Quando se vai ao “extremo” para qualificar a parcela identificada como maior responsável pela guinada aos princípios reacionários a dar esse sufocante abraço de urso no país nestes anos recentes, busca-se retratá-la como uma “elite”, formada, essencialmente, por pessoas brancas, do sexo masculino e heterossexuais.
Por alguma razão que ninguém ainda conseguiu explicar, seriam essas figuras mais patriotas, comprometidas com a chamada família tradicional e com os valores cristãos – além de mais honestas, inteligentes e capazes em tudo.
Obviamente isto só é mais uma grande “fake news” do deturpado senso comum, simplesmente porque honestidade, educação, competência e boa intenção podem ser atributos de qualquer um, em total indiferença a cor de pele, condição social e sexo(ou sexualidade).
Afora essa fixação em frenesi pela “identidade de gênero” alheia – que não merece nem ponderações a respeito por dizer muito sobre questões íntimas de quem julga e nada quanto à vida pública -, a gororoba saudosista merece ser observada com seriedade, pois em boa parte servida com temperos e ingredientes de um passado azedo, indigesto.
Antes, contudo, é fundamental lembrar que o tal conservadorismo não é negativo, podendo ser bem o avesso disto em muitos aspectos.
Ser conservador pode implicar em respeito à história e a valores e patrimônios tradicionais, educação primária e, em âmbito político, menos interferência do estado na administração pública -entre outras tantas premissas.
A divergência de convicções quanto a tudo que seria melhor para a cidade, o país e o mundo tem de não apenas ser respeitada, mas estimulada, dado ser um dos maiores sustentáculos da democracia.
E aqui começa o problema! Dentro de um grande grupo, há um menor, o qual tem se utilizado dos direitos de expressão garantidos pela democracia para – ironicamente – tentar acabar justamente com essa democracia.
Mas, esta prática tão explícita quanto rasteira, já é de pleno domínio público – convenhamos… Neste ponto, aliás, já não há motivo para se questionar “se” há essa intenção, mas, sim, “quem” a segue apoiando.
Entre vários desastres resultantes desse movimento sectário (além do fetiche por ditadura), um deles parece estar se despontando, a partir do recrudescimento da violência contra as mulheres. Esta realidade também é indisfarçável, tal o fortalecido ímpeto dos “machões heterossexuais” sobre o que pensam ser propriedade deles: “suas” mulheres.
E podem perguntar o que uma coisa tem a ver com a outra. No que cabe a questão: seria coincidência que, no mesmo acelerado passo em que se quer voltar ao passado, onde “lugar de mulher era no tanque e na cozinha” (por essa visão “conservadora”), têm aumentado os registros de violência contra mulheres em todo o país?
Não deixa de ser muito similar, também, a agressão a uma mulher à tortura de qualquer ser humano, por ambas significarem o uso injustificado e desproporcional da força sobre quem não pode se defender.
Ainda, esse apreço todo pelo passado – travestido de amor à pátria, à família e à propriedade – realmente não seria porque muito machão coça os dedos freneticamente no gatilho de tanta saudade do tempo em que se podia bater em mulher sem maiores consequências, além de espancar homossexuais e ser racista sem medo de processo?
Então, nesta espécie de limbo democrático, mofado sistematicamente com arrotos autoritários de um passado amargo,fica outra suspeita: estariam os nazimachões sendo estimulados a perder o medo de enfiar a mão na cara das mulheres, já acreditando que “vai ter golpe”?
Talvez, já crentes de que, por exemplo, em breve, Maria da Penha será execrada e lembrada também somente como mais uma maldosa “comunista”. Será?
São dúvidas, apenas. Não obstante, há certezas,como a do aumento de casos. E, por sua vez, a cidade não escapa à triste regra.Neste meio de semana, o jornal O Progresso de Tatuí noticiou a respeito.
Conforme mostrou a reportagem, as investigações relacionadas à violência doméstica tiveram salto de 163,33% em setembro deste ano, na comparação com o mesmo mês do ano passado. Os dados são do relatório mais recente da Secretaria de Segurança Pública do estado de São Paulo.
De acordo com as estatísticas divulgadas pelo órgão de segurança, a Delegacia de Defesa da Mulher local instaurou 11 inquéritos por violência doméstica em setembro do ano passado e, neste, 29.
Em contrapartida, as prisões efetuadas no mesmo mês baixaram de cinco, em 2020, para quatro, em 2021 – mesmo número de flagrantes realizados no nono mês dos dois anos.
O levantamento da SSP ainda aponta que as denúncias de violência doméstica tiveram queda em Tatuí nos nove primeiros meses deste ano, na comparação com o mesmo período de 2020.
Segundo as estatísticas, a DDM local instaurou 569 inquéritos por violência doméstica de janeiro a setembro do ano passado. Já em 2021, foram 224 denúncias a menos, totalizando 345, o que representa redução de 39,36%.
Já o número de flagrantes caiu 25,75% no mesmo período, passando de 66, em 2020, para 49, nos nove meses deste ano, enquanto as prisões tiveram queda de 22,88%, passando de 57 para 44 no período.
Na comparação entre os nove primeiros meses de 2019 e 2020, período que coincide com o início da quarentena, os casos de violência contra as mulheres aumentaram.
Segundo as estatísticas da SSP, houve aumento de 23,69% no número de inquéritos instaurados entre os nove primeiros meses, passando de 460 para 569. O caso mais recente ocorrido em Tatuí foi o feminicídio envolvendo uma dona de casa de 43 anos, moradora da vila Primavera.
Para a Secretaria Municipal de Segurança e Mobilidade Urbana, o isolamento social foi um dos fatores que contribuíram para o aumento dos índices de violência doméstica em 2020. Já neste ano, mesmo ainda em quarentena, as medidas são menos restritivas.
Por tudo exposto, é indiscutivelmente oportuna a criação de uma casa de acolhimento às mulheres vítimas de violência em Tatuí. De iniciativa da Câmara Municipal, o projeto justifica que as tatuianas poderiam“contar com serviços de orientação jurídica e psicológica, além de capacitação profissional, serviços de acolhimento, inclusão e atendimento, com enfoque multissetorial”.
O Progresso de Tatuí apoia incondicionalmente a estruturação desse abrigo destinado às tatuianas agredidas pelos covardes machões.
Ainda lembra que Tatuí e este país não precisam esquecer o passado – jamais! Contudo, não para revivê-lo em seu pior, e sim para salvaguardar suas histórias e aprendizados, tal como para abominar e nunca se esquecer de seus aspectos tenebrosos.