Quase todas as segundas-feiras, Nilce Maria repete ritual que envolve disciplina, mas tem como resultado promover a alegria. Apesar de não ser funcionária da Santa Casa de Misericórdia, ela vai ao hospital semanalmente – sempre que as condições físicas permitem – para um trabalho especial.
Ela integra o grupo “Doutores do Bem Bom”, fruto de movimento inspirado em filme e que existe no município há 14 anos.
Nilce é voluntária no hospital e, sempre que é convocada, contribui em campanhas “extramuros”, como a de cadastro de doadores de medula óssea, realizada no dia 28 de outubro.
Apenas parte do grupo participou do evento no mês passado. “Eu e um número grande de meninas ajudamos sempre que podemos”, comentou Nilce.
No Cemem (Centro Municipal de Especialidades Médicas), o cadastro reuniu mais de 17 voluntários. Pelo menos seis deles eram do “Doutores do Bem Bom”.
O grupo vai ao hospital uma vez por semana, caracterizado com roupas extravagantes. Além de contar piadas, os integrantes entregam brindes para os pacientes, quaisquer que sejam as idades deles.
Na maior parte das vezes, são pirulitos nas versões “diet”, para pacientes que tenham restrições, ou “normais”.
Conforme Nilce, o trabalho que completa quase 15 anos neste ano é antigo, começou por iniciativa de Sandro Bossolan e foi motivado pelo filme “Patch Adams”, uma comédia dramática.
No longa, após tentar se suicidar, Hunter Adams ou Patch Adams (interpretado por Robin Williams), voluntariamente, interna-se em um sanatório. Lá, ele descobre um verdadeiro dom de querer ajudar os outros internos, e decide ser médico para cumprir o desejo.
“Quando o filme foi lançado, ‘bombaram’, mundialmente, grupos nos hospitais. Começou assim. E eu fiz parte do primeiro de Tatuí por um tempinho”, contou Nilce.
Embora houvesse interesse por parte dos integrantes, muitos deles acabaram não conseguindo dar continuidade ao trabalho. Nilce, então, formou um segundo corpo de voluntários, que resistiu mesmo à perda de alguns membros. “Palhaço também morre, mas a gente continua”, asseverou.
Com menos “tempo de residência”, as irmãs Rosa Maria Coração e Rosemeire Marques viraram “doutoras” por influência da amiga. Rosa Maria conheceu o trabalho de Nilce quando acompanhava um avô, internado no hospital.
“Ela (Nilce) foi ao quarto para fazer uma visita e levar um pirulito. Nós éramos amigas de escola e, quando vi o trabalho dela, contei que tinha vontade de fazer o mesmo. Ela, então, me convidou, e estou há quatro anos”.
Para Rosa Maria, os pagamentos pelas consultas da alegria são os sorrisos dos pacientes. A “doutora” atestou que o “tratamento do riso” tem duplo efeito. “Faz um bem tanto para nós como para os pacientes. É muito gratificante”, comentou.
A equipe faz visitas a pacientes do hospital o ano todo. Só não “dão expediente” quando algum dos integrantes não está bem. A preocupação do grupo é evitar que os pacientes possam se contaminar com gripes ou alergias.
Essa regra evita que os internos, com imunidade baixa, possam ficar suscetíveis à piora. A recomendação serve para todos os pacientes e é seguida à risca pelo grupo.
Nilce contou que as visitas semanais começam pela pediatria, em encontro com as crianças. Depois, os doutores seguem pelos quartos da clínica médica, da ala cirúrgica e terminam no Pronto-Socorro Municipal “Erasmo Peixoto”.
A UTI (unidade de terapia intensiva) da Santa Casa também é visitada. O grupo vai até o setor para entregar pirulitos e balas aos profissionais que atuam lá.
Para percorrer todos esses espaços, o grupo chega ao hospital às 19h30 e sai às 23h. Fora oferecer os doces, os voluntários conversam com os pacientes e procuram interagir com eles.
“Contamos piada, falamos bobagens, porque o objetivo é fazer as pessoas rirem, esquecerem-se dos problemas”, contou Rosa Maria.
Para arrancar sorrisos, as voluntárias brincam com os pacientes. Fantasiam que, ao invés de uma cirurgia para extração de vesícula, as pessoas foram submetidas a uma operação plástica.
“Digo que é mais chique, e as pessoas começam a rir e a sair do clima de tensão”, exemplificou Nilce.
Personagens como Zé da Bota, um galã evangélico, e o cover do Tiritica também contribuem com a ação.
Boa parte dos voluntários usa, como recurso para fazer rir, cores fortes, óculos e peruca. O visual ajuda a diferenciar a equipe dos médicos, conforme explicou Nilce, e a fazer os pacientes relaxarem.
“Comecei em um grupo no qual todo mundo ia vestido de palhaço, mas, como havia alguns filmes de terror, muita gente tinha medo. Aí, pensamos em trocar por um jaleco branco, mesclando com roupas coloridas, bichos e broches”, contou.
Nilce revelou que a substituição deu certo, mas aconteceu gradualmente, conforme o grupo ia experimentando novos formatos. “O jaleco somente não funcionou porque as crianças choravam muito, mas nós fomos adaptando-nos”.
A cada visita, os voluntários faziam novas experiências na tentativa de alegrar os pacientes e não assustá-los. Primeiro, retiraram os objetos que lembravam injeções. Depois, começaram a incluir cores nas vestimentas.
“Quando o Zé da Bota entrou, ele chegou com uma camisa xadrez, uma gravata do Mickey Mouse, chapéu na cabeça, um óculos de sol, um guarda-chuvas destrinchado e um cavalo de madeira com cabeça de pelúcia, que relinchava. Isso funcionou, porque os pacientes riram dele”, afirmou.
A ideia de evitar o “branco puro” agradou os pacientes e impressionou os médicos. Um deles chegou a pedir emprestado um dos objetos usados pelo grupo – um par de óculos com um nariz grande e sobrancelhas sobressalentes – para conseguir atender a um menino de Cesário Lange, internado em Tatuí.
Na época, Nilce contou que o trabalho local inspirou mudanças até mesmo na AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente) da capital.
Segundo ela, a mãe de um paciente internado na Santa Casa, que fazia tratamento em São Paulo, mencionou às profissionais da entidade que as cores deixavam o menino mais propenso a receber atendimento médico e fisioterapêutico.
De acordo com a voluntária, a equipe da associação resolveu mudar as vestimentas e, a partir da transformação, ter maior aceitação por parte dos pacientes.
Trabalho exigente
Integrante do grupo há dois anos, Rosemeire Marques demorou a se acostumar com o trabalho. Ela considera a ação voluntária gratificante, mas exigente.
A “doutora” chegou a pensar em desistir, depois de presenciar um momento de dificuldade atravessada por um paciente que estava internado no pronto-socorro.
Com incentivo da irmã e dos demais membros do Doutores do Bem Bom, ela resolveu continuar. Atualmente, encontra muito mais razões para seguir com o trabalho do que para parar com ele. “É muito gostoso ver as pessoas felizes”, disse ela, que, como os demais, usa recursos próprios para comprar os doces.
O grupo também se une para adquirir produtos usados para fabricar bolas de sabão e bexigas, estas últimas, transformadas em cachorros e diversos outros objetos.
“Compramos tudo com o nosso dinheiro. Cada um monta um kit próprio. No Dia das Crianças, costumamos reforçar os itens”, contou Nilce.
Quem quiser conhecer mais a respeito do trabalho do grupo deve procurar os integrantes na entrada da Santa Casa. Os “doutores” reúnem-se sempre às segundas.