Henrique Autran Dourado
Sou leitor compulsivo de jornais. Pela manhã, dois nacionais, além de passar os olhos no The Guardian, NY Times e Le Monde – fora, claro, quando há edição de O Progresso, de Tatuí. Assim, procuro me informar acerca do que acontece aqui, no país e na cena internacional, e como o Brasil se insere nela. Ano e meio para cá, um olho na pandemia, o que não me faz um especialista, a área não é da minha formação de doutor: sou mero pesquisador de outro campo – mas com o mesmo rigor – em busca de notícias e pesquisas abalizadas de publicações como a Science e o New England Journal of Medicine. A doença avançou, e por contado descaso negativista, muito além do que deveria – mas a ciência corre em velocidade inédita na pesquisa e produção de vacinas.
Como muitos, protejo-me, isolo-me, prefiro o delivery e uso máscara sempre que vou à rua; uso o álcool em gel, evito aglomerações e mantenho o distanciamento recomendado conforme o figurino, ou seja, a OMS e as determinações do estado de São Paulo, fui vacinado duas vezes e aguardo o reforço. E tenho ajuda familiar: minha filha Isabela, 26, é pesquisadora em química/biomédica pela Fapesp-USP, e na dúvida a ela recorro.
A Drª Margareth Dalcomo, profª-adjunta da PUC-RJ e pesquisadora da Fiocruz com várias especializações, resumiu o momento atual em um recente programa jornalístico na TV: “Cada vez está mais demostrado que transmissão da Sars-Cov-2, o vírus da Covid-19, (…) é de natureza respiratória, (…) é ambiental”. “De modo que limpar sacolinhas, embalagens, superfícies, (…) perdeu a sua importância.“…e muito menos sola de sapato”, acrescentou. “O importante é saber que a contaminação está ligada ao meio ambiente”. No início da pandemia, famílias deixavam os sapatos do lado de fora da casa, outros passavam álcool em gel nos saquinhos de compras de supermercado. Com as novas conclusões – que não são apenas da Drª Dalcomo, mas também dos centros mundiais de pesquisa -, mudou a concentração do estudo da Covid: o foco é nos tratos respiratórios, especialmente o inferior: traqueia, brônquios, bronquíolos, alvéolos e pulmões (com a devida vênia dos Srs. médicos, apenas resumi o que pude depreender dos textos das pesquisas).
Sendo o trato respiratório o meio de contágio, segundo os cientistas especializados há duas espécies de “ataques” pelas vias aéreas: as gotículas (“gotas minúsculas”) e os aerossóis, “suspensão de partículas (…) freq. líquidas, num meio gasoso como o ar” (Houaiss). As gotículas têm “voo de galinha”, e caem a pouca distância de uma pessoa por serem mais pesadas do que o ar;com o distanciamento e uso comum de máscaras, tornam-se quase inócuas – exceto alguma secreção via tosse, espirro ou saliva da fala lançados diretamente no rosto a descoberto de alguém. Já os aerossóis, invisíveis a olho nu, são o grande perigo: em locais fechados como banheiros públicos e ambientes mal ventilados, ficam em suspensão no ar durante um bom tempo, sem que o cidadão saiba que os está inalando. Assim, alguns tabus caíram por terra, e, mantendo-se a assepsia, o distanciamento e com boas máscaras vedadas cobrindo do nariz ao queixo, o risco se configura muito menor.
Se me refiro à paranoia necessária é porque, no início da pandemia, aqueles exageros dignos de filmes de ficção científica realmente eram uma forma de precaução compatível com a informação que o mundo tinha sobre a doença. Certos cuidados –boas máscaras, distanciamento, limpeza das mãos – continuam altamente recomendáveis, e devem ser mantidos. Mas, inequivocamente, os exageros iniciais foram necessários.
Um colega professor da USP, Jacyr Pasternak (alguma ligação com a conhecida Dr.ª Natália Pasternak, com certeza), pesquisador que em meados dos anos 80 passou a se especializar em outro vírus letal, o HIV, esteve em alguns departamentos para fazer palestras sobre os cuidados para se evitar o contágio. Era tudo assustador, o pânico era tanto que no clube que eu frequentava havia um cartaz explicando que o vírus não era transmitido por copos, xícaras, talheres e objetos. Voltando ao Pasternak e à paranoia necessária, em um café depois da palestra ele disse que nem todo tipo de relação sexual transmitiria o vírus, mencionando uma exceção. Surpreso, perguntei-lhe o porquê de não ter explicado isso também, ao que ele perguntou: e você acha que daria certo? Melhor manter o medo, porque em uma relação pode sempre haver excessos e, com eles, riscos, disse.
Segundo a Fiocruz (Estadão, 21 de outubro), a transmissão da Covid-19 segue em visível queda no Brasil, fato que é constatável pelos números diários do Consórcio de Imprensa,formado ante a ausência de dados confiáveis do governo. Vinte e cinco estados e 23 capitais já estariam fora da chamada “zona de alerta”, mas cientistas explicam que “a epidemia não está definitivamente controlada”, e que “a impressão de que já vencemos a pandemia é enganosa, sendo imperioso, nesse momento, continuar vigilante” (sic). São Paulo, mesmo após o esperado controle da pandemia, estuda continuar a exigir máscaras para ingresso em lugares como hospitais.
De posse dessas informações mais recentes, é necessário prosseguir com as cautelas que a ciência exige, mas, agora, dentro de critérios seguros de razoabilidade. Sem a paranoia do início da pandemia e menos ainda a liberalidade descontrolada–vale a razoabilidade. Diria meu pai: nem tanto ao mar, nem tanto à terra.