José Renato Nalini *
Usa-se e abusa-se de conceito que já foi absoluto, mas tem sido crescentemente relativizado, como o da soberania. Algo que reside no âmbito das emoções, do orgulho nacional, até de certa virilidade patriótica. Mas, na prática, pode-se falar hoje em soberania absoluta?
O mundo se tornou cada vez menor. As comunicações permitem contato imediato com todos os seus quadrantes. O capital sem pátria impera, este sim soberano, sem se incomodar com as questiúnculas de certos governos.
Isolar-se representa inconcebível atraso. Daí porque o Brasil tem de se relacionar com todas as outras nações, abrindo-se para elas e indo em busca de parceiros que tragam investimento para esta terra arrasada depois de tanta incompetência criminosa.
Há muito a ser feito e por todos. Claro que os políticos profissionais têm responsabilidade acrescida, porque precisam conceder à República as estruturas que a façam acertar o passo com a contemporaneidade.
O Brasil é um Império medieval em inúmeros sentidos. As autoridades, de todos os poderes, ainda se consideram ungidas e destinatárias da tática das homenagens. Querem reverências, tapetes vermelhos, carros do ano, motoristas atenciosos e tratamento permanente de “excelência”.
O buraco é mais embaixo. O Banco Mundial divulgou o “Doing Business”, relatório que avalia a facilidade negocial em 190 países. Em 2018, estávamos em 109º lugar. Em 2019, estávamos em 124º. E agora o que esperar de 2020?
A desburocratização é um discurso que há décadas ocupa os pronunciamentos orais de inúmeros governantes. Mas a burocracia, sua estéril burrice e sua complicação continuam a existir e parece invencível combatê-las.
Talvez o universo mais retrógrado a aceitar inovações seja o do sistema Justiça. Primeiro, porque tudo, no Brasil, é matéria constitucional. E, sendo assim, a indústria da inconstitucionalidade é uma das mais prósperas.
Depois, e em continuidade, existe o fetiche da lei. Como se o direito fosse apenas lei e não também fato e norma. Esquece-se de que o direito é instrumento para facilitar a vida das pessoas e estas são cada vez mais atormentadas pelo excesso de minúcias, pela papelada irritante, pelo tratamento pouco polido na maior parte das repartições.
Como se o cidadão não fosse o patrão de cada funcionário remunerado por ele. Desde a Suprema Corte, até o contínuo que tem de atender com educação o seu sofrido patrão: o povo brasileiro.
Em seguida, o câncer da judicialização. A servir quem não tem razão, porque litigar é um ônus insuportável a quem é realmente injustiçado.
Enquanto isso, o devedor, o infrator, nada de braçada nos sofisticados procedimentos formais, tem mais de cem recursos à disposição e tem de enfrentar quatro instâncias.
Sabe-se quando o processo começa. Nunca se pode prever quando terminará. E se terminará com o enfrentamento do seu cerne, porque muita vez a decisão é meramente processual.
Ainda não se fez a profunda reforma estrutural do sistema Justiça. A unificação do Judiciário num único Judiciário Nacional, sem a quintuplicação complicadora de hoje – duas Justiças comuns, a federal e a estadual, Justiça Trabalhista, Justiça Militar e Justiça Eleitoral – seria um bom começo na racionalização da mão de obra e no melhor aproveitamento de competências exemplares, algumas sobrecarregadas, outras ociosas.
Mas quem é que tem coragem de enfrentar esse desafio?
* Reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e presidente da Academia Paulista de Letras – 2019-2020.