The New England Conservatory of Music





Durante este ano de 2014, em que o Conservatório de Tatuí completa 60 de existência, vale lembrar algumas experiências mundiais consagradas como termo de referência para analisar o que aqui já foi feito, está sendo desenvolvido e presumivelmente deverá acontecer. Sem inventar a pólvora: no mundo inteiro aprende-se teoria e percepção, harmonia, contraponto, história da música e outras disciplinas. Pretendo começar a trazer essas experiências com a New England Conservatory, com o qual tenho grande familiaridade.

A NEC situa-se perto do coração de Boston, EUA, em local privilegiado a 300 m da Boston Symphony Hall, casa de uma das maiores sinfônicas do mundo. Não longe, o belíssimo Charles River, coalhado de pequenos barcos a vela, cuja ponte nos atravessa para onde ficam dois outros grandes centros, do lado Cambridge do rio: Harvard University e MIT (Massachusetts Institute of Technology),  celeiros do que há de melhor na pesquisa em diversos ramos do conhecimento, diversos prêmios Nobel no currículo.

A NEC é uma construção cujo término da primeira grande reforma externa depois de cem anos presenciei, no final de outubro de 2009. A cerimônia chamou-se “Unveilling the Conservatory” (desvestindo o véu – ou “revelando”, no sentido figurado), e o presidente da instituição, com capacete de segurança e megafone, simbolicamente cortou as cordas das telas de proteção, sob os aplausos de uma festa em plena rua, com bandas e corais. Estava restaurado o lindo prédio, exatamente como foi inaugurado, em 1870. É o gancho para falarmos em tradição, nós que começamos a esquecê-la já na arquitetura, destruindo nossas construções históricas.

Há dois auditórios principais, sendo um o Jordan Hall, considerado uma das melhores acústicas da Costa Leste, palco de centenas de apresentações por ano. Lá ensaiam a Filarmônica Jovem de Boston, um grupo fabuloso de jovens que já se apresentou várias vezes mundo afora, inclusive o Teatro Municipal de São Paulo. Seu regente, Benjamin Zander, é, além de um maestro excepcional, um líder incansável. Atenção: esta é a orquestra jovem, cabe frisar, cujos concertos deixam a todos com o queixo caído. Seguem-se a Repertory Orchestra, que foi regida por Richard Pittman, ex-aluno do nosso Eleazar de Carvalho em Tanglewood, e a Orquestra Sinfônica propriamente dita, comparável a algumas das boas orquestras profissionais. Enquanto a Repertory Orchestra faz um extenuante trabalho de preparo do vasto repertório sinfônico, a Sinfônica também se desdobra em material mais complexo: Richard Strauss, Wagner, Stravinsky, Boulez e outros. Possui diversas gravações e convidados como Seiji Osawa, Rostropovich, Arthur Fiedler, Kurt Masur, um rosário de grandes regentes.

Os corredores do primeiro andar do prédio se cruzam em Beethoven, quero dizer, em uma estátua do mestre de Bonn, sobre um pedestal. É ali o ponto de encontro ou recados de todos, para qualquer coisa. Como não havia celular e afins, colava-se “stick-ons” ou papeizinhos com fita adesiva no pedestal e nos pés da estátua para marcar almoços, encontros, ensaios e, claro, namoros. Retrato da tradição que é conservada indelével há 150 anos. Pois vejamos.

Em 1853, Eben Tourjée, um jovem professor de música de 18 anos vindo de Rhode Island, reuniu músicos da cidade na primeira tentativa de ali criar um conservatório nos moldes dos melhores da Europa. A ideia foi abandonada, devido à Guerra Civil que sacudia o país. Em dezembro de 1886, Tourjée voltou à carga, até que a New England Conservatory abriu suas portas oficialmente em fevereiro de 1867, para ocupar seu prédio definitivo em 1870. A participação do governo, via National Endowment for the Arts (NEA), hoje é prática ou totalmente nula. O Conservatório é mantido por anuidades, bolsas de estudo dadas por pessoas físicas ou entidades, fundações, e contribuições de seus Patrons, Sponsors, Trustes, Donnors e outras, intitulados conforme o valor de seus generosos cheques. Também contribuem, anualmente, via cheques em envelopes, seus “alumni” ao redor do mundo. Toda essa corrente chega a levantar a surpreendente quantia de 20 milhões de dólares em um ano.

Grande parte dos professores da NEC pertence aos quadros da Sinfônica de Boston ou são solistas consagrados, como foi o caso de Louis Krasner, professor do saudoso Aírton Pinto (antigo spalla da Osesp). Alban Berg escreveu o concerto para violino “À Memória de Um Anjo”, dedicado a Alma Mahler, por encomenda de seu amigo, o prof. Krasner. Em composição você pode ter tido a honra de ter estudado com Joe Maneri, que estudou com mesmo Alban Berg, ou Di Domenica (ambos meus professores), ex-aluno de Schönberg, o homem que mudou a música do século 20. No jazz, já houve um Joseph Alard, que ensinou o mito John Coltrane. Você pode também ter trabalhado com Jack Byard ou George Russel, que foi assistente de George Gershwin, autor de obras-primas como “Um Americano em Paris”, “Rhapsody in Blue” e “Porgy and Bess”.

Por fim, você, além dos créditos obrigatórios, pode fazer um curso chamado “Análise Psicofísica: Design no Espaço-Tempo, Composição Microtonal” ou mesmo dedicar-se à Terceira Corrente, criada pelo grande Gunther Schuller: música que não é jazz, nem etnomúsica, nem popular, nem clássica: é o diálogo, por memória e ouvido, entre todas elas. Visitada a New England, vale um passeio pela linda, moderna e histórica cidade, terra do famoso Tea Party, que desafiou a Coroa Britânica rumo à Independência.

Até a próxima visita!