Igor Lucena *
Se existe algo que se apresenta para um debate inútil, é tudo sobre a importância e a necessidade da vacinação dentro das sociedades modernas. Contudo, em um ano em que praticamente tudo é politizado como em um eterno “Fla-Flu”, vale a pena gastar algum tempo indagando sobre a obrigatoriedade ou não de se submeter a uma vacinação contra a Covid-19 e seus efeitos sobre a economia e a sociedade.
É importante iniciar esta análise sob o ponto de vista filosófico e visando à liberdade individual. Todos os seres humanos nascem livres e possuem o que chamamos de direitos naturais, que na prática nos dá a capacidade de fazer tudo aquilo que é possível sob o ponto de vista físico, porém nem sempre é ético, como por exemplo matar outro ser humano. Os seres humanos nascem na natureza e basicamente podem se comportar por instinto, como os animais.
O que efetivamente nos difere dos animais é que optamos em algum momento da nossa história por abrir mão desses direitos naturais, para conjuntamente vivermos em sociedade e assim montarmos o que Rousseau estabeleceu como um Contrato Social, no qual a partir daquele momento substituímos os direitos naturais por direitos individuais com limites, responsabilidades e punições.
Dentro desse contexto, é importante inferir que, ao optarmos por viver em sociedade, afirmarmos que nossa liberdade não é absoluta; dito isso, o meu direito à liberdade acaba quando ele esbarra no direito à liberdade que o outro possui.
Essa afirmação acima muitas vezes é esquecida por aqueles que se auto determinam libertários ou conclamam que as liberdades individuais são totalmente absolutas, ao ponto de conclamarem que “imposto é roubo”.
Sob o ponto de vista jurídico, vale ressaltar que ninguém é obrigado a fazer algo que não seja por força de lei. Ainda neste ano o presidente Bolsonaro promulgou a lei 13.979/20, que efetivamente delega poderes para que os estados e os municípios possam adotar a vacinação compulsória da população: ou seja, dito isso, o Brasil pode sim adotar esse procedimento, por mais polêmico que seja.
Entretanto, o debate que se arregimentou entre o governador de São Paulo, João Dória, e o presidente Jair Bolsonaro sobre a obrigatoriedade da vacinação, é algo que perpassa pela disputa político-eleitoral.
Sob o ponto de vista filosófico e jurídico-nacional, não há dúvidas de que uma vacina eficaz, devidamente aprovada pela autoridade sanitária, oriunda de qualquer nação, poderá ser compulsoriamente aplicada na população, mas isso não significa que vamos sair por aí levando as pessoas amarradas para receber uma vacina.
O Brasil é um país onde as campanhas de vacinação são muito efetivas, em que praticamente todas as classes sociais entendem a importância da vacina, tanto que na última pesquisa sobre a possibilidade de vacinação contra a Covid-19, cerca de 80% da população confirmou que receberia a vacina, independentemente de seu lugar de origem, desde que comprovada sua eficácia.
Sob o ponto de vista econômico, a importância da vacina para o Brasil é ainda mais impactante. Somos uma nação em que o turismo internacional e o investimento direto estrangeiro são fundamentais para a economia nacional e para o emprego, principalmente no setor de serviços, o que impacta em especial o Rio de Janeiro e o Nordeste.
Dentro dessa perspectiva, sem uma campanha de vacinação que controle a disseminação do vírus, não há perspectiva de melhora da economia.
Da mesma maneira, a vacinação é um importante freio para os gastos públicos e privados em saúde, principalmente no setor emergencial, pois essa pandemia nos mostrou que, sem o controle da saúde pública, não há possibilidade de volta à normalidade dos mercados de trabalho e de bens e serviços.
Outro importante aspecto que estamos acompanhando é a situação disruptiva dentro das cadeias globais de valor. Devido à integração mundial de insumos e produtos industrializados, ocorre no Brasil uma escassez de produtos mais diversos, desde babás eletrônicas até bicicletas e peças de automóveis, pois, em algum estágio da produção desses bens, as fábricas estão comprometidas com sua operação ou com o transporte desses bens, que continua demorado.
O resultado disso é que os preços estão subindo, e alguns setores estão superaquecidos, como é o caso da construção civil. Por outro lado, setores como beleza e eventos estão amargando prejuízos e “ondas” de demissões.
De modo geral, o Brasil e várias outras nações estão com a economia disforme, com problemas no balanceamento entre os setores e com pouca margem de manobra, tendo em vista que operações de crédito e lockdowns já foram extensivamente utilizados e, neste momento, poucas nações possuem capacidade para retomar esses instrumentos de controle da pandemia.
Estamos hoje com uma dívida pública que deve chegar aos 92% do PIB até o final do ano, com cerca de 13,5 milhões de desempregados em uma situação que não deverá melhorar tão cedo.
Sob o ponto de vista objetivo, quanto mais rápido tivermos uma vacina efetiva, segura e autorizada pelos órgãos sanitários, mais rápido poderemos reequilibrar a economia nacional, estancar a falência de empresas e barrar o aumento do nível de desemprego.
Somente com a vacina iremos parar um ciclo de mortes que já passa, neste momento, dos 160 mil brasileiros. Não haverá ganho algum para qualquer nível de governo, seja estadual, municipal ou federal, em politizar este tema ou impedir o uso de uma vacina X ou Y.
Nestes momentos é que percebemos quando os líderes se tornam estadistas, quando o bem nacional se mostra mais importante que disputas e ideologias e quando a efetiva melhora de vida da população é o objetivo-fim dos grandes líderes.
Faz-se necessário empenho e soluções imediatas das nossas autoridades para esses problemas tão preocupantes para nós, brasileiros.
* Economista e empresário, doutorando em relações internacionais na Universidade de Lisboa, membro da Chatham House – The Royal Institute of International Affairs e da Associação Portuguesa de Ciência Política.