Portas de folha de madeira fixa, uma série de ganchos chumbados na parede usados para pendurar peças de carne bovinas e tijolos com características e dimensões únicas, atualmente negociados no mercado a “preço de ouro”.
Estas são algumas das relíquias datadas do século 18 descobertas em Tatuí pela equipe responsável pelo restauro do prédio que abrigou o primeiro matadouro municipal.
O grupo de trabalho, liderado pelo professor e arquiteto Eduardo Salmar Nogueira e Taveira, encontrou os objetos durante a execução da obra. A revitalização começou a ser feita no final do mês passado, a pedido da prefeita Maria José Vieira de Camargo. Na manhã de terça-feira, 14, ela visitou o imóvel.
Para a prefeita, além de fundamental do ponto de vista histórico, o restauro contribui para o reforço de uma das características de Tatuí. “O trabalho é decorrente de uma obra que se iniciou por necessidade (a reconstrução da ponte do Jardim Junqueira), mas atende a critério do MIT (Município de Interesse Turístico)”, contou.
Desde maio deste ano, Tatuí integra a lista de cidades paulistas que começaram a receber recursos do governo do Estado de São Paulo para investimento em turismo.
A obra no matadouro permitirá ao município agregar novo dispositivo de atração de visitantes, cumprindo meta de permanência entre os MIT, submetidos a reclassificação periódica.
Os planos da Prefeitura são de implantar, no imóvel, o MIS (Museu da Imagem e do Som). A ocupação deve acontecer depois da finalização da primeira etapa da obra, que consiste na revitalização da fachada externa do prédio, datado de 1859.
O espaço interno receberá cuidados posteriormente à inauguração, prevista para o mês que vem, para permitir a ocupação. A Prefeitura quer viabilizar, no novo espaço, apresentações musicais, exposições permanentes e itinerantes, entre outras ações.
A prefeita destacou que a obra marca a entrega de um novo ponto turístico. Também permite aos tatuianos e visitantes conhecerem um pouco mais da história da cidade.
O imóvel é considerado “gigantesco” para os padrões da época, conforme mencionou o secretário municipal das Obras e Infraestrutura, Marco Luís Rezende.
Ele acrescentou que a construção deu origem ao nome da área que abriga a pasta. “A nossa secretaria tem o nome de ‘Mangueirão’ porque fica no mesmo terreno onde se abatiam os gados. Era o mangueirão do matadouro”.
Para Taveira, professor de arquitetura e urbanismo há 32 anos, a importância do imóvel vai além da referência. O arquiteto ressaltou que a construção é histórica por ter um sentido de tempo de existência e por possuir determinadas características arquitetônicas distintas de uma época específica.
Entre elas, o próprio tijolo à vista, material típico do final dos anos do século 18 e que continuou a ser utilizado largamente até o início do século 19. De acordo com o professor, nesse período histórico, “não se escondia o elemento construtivo” – no caso, o tijolo. Em outras palavras, as paredes não eram rebocadas.
“Numa época mais tardia, pode-se perceber que tudo era rebocado e tudo era pintado, inclusive, as madeiras, porque eram consideradas menos nobres. Já as pinturas passaram a ser vistas como mais nobres”, contextualizou.
Com a disseminação do pensamento “moderno” na arquitetura, no século 19, Taveira citou que as construções começaram a apresentar “despojamento do revestimento”. É nessa época que os imóveis ganharam maior nível de detalhamento.
Tanto que alguns exibem, nas fachadas, ensambladuras (peças de madeiras embutidas por meio de entalhe) e desenhos feitos com uso dos tijolos à vista. “Há uma espécie de brincadeira com o elemento tijolo, o que é uma característica também desse edifício que abrigou o matadouro”, acrescentou.
A construção original que está sendo preservada usa materiais bem característicos. Taveira explicou que, além do tijolo, o imóvel apresenta cerâmica hidráulica, um tipo de revestimento artesanal feito à base de cimento.
Também segundo o professor, a medida do piso usado nos ambientes internos do prédio, de 15 por 15 cm, também é característica da época da edificação. “O imóvel apresenta, basicamente, uma arquitetura limpa”, descreveu.
A equipe coordenada pelo professor trabalha na recuperação por etapas, com início pelo telhado. Como o imóvel apresenta boas condições estruturais, Taveira explicou que não houve necessidade de mexer na fundação. “Aparentemente, ela está segura. Apenas o lado da fachada (que faz frente para a marginal do Manduca) precisará de uma interferência”, contou.
O processo de restauro do matadouro começou do mesmo modo que uma demolição: de cima para baixo. Por isso, a equipe trabalha no telhado, repondo o madeiramento que apodreceu, aplicando cupinicida, trocando ripamentos e as telhas. A meta é deixar o telhado totalmente seguro para, depois, descascar as paredes. A proposta é “desnudá-las”, revelando o material original.
Para as paredes, o professor informou que está prevista aplicação de cal, um material considerado de época e que permite exposição do tipo de arquitetura. Por último, haverá um tratamento (por substituição) do piso que reveste o imóvel.
O trabalho é feito por equipe especializada, divididas em três frentes. Foram elas que encontraram e começaram a catalogar as relíquias de época. As peças incluem uma máquina usada para cortar o gado ao meio, conforme Taveira.
Embora não tenha muitos detalhes, por conta da “arquitetura limpa”, o professor citou que a construção possui riquezas, como o tijolo à vista, produzido por olarias da época.
O material tem dimensão considerada rara (com medidas de 27x14x7 cm) e “extraordinária”. “É uma peça grande, que rende muito e, seguramente, mais resistente. Esse tijolão é vendido a preço de ouro”, concluiu.
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