Da reportagem
O número de ocorrências de violência doméstica em Tatuí atendidas pelo programa Patrulha da Paz, mantido pela Guarda Civil Municipal (GCM) em parceria com o Núcleo de Justiça Restaurativa (JR), por meio de convênio com a prefeitura, aumentou 29,57% nos doze meses deste ano em relação ao mesmo período do ano passado.
A estatística considera o mais recente informativo divulgado pela corporação, datado do dia 5 deste mês. De acordo com o levantamento da GCM, nos dois semestres do ano passado, o cadastro das vítimas socorridas pelo serviço, especializado no atendimento e na proteção das vítimas de violência doméstica, contava com 71 casos e 60 prisões.
Por sua vez, no mesmo período deste ano, o número chegou a 92, com 50 encarceramentos. Atualmente, 207 pessoas são assistidas pelo programa. Em 2021 foram 205.
Além de mulheres que sofrem agressões ou se sentem ameaçadas pelos companheiros em relacionamentos heterossexuais, também estão cadastradas crianças vítimas de abuso, idosos vítimas de violência física no âmbito doméstico e casais homossexuais.
O comandante da GCM, Vanderlei dos Passos, apontou que o número de prisões neste ano caiu 16,66%, mesmo com o aumento número das ocorrências.
Para ele, a partir do surgimento do programa Patrulha da Paz e das divulgações, as vítimas de violência doméstica foram encorajadas a denunciar os agressores sobre casos que, muitas vezes, já vinham acontecendo.
“Com a Patrulha da Paz, temos um cadastro e, consequentemente, há mais casos sendo acompanhados. Isso não quer dizer que houve aumento da violência; pelo contrário, mostra que aumentou o acompanhamento das vítimas”, afirmou Passos.
O comandante citou as reportagens de O Progresso de Tatuí. “Com as notícias sendo veiculadas, muitas pessoas que não conheciam o programa agora têm noção e informam os amigos e conhecidos. Isso ajuda – e muito – o nosso trabalho e também inibe o agressor, que pensa duas vezes antes de realizar o ato”, destacou.
Segundo o balanço, nas ocorrências em que o agressor não estava mais no local, a vítima é encaminhada para a elaboração de boletim de ocorrência na GCM e na Justiça Restaurativa (JR).
Passos mencionou que a Patrulha da Paz conta com rondas específicas, além de suporte aos programas sociais já existentes no Creas (Centro de Referência Especializado de Assistência Social), na Justiça Restaurativa, na Polícia Civil, no CMDM (Conselho Municipal dos Direitos da Mulher), no Caps (Centro de Atenção Psicossocial) e no Cras (Centro de Referência da Assistência Social).
A equipe da Patrulha da Paz começou trabalhando com quatro viaturas próprias, mantidas através do Poder Judiciário, que, a cada três meses, faz uma doação para a manutenção delas. “Além disso, o efetivo é composto por quatro homens e quatro mulheres. As rondas são feitas sempre em pares”, explica.
Conforme o comandante, todas as famílias cadastradas no programa recebem visitas de viaturas do programa e são assistidas por uma equipe especializada, por meio da JR.
Com o programa, a partir das notificações de violência junto ao Judiciário e da emissão das medidas protetivas, é feito um cadastro da vítima e do agressor, e os guardas que atuam na patrulha passam a fiscalizar eventuais descumprimentos das ordens expedidas.
Entre as principais medidas protetivas urgentes estabelecidas pela Lei Maria da Penha, estão o afastamento do agressor do lar ou local de convivência com a vítima e as proibições de contato e aproximação entre vítima e agressor.
Passos alertou que, caso a vítima volte com o agressor sem comunicar a corporação e a JR, ela perde de imediato o direito à medida protetiva. “Infelizmente, isso acontece com frequência. Quebra-se uma regra. Já as demais medidas continuam funcionando normalmente”, pontou.
De 28 de novembro ao dia 4 deste mês, foram registrados cinco casos de violência doméstica. No centro, por exemplo, ocorreu uma ocorrência doméstica na qual o ex-marido fez ameaças psicológicas à ex-esposa, durante discussões por conta de ciúmes, vez que a vítima vira no celular do agressor contatos de outras mulheres. Ela acionou a GCM, foi socorrida e o indiciado ficou à disposição da justiça.
Outro caso de ameaça psicológica também aconteceu na região central, quando a ex-mulher acionou a GCM dizendo que o ex-marido estava indo à casa dela e continuava dormindo lá.
Ela então decidiu passar uns dias na casa de uma amiga, com o filho. Ao retornar à residência, novamente o ex-marido estava lá, dizendo que não iria embora. Com as discussões, houve quebra de móveis. Quando a equipe chegou, o ex-cônjuge não estava mais no local.
No bairro Jardim Junqueira, uma mãe acionou a GCM, denunciando que o marido havia agredido fisicamente o filho de cinco meses de idade.
