Travestis ‘libertadas’ pela PC ainda continuam em casa na Dr. Laurindo





Polícia Civil

Paola Bayton foi presa acusada de tráfico humano e exploração sexual

 

As 11 travestis libertadas pela Polícia Civil nesta semana ainda continuam em Tatuí. Vindas de diversos Estados do país, elas permanecem por tempo indeterminado na casa em que viviam – na vila Dr. Laurindo – em condições “subumanas”, conforme o delegado José Alexandre Garcia Andreucci.

Responsável pelas investigações, o titular do município afirmou na quinta-feira, 12, que elas deverão voltar às cidades de origem nos próximos dias.

As vítimas teriam sido “atraídas” para o município pela travesti “Paola Bayton”. Ela é apontada como chefe do esquema de tráfico humano desbaratado na quarta-feira, 11.

De acordo com a PC, Paola explorava sexualmente as travestis, mantidas na residência. Elas seriam obrigadas a dar uma parte do valor que conseguiam com programas sexuais como pagamento de dívidas contraídas.

Batizada como Claydson Alan Marques, Paola tem 36 anos. A Civil afirma que ela cuidaria pessoalmente da vigilância e da transformação física das travestis que estariam sendo exploradas. A maioria tinha dívidas aumentadas com colocação de próteses de silicone e aplicação de hormônios.

As investigações tiveram início com denúncias recebidas pelos setores de inteligência dos governos estadual e federal. Conforme o delegado, o caso chegou ao conhecimento do Ministério da Justiça, que determinou a apuração.

Em Tatuí, as informações foram repassadas aos investigadores, tendo sido o trabalho acompanhado por Andreucci e pelo delegado assistente, Emanuel dos Santos Françani.

Ambos destacaram equipes para monitorar as ações e fazer campanhas no local, uma casa na rua Senador Laurindo Minhoto, 580.

Depois de obter a confirmação das denúncias, Andreucci e Françani representaram junto ao Judiciário por mandado de busca e apreensão. “O fiel cumprimento dele aconteceu no dia 11, com a ‘Operação Arco-Íris’”, disse o titular.

Segundo ele, 11 travestis estavam na residência no momento em que os investigadores entraram no local. A casa teria sido transformada em “alojamento provisório, não oferecia segurança e apresentava falta de higiene e de condições dignas de habitação”.

“Encontramos travestis de vários Estados, do Ceará, Rio de Janeiro e da Baixada Santista”, relatou o delegado.

Andreucci afirmou que a PC constatou que as travestis eram atraídas a Tatuí via internet. Para chamar a atenção das vítimas, Paola se disponibilizaria a pagar passagens (de avião ou de ônibus).

As travestis fariam uma primeira parada em São Paulo, de onde pegavam um “taxi especial” – fretado pela aliciadora –, que as traziam até a residência no município.

Quando chegavam, seriam avisadas de que seriam cobradas pela viagem. Também seriam obrigadas a pagar as despesas dos serviços prestados com a acomodação. Entre eles: pagamento de água, luz, telefone, alimentação e do sistema de monitoramento.

A casa contava com um “forte esquema de segurança”. Andreucci contou 18 câmeras de vigilância instaladas no interior e exterior do imóvel. Os circuitos transmitiam imagens para a residência da travesti apontada como chefe.

Conforme o delegado, Paola alugou um imóvel na frente da casa, na qual recebia as travestis. Trata-se de um sobrado, amplo. A ideia era poder vigiá-las “mais intensamente” e, desta forma, evitar fugas e obrigar que elas pagassem pelas despesas. “Logicamente que tudo era superfaturado”, disse o titular.

Segundo as investigações, Paola também ofereceria tratamentos estéticos e hormonais, além de encaminhar as travestis para cirurgias de implantação de próteses de silicone.

O delegado afirmou que tratamentos “mais populares” (realizados por todas as travestis) também eram oferecidos às vítimas. Entre eles, laser – para retirada definitiva da barba – e silicone industrial.

O inquérito aponta que todas as 11 travestis haviam feito os tratamentos populares. “Elas teriam de pagar por esses serviços, entregando uma parte do valor obtido com os programas”, falou Andreucci.

De acordo com ele, Paola também ofereceria um “ponto” perto do autoposto Atlantic para que as travestis pudessem se prostituir. Entretanto, ela cobraria um valor a mais pelos programas porque oferecia serviço de segurança particular.

“A PC apurou que ela mantinha dois quarteirões no local (ao lado do posto de combustíveis)”, disse Andreucci. “As dívidas nunca eram quitadas, o que caracteriza trabalho praticamente escravo. Quanto mais a pessoa trabalhava, mais ficava devendo, e não podia abandonar o serviço”, completou.

Outras denúncias encaminhadas aos investigadores apontam que os travestis que não se submetiam às regras sofriam punições. “Há um tempo, um dos travestis que quis sair do local antes de pagar por uma prótese de silicone teve o seio arrancado”, afirmou o delegado.

Andreucci disse que a PC vai investigar a informação, além de um suposto esquema de fornecimento de hormônios femininos que seriam adquiridos junto a farmácias da cidade.

O inquérito aponta que as travestis tinham de seguir regras rígidas e não podiam sair do imóvel a não ser que fossem para o ponto de prostituição. “Elas passavam o tempo todo lá, tipificando o crime de tráfico humano interestadual”, disse o delegado.

