Segundo o “Oxford Dictionaries”, xenofobia (do grego “xénos”, estrangeiro, e “phóbos”, medo) é “um medo não fundamentado do que vem de fora”. Para o Houaiss, “desconfiança, temor ou antipatia por pessoas estranhas ao meio (…) ou pelo que é incomum”. Segundo Guido Bolaffi (“Dictionary of Race, Ethnicity and Culture”. Sage, 2003), ela se manifesta “de diversas formas (…) inclusive o medo de perder a identidade (…), suspeição de (suas) atividades, agressão e desejo de eliminar sua presença para assegurar uma pureza presumida”. A Declaração e Programa de Ação de Viena (junho de 1933) entende (Parte II, parágrafo 20) “urgente que todos os governos tomem medidas imediatas e desenvolvam fortes políticas para combater todas as formas de racismo, xenofobia, intolerância (…) por legislação apropriada, incluindo medidas penais”.
A xenofobia está no cerne de interesses pessoais em que o poder ou domínio sobre regiões ou suas riquezas tem um vínculo dissimulado com o racismo. O “Antigo Testamento” já relata a perseguição ao povo judeu durante o Império Romano e a fuga dos hebreus para o Egito (Êxodo, 1). Mais recentemente, Nietzsche (1844-1900), pensador e escritor alemão, insuflou (talvez não diretamente) o antissemitismo – muito mais por causa da interpretação de seus escritos pelo genro, o radical antissemita Bernhard Föster do que pelos seus próprios trabalhos. Pensamentos atribuídos a (ou “destilados de”) Nietzsche tornaram-se uma ideia fixa para Richard Wagner (1813-1883), maior compositor de óperas germânico. Daí resultaram publicações em que o músico empreendia verdadeiras perseguições aos compositores judeus, com foco especial em Felix Mendelssohn Bartoldy (1809-1847), mesmo que esse último sobrenome, adotado, fosse de origem cristã. Talvez a publicação mais conhecida e controversa de Wagner sobre o assunto seja “O Judaísmo na Música” (“Das Judenthum in der Musik”).
Adolf Hitler (1889-1945) foi grande admirador da música de Wagner, cujas óperas lhe reforçavam a ideia da raça ariana como superior. Os pontos de vista de Wagner seguramente “glamourizaram” o pensamento nazista, que avançou em 1908: Eva, filha do compositor, casou-se com Houston Stewart Chamberlain, autor de um livro racista, “Os Fundamentos do Século Dezenove” (“Die Grundiagen des Neunzehnten Jahrunderts”, 1899) chancelado pelo nazismo. As publicações de Chamberlain, um inglês germanófilo que obteve nacionalidade alemã e escrevia no idioma adotivo, asseguravam a superioridade da raça ariana e tinham o antissemitismo como bandeira principal. Suas teorias ajudaram a abrir campo ao pensamento racista que conquistou espaço e resultou em brutal perseguição aos judeus na Alemanha e países sob seu domínio, chegando à chamada “solução final”, o Holocausto, um dos maiores genocídios que a humanidade conheceu. Em 2007, a União Europeia aprovou uma lei que considera crime quem negar a existência daquele genocídio de mais de 6 milhões de pessoas.
Não teria sido diferente com o 1,5 milhão de armênios mortos pelos otomanos e humilhados com as maiores e inenarráveis atrocidades, genocídio ainda não reconhecido pela ONU. (Recomendo o livro “O Grito do Cordeiro”, do meu amigo Luis Carlos Magaldi [SP: Editorial 25. 2013], ficção baseada em fatos reais coletados com esmero de descendentes dos vitimados pela cruel perseguição). Em Boston, em 1980, participei de um concerto em homenagem aos 65 anos do massacre, com a presença e a música de compositores e regentes de origem armênia, como Hovhaness (1911-2000), que lecionou no Boston Conservatory e é considerado um dos mais prolíficos e importantes autores da música norte-americana. Técnica refinada aliada ao domínio da orquestração, música, harmonia e melodias impregnadas da cultura de seu povo.
Segundo o “Oxford English Dictionary”, massacre é “o brutal e indiscriminado assassinato de pessoas (…), em grande número”. Entre os mais conhecidos, o de Anglesey (Brittania, 61 d.C.), o de Banu Quraysa, na Arábia Saudita (627 d.C., mais de 900 mortos), o “Massacre dos Latinos” (1182), em Constantinopla, pelo Império Bizantino, o de Chipre (1580), 50 mil cristãos gregos e armênios mortos pelos otomanos, a “Noite de São Bartolomeu”, em Paris (1572), massacre de huguenotes pelos católicos, Yangzhou, na China (1645), perto de 800 mil vítimas, chegando enfim aos 4 ou 5 milhões de mortos por Stalin, e já citados genocídio de armênios e o Holocausto, entre outros.
Discriminações aparentemente inofensivas como a xenofobia podem desencadear consequências como preconceitos, e daí a coisas piores. Felizmente, muita luta que tem sido empreendida em tempos recentes contra todos as discriminações – sejam por origem, raça, credo ou opção sexual –, em parte aliadas à defesa de interesses financeiros.
Salve a música, que não conhece fronteiras! À parte certos arroubos ultranacionalistas brasileiros durante certo período, que em nada colaboraram para o nosso crescimento artístico, basta ver que a Sinfônica do Municipal de São Paulo foi criada com mais de 80% de italianos, muitos ótimos músicos. Nos EUA e Europa, Claudio Abbado, italiano, e Simon Rattle, inglês, são os dois últimos nomes à frente da Filarmônica de Berlim, e da Sinfônica de Boston não conheço sequer um regente norte-americano. A condição para qualquer músico entrar em uma grande orquestra é apenas uma: tocar melhor. A música une as pessoas, fala todos os idiomas e promove a boa convivência dos povos, sem fronteiras.