Segundo o boletim de ocorrência, a mãe afirmou que, após dar banho no bebê, foi fazer a mamadeira, enquanto o cônjuge estava com o neném no colo, que começou a “chorar demasiadamente”. Três horas depois, ela foi dar outro banho na criança e viu hematomas nela.
A mãe e o bebê foram levados para o pronto socorro, onde foi feita a perícia por um médico. Com o laudo em mãos, eles acabaram conduzidos até a Delegacia Policial. Após o registro doo BO, ela solicitou medida protetiva.
Já no bairro Santa Luzia, uma vítima acionou a GCM através do “Botão do Pânico”, em razão de o ex-marido tê-la agredido e quebrado mobílias da residência.
A viatura da Patrulha da Paz foi ao local, onde localizou o agressor e levou-o preso por violência doméstica. A mulher foi levada à unidade de pronto atendimento (UPA), onde passou pelos primeiros socorros.
No bairro Pacaembu 3, um marido agrediu a esposa após ela tentar impedi-lo de sair de casa. Ao chegar no local, a equipe da GCM entrou na residência, que estava com a porta aberta, e questionou o que estava acontecendo.
A vítima disse estar desesperada, pedindo socorro e querendo “sumir da casa”. Diante dos fatos, o casal foi encaminhado ao pronto-socorro, onde a vítima passou por exame médico, cujo laudo constatou lesões. O agressor foi encaminhado ao DP e preso em flagrante, ficando à disposição da Justiça.
Botão do Pânico
A guarda civil municipal Érica Vieira falou sobre o surgimento do “Botão do Pânico”. Enquanto estudava na Faculdade de Tecnologia de Tatuí (Fatec), ela trabalhou na elaboração da ferramenta, que também faz parte do atendimento especializado às vítimas de violência doméstica e que auxilia as vítimas atendidas pelo programa.
“O Botão do Pânico foi desenvolvido com o propósito de atender uma demanda da GCM, de pessoas que tivessem a necessidade de usá-lo de maneira rápida”, explicou Érica. Até este momento, o dispositivo foi acionado mais de 200 vezes.
A ferramenta é instalada no celular da vítima e, caso o agressor não mantenha a distância mínima garantida pela Lei Maria da Penha ou a pessoa se sinta ameaçada, ela pode acionar a GCM pelo aparelho móvel.
Para usar o aplicativo, a interessada deve fazer cadastro a partir de atendimento na Justiça Restaurativa. A GCM é responsável pela instalação do aplicativo no dispositivo da vítima e, com isso, a Patrulha da Paz passa a receber as eventuais chamadas de emergência.
O Botão de Pânico gera automaticamente uma ocorrência de risco à integridade física, direcionada ao centro de operações da GCM. O atendimento é priorizado e a corporação utiliza as coordenadas geográficas da pessoa (entre outros dados do cadastro) para encaminhar a equipe policial mais próxima.
“A vítima aperta o botão e, imediatamente, aciona a GCM. Como os agentes já têm todos os dados em mãos, a viatura chega muito mais rápido no local da ocorrência, o que facilita muito o trabalho da Patrulha e dá mais segurança à vítima”, explicou a guarda civil.
O programa foi lançado em fevereiro de 2020, contudo, devido à pandemia, o início do cadastro das vítimas atrasou e a GCM precisou replanejar as ações junto com a JR, começando o trabalho em junho de 2020.
“O período de confinamento gerou ruídos nas relações e os aumentos de casos de violência doméstica foram fato. A Patrulha da Paz chegou no momento certo”, mencionou.
Entre as principais medidas protetivas urgentes estabelecidas pela Lei Maria da Penha, estão o afastamento do agressor do lar ou local de convivência com a vítima e as proibições de contato e aproximação entre vítima e agressor.
De acordo com Érica, grande parte das mulheres que sofrem violência doméstica entra em depressão. “O trabalho de acompanhamento da vítima é fundamental, já que o ocorrido influencia a família, principalmente os filhos, caso haja. É uma tarefa delicada e que requer parcimônia”, defendeu.
Ela também acentua que a divulgação tem feito com que o programa ganhe maior dimensão no município, fazendo com que a característica de atendimento à mulher mudasse e a violência doméstica, também.
“Antigamente, a figura da mulher é que imperava. Hoje, há idosos e homossexuais que também sofrem violência e são atendidos pelo programa”, mencionou.
Antes da iniciativa, as pessoas que mais precisavam de ajuda acabavam não sendo atendidas. “Elas iam para a casa desoladas e impotentes. Hoje, elas têm voz”, frisou.
Passos ainda lembrou que diversos municípios do estado paulista procuram a GCM de Tatuí para entender como é o funcionamento do programa.
