Da reportagem
No sábado, 30, das 15h às 19h, acontece o primeiro “Festival Vozes da São Martinho”, na rua Nhonhô da Botica, em frente à sede do antigo complexo fabril.
Segundo os organizadores, o evento contará com apresentações artísticas, adoção de animais, acolhimento psicológico, comes e bebes, bazar e artesanato.
Haverá, também, coleta de informações com o objetivo de “resgatar as memórias do local”, com fotos, depoimentos de ex-funcionários e pessoas que residem ou moraram nos arredores do complexo. Para isso, foi criado o Coletivo Vozes da São Martinho.
De acordo com a arquiteta e urbanista Maíra de Camargo Barros, o coletivo foi fundado em maio de 2021 por diversos agentes da sociedade civil, como professores, artistas, arquitetos, estudantes, entidades e escolas do município e demais interessados no tema da preservação.
“As pessoas se uniram de maneira espontânea e informal no intuito de iniciar um processo de escuta e registro das memórias afetivas acerca da fábrica São Martinho”, lembra ela.
Maíra estuda o complexo têxtil há mais de dez anos. Suas pesquisas resultaram no livro “Fábrica São Martinho: Do Protagonismo Familiar ao Patrimônio Cultural”, lançado em abril deste ano.
Para a arquiteta, a medida visa “salvaguardar parte importante da história de Tatuí” e, com isso, contribuir com o processo de tombamento federal, aberto em 2019, por iniciativa do vereador Eduardo Sallum (PT).
Maíra lembrou que, atualmente, a Companhia Têxtil São Martinho é tombada pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat), desde 2007, a partir de solicitação da arquiteta tatuiana Ana Villanueva.
Na esfera federal, o tombamento foi solicitado ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphaan) em 2019, e está em estudo, com processo aberto.
De acordo com a socióloga Sônia Regina Rampim Florêncio, a Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho, inaugurada em 1881, está em processo de tombamento federal graças ao movimento que tem sido feito pela sociedade civil, “que se mobilizou e pediu ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) que o processo de fosse iniciado”.
Para ela, o complexo São Martinho “não pode se tornar um lugar no qual poucas pessoas tenham acesso e, sim, que seja do povo”. Sônia acrescentou ser necessário pensar em usos do espaço por toda a população, e não em um tombamento para a utilização particular.
“Quando falamos sobre a fábrica São Martinho, grande parte da população tem uma relação de afetividade e de memória, pois teve parentes que trabalharam lá, lembra da importância que ela teve na cidade durante o tempo em que funcionava”, pontua Sônia.
A O Progresso de Tatuí, a funcionária pública da Escola Técnica Estadual (Etec) “Sales Gomes” Maria Cristina Ferrarezi de Sales, que entrou para trabalhar como auxiliar de tecelagem na fábrica, em 1º de fevereiro de 1980, contou que tem um carinho enorme pelo que o complexo representou na vida dela.
“Foi o meu primeiro emprego. Minhas três irmãs já trabalhavam lá, na época. Era um serviço puxado, mas, hoje, me recordo com carinho daquele tempo, pois fizemos parte da história da fábrica”, relata.
Segundo Maria Cristina, durante o tempo em que trabalhou no complexo, fez novas amizades e ganhou conhecimento. “Muito me honra poder falar que fui funcionária da fábrica, que agregou coisas boas na minha vida”, destaca.
Maria Cristina passou por vários setores: após ser auxiliar de tecelagem, foi para o departamento das passadeiras, que fazia o algodão se transformar em fibra.
Tempo depois, seguiu para a sala das maçaroqueiras, que tinha a função de reduzir a embalagem de material, estirar a fita, afinar o produto e paralelizar ainda mais as fibras e aplicar uma pré-torção.
Na sala de panos, que era a parte finalizadora, na qual os panos se transformavam em sacos, Maria Cristina também trabalhou. “Os sacos iam para as indústrias que ensacavam farinha de trigo”, lembra.
A ex-funcionária se diz preocupada com a deterioração do prédio da fábrica. “Dá dó ver o estado em que a fábrica se encontra. Quando passo e vejo as palmeiras-imperiais no pátio, vêm as lembranças do passado e, ao mesmo tempo, uma melancolia ao ver o complexo. Espero que o relógio da torre volte a funcionar e o sino, a badalar”, pontua Maria Cristina.
Para ela, o trabalho idealizado pelo coletivo é louvável, pois “dá voz a quem vivenciou os anos de ouro da fábrica e faz com que a memória não seja esquecida pelos tatuianos”. “Fico muito feliz de fazer parte deste projeto e me envolver com uma parte importante da minha vida”, frisa Maria Cristina.
Questionada no que gostaria que a fábrica se transformasse, Maria Cristina disse sonhar em ver o complexo se tornando um espaço cultural, que abrangesse as histórias do município e do Brasil e focasse, principalmente, no público jovem, com atividades diárias e de inclusão.