O primeiro sinal estridente de que nossa situação política, econômica e social não estava saudável veio em 2013, quando as multidões inundaram ruas e praças explicitando o descontentamento geral do país.
Não havia lideranças da oposição à frente do movimento popular detonado pela classe média. E os chefes da situação também sumiram.
Havia, isto sim, “movimentos” novos, franco-atiradores por trás da arregimentação, servindo-se do vertiginoso avanço tecnológico na área da comunicação social. As redes sociais com seus inquietos celulares clamavam dia e noite contra a corrupção, o desemprego, a recessão, o cinismo dos responsáveis pela situação e a conduta de certos políticos tradicionais.
Nasceu o ódio contra o “Sistema”.
A Lava Jato escancarou a podridão reinante no mundo político, administrativo e empresarial. Figurões exponenciais do tal mundo foram parar nas dependências antes reservadas apenas para delinquentes inexpressivos socialmente. Como detentores de títulos universitários ou ocupantes de cargos suntuosos da República, alguns tiveram direito a espaços “especiais”, longe dos humildes “pés de chinelo”.
A Lava Jato – chamada por alguns a República de Curitiba – acendeu a chama da esperança de um país afundado no desencanto cívico e na desilusão com a maioria dos governantes, justamente aqueles que deveriam ser os guardiões do dinheiro público, tão necessário aos serviços de saúde, educação e segurança da população.
Dona Dilma assustou-se ao ver as multidões bradando nas ruas, contra ela e seu governo. Estava acostumada ao alarido dos aplausos e homenagens. E agora não recebia mais palmas nem em Palmas, lá em Tocantins. Vaias e palavrões estrondosos explodiram nos estádios entupidos de torcedores. E aí pensou em plebiscito como remédio para acalmar o povo. Desviar o foco. Jogar água fria.
Quando resolveu consultar quem entendia do assunto, justamente seu companheiro de chapa eleitoral, Michel Temer, professor de Direito Constitucional da PUC de São Paulo, a resposta foi esta: “Não. Não é caso de plebiscito, presidenta”!
E aí deu no que deu.
A crise se aprofundou. Impedimento de Dilma e posse de Temer. O vice balançou mas não caiu, graças à Câmara.
A bandeira do ódio foi hasteada na campanha eleitoral o tempo todo e continua tremulando…
Penso que se vivêssemos em um regime parlamentarista, já em 2013 a cabeça do primeiro-ministro (chefe do governo) teria rolado com uma simples moção de desconfiança aprovada pelo parlamento. O presidente ou “presidenta” teria chamado um líder para a formação de um novo governo e a vida seguiria. Não conseguiu formar? Chamaria outro líder – e assim por diante – até chegar-se a uma solução. Complicou demais? Dissolveria-se o parlamento para a realização de novas eleições parlamentares, tudo sob o comando do chefe do Estado (presidente), o único que tem “cadeira cativa” por tempo certo, constitucionalmente.
Mas aqui, no reino dos milhares de “cargos de confiança”, “voto proporcional”, “32 partidos”, discursos “nós contra eles”, “quem manda sou eu”, ninguém quer saber da “Rainha da Inglaterra”… É muita fineza, muita educação!
O parlamentarismo também tem suas crises – crises políticas que se resolvem politicamente; dialogando, conversando com sabedoria. Civilizadamente. Sem casuísmos e vinganças, sem tiros e sem facada. Tudo na paz de crianças dormindo.
* Procurador aposentado do estado de São Paulo. Tem diversos livros publicados, poemas e crônicas editados em Portugal e na Argentina.