“Estivemos em Barueri, onde apresentamos a Patrulha da Paz e a secretaria de segurança pública de lá gostou do projeto e o viu como uma ferramenta relevante no combate à violência doméstica na cidade. Boituva e Laranjal Paulista, por exemplo, também aprovaram e, a longo prazo, pretendem implantá-lo”, explanou.
O comandante, destacou o papel da UPA (unidade de pronto atendimento), que atua em parceria com o programa. “Ela nos dá o respaldo médico quando levamos as vítimas e os agressores para exames e internações. Lá, são elaborados laudos que explicam detalhadamente caso a caso, para que tudo esteja bem explicado, sem margem para dúvidas”, finalizou.
O juiz da Vara da Infância e Juventude e do Juizado Especial Cível e Criminal, Marcelo Nalesso Salmaso, pontua que a violência doméstica sempre existiu “em razão da cultura patriarcal e machista”.
“Antigamente, isso era algo abafado, que ficava escondido dos holofotes. Agora, as mulheres estão se empoderando, não toleram mais esta ideia e estão se encorajando para denunciar as questões envolvendo violência”, enfatizou.
Ele parabenizou o jornal O Progresso de Tatuí pelo trabalho feito na divulgação da Patrulha da Paz. “As questões de violência estão sendo enfrentadas. Algo impensável lá atrás. Quanto mais o programa for disseminado, mais força terá. O papel da imprensa é fundamental para isso, e congratulo O Progresso e demais veículos de comunicação por prestarem este trabalho à sociedade”, salientou.
Segundo o juiz, o resultado da Patrulha da Paz tem sido excelente, tanto na proteção efetiva à mulher vítima de violência doméstica quanto na amplificação da boa imagem e legitimidade da GCM junto à sociedade.
“O cuidado com que o programa tem para com a vítima é um dos pontos altos dele. É um tratamento humanizado, essencial neste cenário de violência doméstica”, acentua.
“A atuação tem sido muito efetiva, e o programa precisa ser cada vez mais fortalecido”, defendeu o juiz. Para ele, quanto mais pessoas estiverem no efetivo, mais eficazes serão os trabalhos.
Salmaso lembrou que, no final de 2017, foi assinado o termo de cooperação entre a prefeitura e o Tribunal de Justiça de São Paulo, constituindo formalmente o Núcleo de Justiça Restaurativa.
“Foi algo pioneiro no estado de São Paulo, e Tatuí passou a ser uma referência para outros municípios, sendo, hoje, uma vitrine não só para o Brasil, mas também para o mundo”, afirmou o magistrado.
Para Salmaso, a JR é “uma mudança de paradigmas de convivência social, que envolve toda a sociedade para a superação do antigo paradigma que diz respeito ao individualismo, consumismo e exclusão”.
“Isso alimenta a guerra de todos contra todos para a construção da convivência que foca nas relações, nas diretrizes das necessidades, da reparação de danos, da tolerância, do diálogo e da construção de responsabilidades individuais e, ao mesmo tempo, de corresponsabilidades coletivas”, complementou o juiz.
A JR, conforme seu programa, “deve envolver todos os setores da sociedade, como uma anfitriã, que recebe todos da comunidade para que, cada qual com sua visão de mundo e com a sua história, almeje caminhos de convivência que sejam razoáveis de forma integral e que não exclua ninguém”.
“O juiz, por exemplo, faz parte da comunidade em que atua e, ao estar na proposta da Justiça Restaurativa, ele não está na sua função jurisdicional comum e, sim, passa a ser um gestor de um projeto em parceria com os demais setores da sociedade”, acrescentou Salmaso.
“Temos o Poder Executivo, o Judiciário, o Legislativo, a sociedade civil organizada, a Polícia Militar, autoridades civis, todos juntos dialogando e alinhando em prol do bem comum, e isso é de grande importância para fortificar as ações do programa”, frisou o juiz.
O Núcleo de Justiça Restaurativa promoveu capacitação para todos os guardas municipais (mais de 150 homens e mulheres) com um curso de qualificação que abordou os temas “Justiça Restaurativa”, “cultura de paz” e “violência doméstica”.
As denúncias podem ser feitas na Central de Atendimento à Mulher, pelo ligue 180. Em Tatuí, há a Rede de Apoio à Mulher Vítima de Violência: Delegacia de Defesa da Mulher, situada na praça da Bandeira, 53, centro, telefone (15) 3305-6619; Creas (Centro de Referência Especializado de Assistência Social), na rua 13 de Fevereiro, 396, centro, telefone (15) 3259-0704; Núcleo da Justiça Restaurativa, na praça Paulo Setúbal, 71, centro, telefones (15) 3305-1530 e (15) 99629-8316; e a Patrulha da Paz, da Guarda Civil Municipal, na rua Chiquinha Rodrigues, 991, vila Doutor Laurindo, telefones (15) 3251-2849 ou 199/153.