Há um bom punhado de anos recebi de presente de uma amiga – taurina, claro – o livro “Taureau”, de André Barbault (da coleção “Le Zodiaque”, Éditions de Seuil, 1957). Não se trata de um livro de curiosos, Barbault e seus colaboradores Louis Millat e Jacqueline Bastide tiveram a supervisão de François-Régis Bastide (1926-1996), escritor, político, ensaísta, apresentador de rádio e diplomata, prêmio 1981 da Academia Francesa. Trata-se de um estudo coordenado por uma celebridade e organizado por especialistas em áreas diversas, como filosofia, história, política e astronomia.
Nas páginas introdutórias há uma frase do psicanalista C. G. Jung (1875-1961), autor de “O Homem e seus Símbolos”: “Nós nascemos em um momento determinado, em um lugar também determinado, e nós temos, como os homens célebres, o ano e a estação que nos viram nascer. A astrologia não pretende ir além deles” (em “L’Homme à La Découverte de Son Âme”, título que poderia ser traduzido como “O homem à descoberta da sua alma”). Nessas páginas iniciais, o autor do livro aborda os decanatos, zodíaco, cartas celestes, signos ascendentes, tudo longamente detalhado e com incrível precisão.
A seguir, fala da fertilidade e da fecundação, as ligações mitológicas com o deus Dionísio, e no capítulo seguinte resume o que é o taurino: “Ele é, em parte, um signo da Terra: o mais denso elemento, o mais sólido, o mais estável; por outro lado, é um signo fixo, fator de catalisação, de condensação”. O texto disseca o taurino e suas entranhas psicológicas e entra na análise da posição do taurino no zodíaco. Sobre os ascendentes, descreve os elos entre eles e o signo touro, em si, e eu, convertendo os horários e minutos dos fusos franceses para o nosso, descobri meu ascendente.
Eu seria um touro virginiano de “natureza simples, sólida, prática, honesta, modesta, ordenadora, pacífica, com sentimento utilitário, de bom-senso, lógico, econômico” (atenção: citação literal do livro, e não palavras minhas, claro). Mais adiante, fala da relação do taurino com outros signos, e ressalto a do touro com o escorpião, caso das mulheres de meus dois casamentos: “Eis o choque dos antagonistas, o casamento tormentoso dos complementares. Esses dois se atiram irresistivelmente e pessoas desses signos jamais são indiferentes umas às outras”. Acrescento ainda que noto certa cumplicidade entre taurinos.
O texto segue discorrendo sobre atitudes no trabalho, finanças, política e filosofia. E passa a discorrer sobre taurinos célebres, citando sempre seus ascendentes: o poeta d’Annunzio, o escritor Balzac, o pintor Delacroix, o criador da psicanálise, Freud, o pai da arquitetura moderna Walter Gropius, o teórico Karl Marx, um dos maiores sinfonistas da história, Johannes Brahms, além de tantos outros, dando uma visão geral da personalidade dos que compartilham este signo (acrescento Shakespeare e Ella Fitzgerald, só para citar mais dois). A coleção inteira pode ser adquirida pela internet, mas é preciso um conhecimento razoável da língua francesa.
Alguns estereótipos e clichês em torno da figura do taurino são bem conhecidos, e se relacionam com o animal e seu jeito de ser. O touro é um animal reservado à procriação, enquanto os bois são castrados, sendo destinados ao abate e corte. Costuma ficar em espaço reservado, e parece o animal mais manso do mundo. É raro acontecer, mas quando atiçado ferozmente… Veja as criminosas touradas, se ele sai para o ataque, após ferido, de caçada na arena torna-se o caçador, ferindo ou matando, às vezes, o toureador, com sua veste bonita e capa vermelha (apenas para fazer “show”: touros não enxergam cores).
No dizer popular, o touro fica em seu canto e suporta tudo, mas volta e meia fica “ciscando” o chão com suas patas dianteiras. Provocado além de seu limite, o que dificilmente acontece, dispara contra o que o intimidou; e que se danem vaqueiros, bois, vacas, porteiras, cercas de arame farpado, o que estiver na frente. Essa alegoria parece surreal, mas não deixa de ter certa procedência: o taurino pode ser o mais paciente, mas nunca o faça passar de seu limite, pode ser a gota d’água.
A saudosa soprano Martha Herr, taurina, costumava fazer em um domingo de maio, anualmente, um almoço para amigos taurinos, que congregava gente como os também falecidos violinista Bruce Mack e o professor de canto da Unesp Fernando Carvalhaes, a pianista Anna Claudia Agazzi, o compositor Ronaldo Miranda, o violoncelista David Chew e a cantora Sheila Minatti, entre outros, em anos diversos. Não sei se por termos um elo comum, o signo, aliado ao fato de sermos todos músicos, o clima de festa e de entrosamento era muito especial. Reinava sempre a alegria, era uma “tourada” sem o maldito “El toreador”, nada haveria que perturbasse aquele rebanho de pacientes taurinos.
Confesso que não sou muito afeito a coisas astrológicas, apesar de saber que algo existe entre nosso comportamento e os astros: a lua rege o ciclo menstrual das mulheres e as marés, o sol marca o dia e o ano, por isso o calendário gregoriano teve de dar uma “acomodada” com o ano bissexto, dando a fevereiro mais um dia a cada quatro anos. Não sou muito afeito a essas coisas – o que pode ser mais uma característica taurina -, mas que há algo de verdadeiro, parece-me que sim. Sou do tipo que repete aquela máxima atribuída ao grande escritor espanhol Miguel de Cervantes, “yo no creo em brujas; pero que las hay, las hay”: eu não creio em bruxas, mas que elas existem, existem.