Trinta e três anos de defesa da criança e do adolescente

No dia 13 de julho, há 33 anos, é celebrada a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A lei federal 8.069 regulamenta, desde então, o trabalho das instituições voltadas à promoção e defesa dos direitos das crianças e adolescentes.

“Mas, será que exercer o estatuto é uma tarefa apenas das organizações de proteção e das escolas?”, questiona Ricardo Mariz, diretor socioeducacional e evangelização da rede escolar Marista Brasil.

Ele reconhece avanços pelo ECA, observando que, antes, “prevalecia a ideia da situação ‘irregular’, ou seja, crianças e adolescentes somente eram considerados na lei quando estavam em alguma situação em que havia necessidade de repressão, como abandono ou ‘delinquência’”.

Com o Estatuto da Criança e do Adolescente, lembra, foi introduzido o viés da “proteção integral”. Com isso, passou a ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar as garantias previstas na legislação.

Crianças e adolescentes, por consequência, foram alçados à condição de cidadãos, não mais “objetos de intervenção”, senão “sujeitos de direitos em desenvolvimento e com prioridade absoluta”.

“Ano após ano, os números mostram que a proteção integral é uma necessidade no nosso país”, defende o educador. Como exemplo, ele aponta que, nos primeiros quatro meses deste ano, foram identificadas 17,5 mil violações sexuais contra crianças e adolescentes, registradas no Disque 100.

Os números do Ministérios dos Direitos Humanos e Cidadania indicam aumento de quase 70% em relação ao ano anterior. No cenário socioeconômico, em 2022, mais de 10 milhões de crianças e adolescentes com idades entre 0 e 14 anos viviam na extrema pobreza, com renda domiciliar mensal per capita de até um quarto de salário-mínimo.

“Todas essas estatísticas apontam que a pandemia, embora cada vez mais distante do período temporal em que vivemos, causou retrocessos profundos aos direitos de crianças e adolescentes”, avalia Mariz.

“O acesso, permanência e qualidade da educação são exemplos disso, mas não os únicos. Além da educação, houve prejuízos na dimensão da segurança alimentar, no combate à violência contra crianças e adolescentes e no próprio direito à saúde”, acrescenta.

“Em 2023, é necessário celebrar uma legislação completa como o ECA, mas é importante também reforçar, cada dia mais, a proteção integral dos direitos como uma prática que precisa ser frequente e constante”, pontua.

A justificativa pondera a realidade de que, com o tempo, surgem novas formas de violação, assim como novas maneiras de garantir os direitos de crianças e adolescentes.

“A implementação é um processo que envolve toda a sociedade e instituições que, em maior ou menor grau, dão sua contribuição na promoção, na defesa ou no controle da efetivação dos direitos”. “Fortalecer esse processo coletivo e democrático, que é o Sistema de Garantia de Direitos, é fundamental”, diz ele. Neste aspecto, há questões centrais.

Entre estas, destaca o educador: fortalecer as medidas de prevenção de situações de violência e desigualdade social, qualificação da atuação dos conselhos tutelares e a priorização da criança e do adolescente no orçamento público dos municípios, Estados e União. “Proteger as crianças atualmente é uma necessidade e um dever de todos”, conclui Mariz.

E o educador tem plena razão, sobretudo quando se reconhece um dos maiores problemas – senão o maior – na área criminal envolvendo crianças e adolescentes: a pedofilia, que agora cresce exponencialmente no ambiente virtual.

O professor de direito penal do Centro Universitário de Brasília (CEUB), Victor Quintiere, lembra que o ECA criminaliza a aquisição e a posse de material relacionado à pedofilia na internet e outras condutas relacionadas, além de orientar sobre as principais leis e medidas de proteção no combate à pedofilia e ao abuso sexual infantil.

Segundo ele, pais, mães, escolas e a comunidade em geral devem estar atentos a mudanças repentinas de comportamento e sinais de violência física nas crianças.

O jurista explica que o ECA reprime uma série de condutas, como produzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar qualquer cena de sexo explícito ou pornográfico envolvendo crianças, com pena de quatro a oito anos de prisão e multa.

Quintiere menciona o artigo 241 do estatuto, que trata da exposição à venda de registros ou vídeos contendo sexo explícito ou implícito de crianças ou adolescentes.

As técnicas de investigação são fundamentais para combater a distribuição de material alusivo à pedofilia. Para uma investigação em casos como estes, o docente do CEUB relata que autoridades policiais infiltram agentes em fóruns e grupos na Internet.

Também são utilizadas técnicas convencionais, como a quebra de sigilo telefônico e bancário, visando desmantelar organizações criminosas que lucram com a exploração de material pornográfico envolvendo crianças e adolescentes.

Quintiere ressalta a importância de profissionais que lidam com crianças e adolescentes estarem preparados para identificar indícios de pedofilia e abuso sexual.

Isso inclui observar mudanças repentinas de comportamento e sinais de violência física nas vítimas. “Para ajudar no combate a crimes como este, a comunidade em geral, incluindo escolas públicas e privadas, deve estar atenta a esses sinais, acolher as vítimas e encaminhá-las para o tratamento adequado, além de reportar às autoridades competentes”, ressalta o jurista.

Em mais números, o centro universitário aponta que, a cada 24 horas, 320 crianças são vítimas de abuso no Brasil, revelando uma situação “alarmante”.

De acordo com dados do Disque 100, em 2019, foram registradas 17.093 denúncias de violência sexual contra menores de idade, sendo a maioria casos de abuso sexual (13.418) e exploração sexual (3.675).

Os números também revelam que 70% dos casos de abuso e exploração sexual envolvem pais, mães, padrastos ou outros parentes das vítimas, sendo que 70% desses crimes ocorrem dentro do ambiente doméstico do agressor ou da própria vítima.

O “Disque 100” é um canal anônimo para denúncias de abuso infantil e violações de direitos humanos. Qualquer cidadão pode fazer uma denúncia, que será analisada e encaminhada aos órgãos competentes, 24 horas por dia.

Frente a mais este imenso desafio, portanto, a denúncia é fundamental. Isto é evidente, tal como o (mau) uso da internet, por um aspecto negativo, mas, por outro, os avanços proporcionados pelo ECA, razão pela qual, sim, há motivos concretos para se comemorar estes 33 anos de conquistas.