Em 1960, convenceram Juscelino Kubitschek da necessidade de se regularizar a profissão do músico. Foi criada, então, a Ordem dos Músicos do Brasil, regulamentando a ocupação dos que antes eram desocupados. Passou a existir no Brasil, de forma oficial – e devidamente adequada à CLT do Getúlio –, uma das mais antigas profissões: nossos antepassados deviam utilizar-se de códigos de ruídos, gemidos e batidas para se comunicar e até cantar as mulheres. E os mais talentosos passaram a obter privilégios: com o passar do tempo, alguns desses ancestrais mais bem aquinhoados por Deus passaram a receber de seus chefes compensações para fazer dançar os colegas de sua tribo, preparar a guerra ou, na falta de assunto, simplesmente divertir. Voltando a Juscelino, foi oficializada uma profissão que, para muitos, era vista como hobby ou passatempo perdido – como aquele barbeiro violinista contado por Machado de Assis em “Dom Casmurro”.
Os ingleses que instalavam estradas de ferro (as “railways”) no Nordeste brasileiro sabiam, já naquela época, empregar a música nos finais de semana para amenizar o trabalho árduo dos peões nativos, divertindo-os para intermináveis jornadas semanais. Mesmo segregados dos gringos, a peãozada tinha direito à diversão. Havia as festas reservadas para os britânicos e aquelas destinadas ao povão em geral. Essas últimas seriam – seriam! – para todos, “for alI”, de onde forró.
Há outra versão, mais difundida, da origem do “for all”: as festas dos estadunidenses da Base Aérea de Natal, na 2ª Guerra. Mas não! Chiquinha Gonzaga, muito antes da Base, encantava com seus forrobodós, em forrobodanças, de onde forró. Mas tudo por causa da miscigenação linguística, de onde sulipa, de “sleeper”, dormente de trilho de trem, overol, de “overall”, avental, macadame, trator para piche da Mac Adams e outros, em inglês?
A música passou a ser mais bem explorada com o advento dos meios mecânicos de reprodução. As pessoas passaram a dispor, de aparelhos de escuta “democratizados”, para os “mais iguais” do que os outros, ou seja, aqueles que podiam comprar as engenhocas. Quando ainda não era acessível aos mortais cidadãos, era comum ambulantes alugarem tubos de borracha, que faziam de fones de ouvido, ligados a um enorme aparelho ridiculamente amarrado sobre o lombo de um burro velho.
Em 1891, a Casa Levy de São Paulo anunciava, com grande estardalhaço, uma caixa de música diferente das tradicionais, pois podia executar “milhares de peças em uma só”. Era a máquina cantante, a “talking machine” de Thomas Edison, que funcionava com cilindros de cera. Para testar a qualidade dessas máquinas, o grande flautista Wilfred Laurier gravou uma melodia e, depois de ouvi-la, exclamou: “Não sei se vou comprar uma geringonça dessas, mas com certeza vou desistir de tocar flauta”.
Depois veio o fonógrafo, pai do toca-discos e futuras variações, poder mágico que só seria suplantado em boa parte pela TV – esta sim invasora de lares e lobotomizadora de todas as classes sociais, responsável pela manipulação da cultura e imposição do gosto musical popular. Com a chamada “telinha”, a música passa a ter papel fundamental nas vinhetas de propagandas, novelas, filmes, bestialógicos de auditórios e, é claro, no rico filão que vai da propaganda oficial dos governos às campanhas eleitorais de partidos de todos os matizes. Surgiram as orquestras oficiais, brotaram conservatórios nas esquinas, mas raros investiam no ensino de qualidade. Precisa-se de pelo menos uma década para fazer um músico, mas os governos no Brasil (nos períodos de relativa democracia) duram apenas quatro anos. São ciclos eventuais de salários e músicos melhores alternados com fases de decadência, uma gangorra maníaco-depressiva profissional.
A boa vontade para com o músico nunca foi o forte dos poderosos, mais afeitos a vistosas obras. Sempre foi de bom-tom, entretanto, autoridades frequentarem, mesmo que entediados e a contragosto, camarotes privativos nos luxuosos teatros oficiais. Afinal, imagina-se que um chefe de Estado, ministro ou outra autoridade deve ostentar, além do andar aprumado, uma bela e jovem esposa, carro oficial e postura, mesmo que falsa, dos que esbanjam cultura, educação e extremo bom gosto. Mário de Andrade disse que o Teatro Municipal de SP é um lugar onde as mulheres chacoalham as joias enquanto os maridos fumam charutos e falam frivolidades nos corredores. O povo gosta mesmo é de luxo, disse o carnavalesco Joãosinho Trinta, quem gosta de pobreza é intelectual. Nunca uma assertiva tão atrevida soou tão real.
Nesta época do ano, em dezembro, hinos sacros e cançonetas de Natal dão o tom das festividades. Várias importadas, como “Jingle Bells” e “Tannenbaum”, puxam os trenós de nossa neve imaginária, a reboque Santa Claus, o São Nicolau, que, como diz a letra com jeito de samba de enredo “Noruega, Gelo e Alegria”, do Luiz Sá e Paulinho Machado, “o bom velhinho conhecido pela alcunha de Papai Noel”. Nos anos 50, ressurge vestido de vermelho e branco, gorducho e de barba branca, invenção da Coca-Cola. Mas que seja útil nesses dias a música do congraçamento entre as pessoas e povos, as orações pela paz na Terra, cantada com o espírito verdadeiro do Natal, onde quer que seja, sem ostentação e gastança, e que a grande direção dos pensamentos e corações seja a inabalável fé no Senhor, no dia em que veio juntar-se a nós na luta pela paz e pela harmonia, que com nossa esperança profunda haverá de vencer.