A pena para esse tipo de crime varia de dois a cinco anos de reclusão. De acordo com o delegado, Paola responderá, também, pelo crime de favorecimento à prostituição, que tem pena de dois a cinco anos de reclusão.

“Ela pode pegar pena de quatro a dez anos, mas vale lembrar que ainda estão em investigações as clínicas médicas, os tratamentos clínicos e o uso de hormônios”, disse Andreucci. Caso a PC confirme as informações, Paola pode ter de responder a outros crimes, e mais pessoas poderiam ser indiciadas.

Em depoimento, as travestis contaram que as cirurgias eram realizadas em clínicas na cidade de São Paulo. O delegado explicou que elas haviam sido ouvidas na condição de vítimas e que devem retornar, ainda este mês, para os Estados de origem.

Afirmou, ainda, que os relatos serão confrontados com dados obtidos por meio de um “livro de contabilidade” apreendido na casa. O caderno mostra o nome dos travestis, além de datas de chegada e o valor das despesas por conta dos serviços.

O delegado informou que suspeita que as cirurgias sejam clandestinas. “Provavelmente, elas não têm a mínima condição de higiene e, em alguns casos, elas aplicavam silicone líquido industrial, que causa, obviamente, câncer”.

Para o delegado, a operação “Arco-Íris” representou a maior ação de libertação de pessoas traficadas e exploradas sexualmente na região. “Esses tipos de crimes são considerados, pela Justiça, como crimes contra a própria dignidade humana”, afirmou.

Aliciamento

A polícia de Tatuí começou a trabalhar no caso após receber denúncia formalizada no mês passado. Com base nas informações, os investigadores passaram a rastrear os “movimentos” de Paola em redes sociais. Isso porque o esquema de aliciamento se dava por meio da internet.

De acordo com o delegado, Paola realizava postagens com anúncios que chamavam a atenção dos travestis. Andreucci explicou que ela oferecia “oportunidade de cursos” para atraí-las até o município, com promessa de renda futura. Para agilizar a vinda, a travesti ofereceria passagens.

A PC afirma que o esquema não era explícito, uma vez que não havia acordo formal. As travestis só tomariam conhecimento do montante da dívida quando chegavam a Tatuí.

“Ela (Paola) não dava a entender que a pessoa ficaria devendo para ela. Ao contrário, oferecia benefícios”, contou o delegado.

Com base nos depoimentos, o titular afirmou que a minoria das travestis sabia do esquema de prostituição. Entretanto, vinha com a promessa de que faria cursos de qualificação. Segundo ele, a oferta incluía possibilidade de frequentar cursos de cabeleireiro, manicure, pedicure e tatuagem.

Algumas travestis teriam contado que receberam proposta de frequentar cursos em Bauru. “Na realidade, com a própria dívida que elas iam contraindo, jamais seria possível fazer esses cursos. A maioria não conseguia pagar e, para conseguir quitar os débitos, demorava anos”, falou Andreucci.

Além de arcar com os custos das viagens a Tatuí, Paola seria responsável por recepcionar as travestis. As investigações apontam que ela, em alguns casos, buscaria as pessoas em São Paulo e as trazia pessoalmente até a casa em Tatuí.

Para disfarçar o esquema, ela teria feito anúncios de aluguel de quartos. “No início, ela trazia as travestis para a casa dela. Depois que a coisa aumentou, ela alugou uma casa na frente e passou a monitorar, de lá, tudo o que estava acontecendo com as travestis e o que elas faziam”, relatou o delegado.

As filmagens eram feitas por 18 câmeras e transmitidas para a residência de Paola. A travesti apontada como chefe do esquema também manteria outras atividades comerciais, para justificar a posse de veículos de valor “muito alto”.

Para abrigar um maior número de travestis, os quartos da residência na qual eles viviam haviam sido subdivididos. A PC chegou a contabilizar oito beliches num único cômodo, totalizando espaço para 16 pessoas.

Conforme o delegado, as travestis também compartilhavam uma cozinha e podiam lavar roupas, em uma máquina, de maneira coletiva. “Tudo isso era agendado e contabilizado como despesa que as travestis teriam de cobrir”, citou Andreucci.

Para a polícia, as travestis contaram que poucas pessoas conseguiram quitar as dívidas. Em função disso, elas permaneciam por muito tempo no local. “A mais velha de casa morava lá havia três anos”, comentou o delegado.

Andreucci afirmou que Paola estaria se favorecendo com a “prostituição alheia”. O delegado explicou que a situação caracterizou como exploração sexual, já que a acusada estaria se beneficiando da atividade das travestis. “A prostituição não é crime, mas, se servir da prostituição do outro, é”, elucidou.

Também há o agravante das condições do alojamento. Por conta da subdivisão dos cômodos, muitos quartos acabaram não tendo ventilação (ficaram sem janelas).

“Num calor excessivo, isso é mais que uma acomodação indigna. Elas não podiam sair de casa para nada, a não ser para o ponto”.

As travestis também eram submetidas a regras rígidas de convivência. “Elas não podiam ficar de roupas justas na porta da casa e não podiam trazer homens para frequentar o espaço”, disse Andreucci.

As regras seriam determinadas por Paola, que acabou sendo transferida na quarta para uma cadeia da região.