Lançado o projeto ‘Vozes da S. Martinho’

Iphan promove formação para aplicação do inventário participativo da fábrica têxtil

Município inicia processo em busca de tombamento do complexo fabril (foto: Arquivo O Progresso)
Da reportagem

Dando mais um passo no processo de estudo para o tombamento federal da fábrica São Martinho, o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) promove nestes dias 6, 13, 20 e 27, às 19h, a formação para aplicação do inventário participativo do patrimônio local.

A ação faz parte do projeto “Vozes da São Martinho”, baseado em um processo de escuta das pessoas e grupos sociais que, de alguma forma, tiveram envolvimento com o complexo fabril.

Uma comissão formada por técnicos e especialistas encabeçará a metodologia de pesquisa inédita em Tatuí. O estudo servirá para endossar o pedido de reconhecimento da fábrica São Martinho como patrimônio histórico nacional.

“Este é um projeto colaborativo e popular, para resgatar e preservar as memórias do complexo. Caminhando em conjunto com o Iphan, a ideia é desenvolver um processo de escuta sobre os valores cotidianos e afetivos relacionados à fábrica. Para isso, contamos com o apoio de diversas instituições e coletivos da cidade”, descreve o projeto.

Para participar, basta ter interesse pela memória tatuiana e acessar o link https://meet.google.com/gsq-dtem-sck. A primeira reunião aconteceria nesta terça-feira, 6, às 19h (após o fechamento desta edição).

As ações do movimento também podem ser conferidas pelas redes sociais do projeto, no https://www.facebook.com/vozesdasaomartinho e no www.instagram.com/vozesdasaomartinho.

O processo, para um possível tombamento federal do conjunto arquitetônico, está em andamento no Iphan. O órgão aceitou dar início à análise do procedimento por meio de requerimento do vereador Eduardo Dade Sallum (PT) – representante do Movimento Popular Práxis.

O parlamentar apresentou o pedido na Câmara Municipal no dia 23 de abril de 2018. Depois de aprovado pelo legislativo local, o pedido foi protocolado e submetido a análise do Iphan de São Paulo, e, em junho de 2019, o órgão abriu o processo de tombamento, sob o número 1874-T-19.

Para dar continuidade à análise, em maio do ano passado, o superintendente substituto do Iphan de São Paulo, Ronaldo Cunha Ruiz, enviou ofício ao vereador solicitando novos documentos.

O órgão pediu cópia do projeto original do imóvel, com informações sobre o idealizador e época em que foi elaborado e implantado; plantas da localização na malha urbana; plantas de reformas; além de histórico, reportagens, fotos, entre outros materiais que comprovem a importância do complexo.

O levantamento dos documentos está sendo feito pela Práxis em parceria com a arquiteta Maíra de Camargo Barros, integrante do Condephat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico e Artístico de Tatuí) e que está escrevendo um livro sobre o histórico arquitetônico do complexo fabril.

Conforme Maíra, o inventário fará parte dos materiais para comprovação da importância do complexo para a cidade. Por isso, além dos documentos solicitados, a partir da formação do Iphan, o município criará uma comissão para a aplicação do inventário participativo.

“Queremos capacitar pessoas da cidade, que tenham interesse em ajudar, para que elas saibam o que é um patrimônio, consigam fazer as entrevistas e façam o registro das informações colhidas”, detalhou Maíra.

Devem participar da formação integrantes da Práxis, movimentos sindicais e estudantis, historiadores, especialistas, técnicos em preservação de patrimônio histórico, arquitetos e urbanistas, entre outros membros da sociedade.

A iniciativa ainda será desenvolvida por meio do “laboratório popular de urbanismo e sustentabilidade” da Práxis, responsável por organizar a dinâmica do processo de forma participativa.

De acordo com Maíra, a ideia de desenvolver o novo método de pesquisa na cidade é uma indicação de Sônia Rampim, coordenadora de educação patrimonial do Iphan, em Brasília.

A profissional mora na capital federal, mas é tatuiana e veio à cidade no dia 9 de janeiro, durante o período de férias dela, para visitar o complexo.

Sônia esteve no edifício principal da fábrica, na casa da família proprietária (Casarão dos Guedes) e no antigo conjunto de moradias dos trabalhadores.

A visita foi acompanhada pelo secretário do Esporte, Cultura, Turismo, Lazer e Juventude, Cassiano Sinisgalli, pelo vereador proponente do tombamento e pela arquiteta Maíra, além de turismólogos da SECTLJ.

O inventário proposto é uma das ferramentas educativas coordenadas por Sônia, no Iphan, como uma forma de “a própria comunidade se organizar, identificar e ser protagonista no apontamento sobre o patrimônio”.

A coordenadora salientou que o método não é um processo técnico oficial de tombamento, “mas um processo que envolve as pessoas afetivamente, para que elas coloquem os significados e qual a valoração afetiva que esses bens culturais têm para elas”.

Sallum disse que a pesquisa é “uma coisa revolucionária para o Brasil”. “Só houve algo parecido com isso no Centro Histórico de Iguape. É uma coisa que tornaria o tombamento da fábrica São Martinho algo ímpar no país”, acrescentou.

Maíra classificou o inventário como uma forma de elencar os bens culturais e o patrimônio cultural do conjunto fabril em diferentes visões, por ouvir e reunir memórias afetivas de pessoas que fizeram parte da história do lugar.

“Vamos ter diversos pontos de vista e descobrir novos valores sobre o patrimônio. Por exemplo, para mim, enquanto arquiteta, o prédio tem valor histórico lógico. Mas, às vezes, uma pessoa que trabalhou ali, nos teares, vai ter outra visão sobre o que é importante”, exemplificou a arquiteta.

Ela aponta que inventários participativos já foram realizados em outras oportunidades, de forma institucionalizada, sendo na maioria das vezes encabeçada pelo Iphan. Já em Tatuí, a ação é desenvolvida pela comunidade.

“Vamos fazer por amor mesmo. Ninguém está ganhando para fazer isso. Claro, a gente conta com o apoio de todo mundo, mas é uma iniciativa da população, e acho que este é o diferencial”, salientou Maíra.

Para Sinisgalli, a aprovação do tombamento na instância nacional é quase certa, devido ao valor histórico do complexo fabril para o município e para o país. Ele também elencou a coordenadora do Iphan como aliada no processo.

“Ela é tatuiana, conhece a história da fábrica e tem memórias ligadas ao espaço, assim como a maioria dos cidadãos que aqui residem ou residiram. Nós tivemos sorte de ter a Sônia nos auxiliando no processo, pois o local também tem relevância para ela”, observou o secretário.

O complexo já é tombado pelo estado desde dezembro de 2007, por meio do processo 31.877/94, do Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico) de São Paulo.

Fundação

A Companhia de Fiação e Tecelagem São Martinho foi inaugurada em 1881, tendo como fundador Manoel Guedes Pinto de Mello, em sociedade com a mãe, Maria Alves de Lima, e o irmão, João Guedes.

A fábrica, instalada à rua Coronel Aureliano de Camargo, na área central, é pioneira entre as indústrias têxteis no estado de São Paulo e ganhou destaque nacional na fabricação de tecidos, cuja manufatura incluía cobertores e toalhas.

O conjunto fabril soma 10 mil metros quadrados. O complexo era composto por fábrica, casarão de morada dos antigos proprietários (atualmente pertencente a um empresário), 25 casas para moradia dos operários, armazém e farmácia, além de quadra e área livre.