Da reportagem
Durante a abertura da 80ª Semana Paulo Setúbal, dia 1º, segunda-feira, o juiz da Vara da Infância e Juventude e do Juizado Especial Cível e Criminal da Comarca de Tatuí, Marcelo Nalesso Salmaso, convidado a falar, reforçou a importância e detalhou as ações promovidas pelo Núcleo de Justiça Restaurativa (JR) em Tatuí.
Durante a cerimônia, no Museu Histórico “Paulo Setúbal”, também houve o lançamento do livro “Botão do Pânico”, do editor do jornal O Progresso de Tatuí, Ivan Camargo, que trata, em um de seus textos, sobre a Patrulha da Paz em Tatuí, vinculada ao trabalho da JR.
Salmaso lembrou que, no final de 2017, foi assinado o termo de cooperação entre a prefeitura e o Tribunal de Justiça de São Paulo, constituindo formalmente o Núcleo de Justiça Restaurativa.
“Foi algo pioneiro no estado de São Paulo, e Tatuí passou a ser uma referência para outros municípios, sendo, hoje, uma vitrine não só para o Brasil, mas também para o mundo”, afirmou o magistrado.
Segundo o juiz, a principal característica do projeto realizado na cidade é o fato de não ser utilizado apenas como uma técnica de resolução de conflitos, mas como um instrumento de transformação social.
“A JR surge como um contraponto à concepção tradicional da Justiça criminal, propondo um novo paradigma na definição de crime e dos objetivos da Justiça”, ressaltou.
Nessa perspectiva, entende-se o crime como violação à pessoa e às relações interpessoais, e o papel da Justiça deve ser o da reparação dos danos causados não somente à vítima, mas também à sociedade.
“A JR é uma mudança de convivência social, que envolve toda a sociedade para a superação do antigo paradigma que diz respeito ao individualismo, ao consumismo e à exclusão”, pontuou.
“A JR vai muito além de um método de resolução de conflitos. Nela, há um leque de métodos de resoluções, como o círculo de construção de paz”, acrescentou o juiz.
“Isso fomenta a construção da convivência, que foca nas relações, nas diretrizes das necessidades, da reparação de danos, da tolerância, do diálogo e da construção de responsabilidades individuais e, ao mesmo tempo, de corresponsabilidades coletivas. Ou seja, uma sociedade pautada pela cooperação e pelo cuidado”, frisou Salmaso.
A JR, como pretende ser um instrumento de transformação social, convida a comunidade, a partir de pessoas de todos os setores, a participar de suas ações e, por meio delas, venha cada vez mais a entender quais as responsabilidades de cada um na sociedade.
“Caracterizo isso como a lógica de cuidado, consigo, com o outro e com o meio ambiente”, salientou o magistrado. “Quando as pessoas cuidam, elas tendem a causar menos danos de uma forma geral no ambiente em que são inseridas.”, complementou.
Para ele, a JR deve envolver todos os setores da sociedade como uma “anfitriã”, que cada qual “com sua visão de mundo e sua história”, almejando “caminhos de convivência que sejam razoáveis de forma integral e que não excluam ninguém”.
“O juiz, por exemplo, faz parte da comunidade em que atua e, ao estar na proposta da Justiça Restaurativa, ele não está na sua função jurisdicional comum e, sim, passa a ser um gestor de um projeto em parceria com os demais setores da sociedade”, explicou.
“Temos o Poder Executivo, o Judiciário, o Legislativo, a sociedade civil organizada, a Polícia Militar, autoridades civis, todos juntos dialogando e alinhando em prol do bem comum, e isso é de grande importância para fortificar as ações do programa”, defendeu.
O juiz destacou que a JR promovera capacitação para todos os guardas municipais (mais de 150 homens e mulheres) com um curso de qualificação abordando os temas “Justiça Restaurativa”, “cultura de paz” e “violência doméstica”.
De acordo com o juiz, a violência doméstica sempre existiu em razão da cultura patriarcal e machista. “Antigamente, isso era algo abafado, que ficava escondido dos holofotes. Agora, as mulheres estão se empoderando, não toleram mais esta ideia e estão se encorajando para denunciar as questões envolvendo violência”.
Para Salmaso, o resultado da Patrulha da Paz em Tatuí tem sido excelente, tanto na questão da proteção efetiva à mulher vítima de violência doméstica quanto na amplificação da boa imagem e da legitimidade da GCM junto à sociedade.
“A atuação tem sido muito efetiva, e o programa precisa ser cada vez mais fortalecido”, defendeu Salmaso. Para ele, quanto mais pessoas estiverem no efetivo, mais eficazes serão os trabalhos.
O magistrado lembrou que “todos são seres complexos, multidimensionais, frutos das influências, das suas histórias e relações, porque são seres relacionais”. Isso, contudo, não os exime de suas responsabilidades pelas decisões “Tudo isso se constrói a partir da nossa história, de tudo aquilo que recebemos neste contexto inter-relacional em que estamos envolvidos”, mencionou.
“A JR está de portas abertas a toda a comunidade, não só para que participe de suas práticas, e sim, que venha com suas próprias atividades, para que se sinta pertencente ao espaço”, convida o juiz.
Como exemplo, Salmaso lembrou que a JR já realizara ensaios de hip hop, de grupos de teatro e reuniões das promotoras legais populares, entre outras ações.