Única sobrevivente de tragédia faz desabafo sobre demora da Justiça

Única sobrevivente de tragédia ocorrida em 2010, na vila Dr. Laurindo, a professora aposentada Rosana Marina Regina Unterckircher procurou a reportagem de O Progresso para um desabafo. Ela se queixa da demora do julgamento do crime pelo qual Papick Richard Bianchi Viscelli, é acusado.

Na época com 25 anos, Viscelli teria matado o sogro, Eli Benedito Donizetti Badin, ferido a sogra e a esposa, Erica Unterckircher Badin, a facadas. O jovem estava separado da mulher e teria ido até a casa dos sogros para conversar.

Após desentendimento, o acusado teria pegado uma faca – que levara ao local – e agredido os três. O sogro recebeu dez facadas e morreu no local.

A jovem e a mãe dela também foram golpeadas. Viscelli ainda agrediu os pais, que correram na tentativa de acalmá-lo. O desentendimento ocorreu no portão da casa das vítimas. O agressor só foi contido após a chegada da Polícia Militar.

As vítimas foram atendidas na Santa Casa. Entretanto, Badin não resistiu aos ferimentos. Erica permaneceu internada, mas fora de perigo, e Rosana passou por atendimentos.

Viscelli permaneceu detido por seis anos e um mês, mas teve habeas corpus, com pedido de liminar, concedido em novembro de 2016. A defesa dele pediu – por mais de uma vez – a revogação da prisão preventiva decretada em 21 de outubro de 2010, sob a alegação de “excesso de prazo na formação da culpa”.

De acordo com o pedido atendido, a sentença de pronúncia (aquela feita pelo juiz quando do entendimento da culpabilidade do réu) havia sido anulada por duas vezes. Sem previsão para julgamento pelo Tribunal do Júri, ele obteve soltura.

A liberdade do suspeito gerou indignação da ex-sogra. Rosana disse entender que Viscelli tem o direito de responder em liberdade, mas argumenta temer pela integridade física dela e da neta – que é filha do suspeito com Erica. A mãe da menina faleceu no dia 14 de junho de 2011, vítima de acidente de moto.

“Ele tem o direito de refazer a vida dele, o que eu estou chateada é com a Justiça. Como alguém mata, fica seis anos preso e sai na hora que quer, faz o que quer e fala o que quer para uma criança, como se fosse o dono do mundo?”, questionou.

Rosana ainda relembrou fatos da tragédia. Ela disse que Viscelli havia ingerido comprimidos (de uso não especificado) um dia antes do crime, “para tentar se matar”. O motivo seria o fim da relação de Erica com o rapaz.

“Como ele insistiu muito para voltar para a família, meu marido aconselhou-a a reatar. Mas, nesse meio tempo, ele estava saindo com uma moça”, disse.

A vítima afirma que Viscelli teria sido flagrado com a jovem, em um veículo. De acordo com Rosana, ele não convivia mais com Erica havia quatro meses. “Ele nem vinha visitar a criança, uma menina que eles tiveram”, sustentou.

A criança tinha perto de um ano de idade quando da data dos fatos e, desde então, é criada pela avó. Rosana relatou que, passado um tempo depois de ter sido flagrado com a moça, o suspeito voltara a procurar a ex.

Segundo Rosana, Viscelli teria dito a Erica que estava arrependido. “Ele veio na frente de casa e trouxe até um carro de som. Nesse tempo, ele morava na casa na qual chegou a viver com minha filha, no Jardim Palmira”, descreveu.

O casal residia perto de um mercadinho e, no imóvel, teria as brigas como rotina. Rosana disse que a filha permanecia muito tempo sozinha e que o ex-genro voltava tarde do trabalho.

“Ela não trabalhava. Na época, tinha feito pedagogia e prestado concurso na Prefeitura. Estava esperando ser chamada para a função de professora”.

A filha teria contado à mãe que Viscelli a maltratava verbalmente. “Os vizinhos falavam que era muita gritaria. Ela nunca comentou comigo que ele batia nela, nunca vi, mas era agressão verbal”, disse.

Segundo a professora aposentada, o jovem chegou a morar com os sogros por um período de cinco anos, depois de ter batido no pai e sido posto para fora de casa. Viscelli deixou a residência dos sogros quando ficou noivo e após arrumar emprego, por indicação de Badin. Depois, casou-se com Erica.

O casal permaneceu junto por cinco anos, tendo se separado em decorrência dos sucessivos desentendimentos. No dia do rompimento –ocorrido em julho de 2010 –, o jovem teria tomado vários comprimidos e tentado esganar a esposa, segundo a professora.

