Violência contra mulher em Tatuí tem crescimento nos finais de semana

Dados da Delegacia da Mulher confirma o indicativo estadual

Boletins de ocorrência crescem 90% nos finais de semana (Foto: Divulgação)
Da reportagem

Na cidade de Tatuí, apesar de não possuir um painel indicativo específico de casos de violência contra a mulher, o aumento pode ser observado pelos números de boletins de ocorrência registrados na Delegacia da Mulher.

A escrivã da DDM Sandra Seabra Mayer conta que os registros pela delegacia especializada apontam aumento no número de ocorrências, principalmente nos finais de semana. E esclarece que a violência fica mais suscetível nesse período devido ao casal permanecer mais tempo juntos.

“Somando-se a isso, existe o fator bebida alcoólica e uso de entorpecentes, que acentuam as discussões e, consequentemente, a violência”, observa Sandra.

Ela também avalia que, nesses dois dias (sábado e domingo), o número ocorrências cresce cerca de 90% em relação aos outros. “Mas, são poucas que não voltam na intenção de retirar a queixa”.

Conforme explicou a escrivã, atualmente, por meio da Lei Maria da Penha, sendo o crime considerado como lesão corporal, não é mais possível retirar a ocorrência.

“Trata-se de ação penal pública incondicionada, sendo desnecessária a manifestação pela vítima para o prosseguimento do processo penal. Tentamos explicar, mas algumas ficam revoltadas, dizendo-se que estão no direito delas em retirar a queixa”, salienta.

Para a psicóloga do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher Ana Cláudia Bertin, o consumo de bebidas alcoólicas e entorpecentes pode agravar a violência doméstica, por conter substâncias que tendem a desinibir o agressor, aumentar a agressividade e reduzir a capacidade de autocontrole.

“Isso pode levar a um aumento na intensidade e na frequência dos episódios de violência. É importante destacar que o consumo de substâncias não é a causa raiz da violência doméstica, mas pode ser um fator contribuinte. Em qualquer caso de violência doméstica, é fundamental buscar ajuda e apoio, tanto para a vítima quanto para o agressor”, explica.

A advogada Ana Lúcia Camargo Oliveira Villar reforça que, na cidade, vítimas de violência contam com o apoio e proteção da Justiça Restaurativa.

No entanto, esclarece, que a população, por falta de conhecimento, entende que o órgão “restaurativo” atua somente em casos em que a mulher já tenha sofrido agressão física. Ela esclareceu que, por meio dos conselhos, é possível ampliar esse conhecimento, para que não se chegue ao estágio de violência extrema.

“A vítima é encaminhada à Justiça Restaurativa com a efetivação da violência física, mas o órgão age como medida protetiva atuante, contando com uma equipe multifuncional, que orienta sobre a violência psicológica que envolve os problemas femininos”, acentuou.

Embora não seja causada por danos físicos, a psicóloga esclarece que a violência psicológica também se enquadra na Lei Maria da Penha. Atos de humilhação, desvalorização moral ou deboche público, assim como atitudes que abalam a autoestima da vítima, são elencados como violência que afeta a saúde mental delas.

“A violência psicológica pode se tornar recorrente, especialmente se não for interrompida ou tratada adequadamente. Quando a violência psicológica ocorre uma vez, existe o risco de que se repita, pois o agressor pode sentir-se justificado ou encorajado a continuar com esse comportamento”, reforça.

Ela sustenta que a violência psicológica pode criar um ciclo de abuso, no qual o agressor alterna entre períodos de comportamento abusivo e de aparente arrependimento ou promessas de mudança.

“Esse padrão pode fazer com que a vítima se sinta confusa, manipulada e presa na relação. Por isso, é fundamental interromper o ciclo de violência o mais cedo possível”, esclarece.

No ano de 2022, a Câmara Municipal havia aprovado dois projetos relacionados à proteção da mulher. O primeiro, de autoria do prefeito Miguel Lopes Cardoso Júnior, institui na cidade a campanha permanente de combate à violência contra as mulheres e ao abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes.

A ação visa incentivar o registro da denúncia e sensibilizar a sociedade em geral sobre a importância da participação de todos no combate aos crimes de violência contra a mulher, abuso, exploração sexual e de pedofilia.

O segundo PL aprovado à época, de autoria da então vereadora Débora Camargo, criaria um cadastro único de violência doméstica no município (Cavid), a reunir todas as informações relativas às vítimas de violência doméstica, provenientes dos órgãos públicos federais, estaduais e municipais.

A unificação e a integração dos dados do cadastro, que deveria ser de competência da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, por meio do Creas (Centro de Referência Especializado de Assistência Social e do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher), no entanto, ainda não foi efetivado.

Inclusive, no ciclo de palestras em alusão aos 17 anos da “Maria da Penha”, ocorrido no mês de setembro na Câmara, o assunto foi debatido entre os participantes.

Eles solicitaram aos órgãos competentes que asseguram a segurança pública no município e a criação de um canal de informações para que, a partir dele, a população possa ter contato com os números absolutos de casos de violência no município.

De acordo com a coordenadora de proteção social básica da Secretaria de Assistência Social de Tatuí, Débora Cristina Franco Nunes Rosa, o órgão de apoio à mulher está montando um fluxo da violência para entender onde a mulher deve buscar ajuda e quais são as instituições e políticas públicas do município voltadas a ela.

“Além de falarmos um pouco da violência, pretendemos conscientizá-las de que elas têm onde pedir apoio”, informa.

Ela comenta que o Conselho Municipal da Mulher tem feito um trabalho de mapeamento dos locais que recebem as vítimas de violência para saber se estão conseguindo atendê-las de forma que elas se sintam acolhidas.

“Além de falarmos sobre a violência e a denúncia, é mostrar para essa mulher que ela não está sozinha. Essa violência vem de todas as formas. Ela começa dentro de casa, mas é cultural”, conclui.

Registros

O registro de novos casos de feminicídio e violência doméstica contra a mulher cresceu cerca de 40% nos tribunais estaduais em 2022. Casos que permanecem pendentes na Justiça, sem que ainda tenham sido totalmente encerrados (arquivados, transferidos ou transitado em julgado), cresceram 15%.

Os dados do Tribunal de Justiça de São Paulo mostram que, a partir do ano de 2017, os casos de violência contra a mulher cresceram no estado.

Em 2017, houve registro de 455.641 novos casos de feminicídio e violência doméstica contra a mulher nos tribunais estaduais. Já em 2022, esse número subiu para 640.867. Em relação aos processos pendentes, em 2017, havia 919.346 ações, saltando para 1.062.457 em 2022.

No ranking dos tribunais, o de Justiça de São Paulo é o com o maior volume de casos pendentes: 164.383. De acordo com os dados da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, até o mês de setembro deste ano, o interior do estado havia registrado 17 feminicídios.

Comparado com o mesmo período do ano anterior, o número de mortes aponta aumento de 240%. Entre janeiro e setembro do ano passado, o estado somou cinco feminicídios.