido.
No dia seguinte, o Maurício procurava emprego. Achou outro melhor do que o que tinha antes e deu vivas à vagareza do Joaquim Abílio.
* Escritor, geógrafo e contador de causos.
Livros do Mouzar Benedito pelas editoras Boitempo, Limiar e Terra Redonda.
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