Depois desse episódio, Rosana disse que a filha deixou o marido. Quatro meses depois, ela reatou o relacionamento. A mãe da vítima conta que Viscelli teria pedido perdão e dito que estava doente, acometido por um câncer.

No mesmo dia que o casal reatou, Viscelli teria agredido a mulher e jogado a filha na cama, declarou Rosana. Na época, ela lecionava na rede municipal da Educação. “Saí do HTPC (horário de trabalho pedagógico coletivo) correndo, porque ela estava pedindo socorro e disse que ele havia tomado comprimidos”, narrou.

O casal havia brigado por volta das 11h do dia 20 de outubro. Depois de ter tentado enforcar a mulher, Viscelli teria se trancado no banheiro da residência.

A ex-sogra contou que guardas civis municipais precisaram estourar a porta para retirá-lo de lá. O jovem, então, foi levado ao pronto-socorro para lavagem estomacal.

No dia seguinte, Viscelli teria ido com os pais até a casa dos sogros. Antes, teria proferido ameaças e, conforme Rosana, dito que, caso Erica não reatasse o relacionamento, “mataria todo mundo”.

“Ele veio na minha casa já com a intenção de fazer porcaria”, sustentou a professora aposentada. A vítima disse que chegara a ver duas facas com o suspeito e ter “sentido” uma delas quando tentava afastar o jovem do marido.

Badin recebeu facadas logo depois de ter aberto o portão da casa e de Viscelli ter retirado a filha do colo de Erica e tê-la colocado no banco do carro dos pais dele. “Ele já veio com intenção. Estava com o olho todo vermelho, paralisado”, sustentou.

De acordo com Rosana, para pegar a menina, o agressor havia esfaqueado os braços da mulher. “Ele cortou todos os nervos radiais. Ela perdeu o movimento do braço direito. Meu marido levou facadas na barriga, no peito e nas costas”, descreveu.

A moça precisou ser transferida a Sorocaba, urgentemente, pois corria o risco de ter o braço amputado. Já o pai dela faleceu enquanto era atendido pelo Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência). Rosana – que estava menos ferida – foi levada à Santa Casa no camburão da PM.

O crime ocorreu no período da tarde, perto das 17h30, antes de a família da professora aposentada deixar a casa. Rosana conta que ela e o marido levavam a cunhada diariamente até a casa da sogra dela, no Jardim Santa Emília, para tomar conta da idosa. “Foi nessa hora que os pais dele o trouxeram”, relatou.

A professora ainda revela outro detalhe sobre o crime: conforme ela, uma das facas teria sido “puxada” de dentro de uma boneca que pertencia à filha do suspeito.

“Quando vi que o Eli tinha levado muitas facadas, ergui a mão dele (Viscelli) para cima e peguei na cintura. Senti outra faca, não encontrada. A Erica me disse que ele tinha tirado a primeira de dentro de uma boneca”, afirmou.

Durante a confusão, Rosana levou uma facada nas costas e caiu ao chão. O suspeito ainda desferiu um golpe que atingiu uma das pernas da professora. “Depois é que eu levantei e vi meu marido correndo e um rio de sangue no chão. O Eli não aguentou e caiu umas duas casas depois da minha”, recordou.

Segundo a professora, o jovem não atingiu a filha dele porque “alguém pegou a criança e correu”. Rosana afirmou que Viscelli ainda correra atrás da pessoa, mas não a alcançara. “A menina ficou na casa da família dessa pessoa por uma semana. Se existe anjo da guarda no mundo é ela”, argumentou.

Transferida ao Hospital Regional de Sorocaba, Erica recebeu tratamento para evitar a perda do braço em outra unidade de saúde. “Ela foi levada a outro local, pelo convênio Apas (Associação Policial de Assistência à Saúde)”, contou Rosana.

A professora disse não se conformar com a libertação do suspeito. “Ele fez tudo o que fez e ainda está em liberdade. Anda livremente, com restrições, mas tem o direito de ver minha neta”, afirmou.

Rosana contou que os pais do suspeito conseguiram o direito de ver e ficar com a menina. Também disse que a criança tem contato com o pai e que teme por ela. “Ele fala mal da mãe (Erica) e da minha família”, declarou.

Além do marido, a professora aposentada perdeu a filha, quase um ano depois da tragédia. Ela morreu em um acidente de moto, conduzida pelo então novo namorado. “Ele faleceu junto com ela. Era uma pessoa maravilhosa. Minha filha conheceu o verdadeiro amor com ele, antes de partir”, comentou.

Rosana também procurou a reportagem por medo de perder a guarda da neta. Desde o crime, a menina vive com ela. “A família do pai dela não paga pensão, somente a avó paga uma escola de balé. Mas, eles falam que vão tirar a menina de mim. Esse país tem que mudar em termos de Justiça”, encerrou.