Henrique Autran Dourado
“Quando eu morrer / não quero choro nem vela / quero uma fita amarela / gravada com o nome dela”. Noel Rosa, terrivelmente apaixonado, queria apenas uma homenagem da amada na sua partida: o amarelo, iluminado e mais vibrante do que o vermelho, que é a cor dos enamorados, do sangue, das rosas, da gala dos tapetes. (Mas é também a dos revolucionários, da “Bandiera Rossa”, hino dos comunistas italianos, e a alcunha de Daniel Cohn-Bendit, “Dani, le Rouge”, o líder estudantil franco-alemão de 1968, além dos cravos portugueses de 1974. Foi a pecha que a ditadura brasileira atirou sobre dom Hélder Câmara: o “Bispo Vermelho”, taxando-o de “comunista” e intervindo em uma indicação ao Nobel (pacifista, ele escrevera “Revolução dentro da Paz”).
O verde é mistura do neutro azul com o vibrante amarelo, e tem o dom de ajudar a relaxar as pessoas. Isso o faz a cor preferida nas salas de cirurgia e vestimentas dos médicos, um descanso aos olhos que suportam horas seguidas de tensão sob fortes luzes. É cor do inseto chamado esperança, um gafanhoto do bem, e do poema de García Lorca, assassinado na Guerra Civil Espanhola durante a ditadura do generalíssimo Francisco Franco: “Verde que te quiero verde, verde viento y verdes ramas”.
Aproveitando de ouvido os versos de Lorca, Cartola escreveu “Verde que te Quero Rosa”, homenagem à sua escola de samba, a Mangueira: “Verde como o céu azul, a esperança / Branco como a cor da paz ao te encontrar / Rubro como o rosto fica / junto à rosa mais querida” – linda síntese da química perfeita das cores do estandarte dos mangueirenses: o verde da esperança e o rosa, que é o branco da paz abraçando o vermelho do amor.
O branco é a cor da luz, da pomba da liberdade; da união, posto que mistura perfeita de todas as cores; da castidade, da purificação e dos que professam as religiões afro-brasileiras; é a que mais reflete a luz, sobressaindo ao lado de figuras de formas iguais de outras cores, ilusão de ótica em que uma figura branca parece maior do que as outras (Gestalt). É a cor apaixonante do anjo de Jorge Ben: “Ela vem toda de branco / toda molhada e despenteada / que maravilha / que coisa linda / que é o meu amor”. Em amálgama, o branco clareia: faz do vermelho rosa, do azul escuro a água-marinha, e até do negro que a noite encobre ele faz o cinza. É o caldo de todos os matizes juntos, mas mesclando-se, a cada um ele clareia.
As cores despertam sentimentos e emoções, isto é certo, mas o que teriam elas a ver com os sons? Ora, tudo! (Recomendo Backus: “The Acoustical Foundations of Music”). A medida de frequência das ondas sonoras em toda a faixa audível se lê de 20 Hz a 20 mil Hz – de Heinrich Hertz, que comprovou a existência das ondas eletromagnéticas. Abaixo da frequência menor temos o infrassom, e acima da maior o ultrassom – ambos inaudíveis mas de múltiplas utilidades, a exemplo do último, na medicina. O som do “lá” na afinação de instrumentos é um padrão fixado pelo acordo de Paris em 440 Hz (1936), pouco acima ou abaixo a depender da orquestra, do estilo e, antes disso, da época.
As ondas de rádio vibram acima de nossa faixa audível, entre os 20 kHz (ou mil Hz) e 300 GHz (milhões de Hz). Quanto mais curtas, mais longe elas vão, mas a frequência das rádios de melhor qualidade de som – e menor alcance – é a FM (modulada), aproximadamente entre 808 MHz a 108 MHz. A física nos ajuda a compreender sons e ondas de rádio, mas o que têm as cores a ver com isso?
É um capítulo à parte: o vermelho é a cor de frequência mais baixa, a partir de 480 THz (“tera”, do grego, “monstro”: um trilhão), e ao violeta, até 790 THz. Acima do violeta, as ondas ultravioletas, invisíveis, danosas aos humanos mas úteis especialmente na esterilização, ainda mais nesses tempos de pandemia. Abaixo da frequência-limite do vermelho, temos o invisível infravermelho, de valor incalculável tanto na medicina fisioterápica quanto nas medições submarinas e de engenharia. Resumindo, temos na natureza frequências de uma enorme gama de valores em Hertz e seus múltiplos: kHz (kilohertz, 100 Hz), MHz (megahertz, um milhão de Hertz), GHz (gigahertz, um bilhão), THz (terahertz, um trilhão). E mais: há ainda o petahertz, exahertz e zettahertz, mais três zeros cada, chegando a 18 dígitos (1018)!
A nós, humanos, foi reservado um espectro bem limitado de sons e cores visíveis e audíveis, ou seja, tudo o que podemos ouvir está entre uma nota si pouco abaixo de 20 Hz até um ré sustenido agudo perto de 20 kHz, e as cores que podemos ver de 480 THz a 790 THz. Fora de nossas limitações, frequências nos ajudam a ligar a TV, abrir o portão da garagem, afastar insetos, esterilizar objetos, visualizar o feto, buscar frequências de rádio entre as estrelas e um mundão de coisas que não conhecemos e cujos limites nunca conheceremos (“Ora, direi, ouvir estrelas”, exclamou Bilac). Não somos máquinas, o homem é apenas um mero “ex machina” de ínfima dimensão. Gilberto Gil avisou, há décadas: “O cérebro eletrônico comanda / manda e desmanda / mas ele não anda / Só eu posso pensar se Deus existe / só eu / Só eu posso chorar quando estou triste / só eu”.
O mínimo que a eternidade espera de nós é que nos recolhamos à nossa pequenez para que a natureza cumpra sua inexorável missão. Sem magoá-la, protegendo as lindas matas verdejantes, que são a esperança da vida na terra, o neutro e acariciante azul das águas e os infinitos matizes dos animais: invisíveis, camuflados ou berrantes.